Por: Júlio César Anjos
Mercado:
ente abstrato que não existe de fato. “O Mercado”, principalmente aquele auferido
no sistema financeiro, é uma artificialidade surreal das trocas voluntárias do
mundo real. E por estar vinculado a tudo o que acontece nos meios de trocas em
uma dada configuração, esse ente intangível pode contaminar o sistema tangível
do comércio em geral, afetando empregos e investimentos das pessoas que se
aventuraram na premissa de que é possível fazer dinheiro somente comprando
papel. E uma das histórias da tragédia do mercado financeiro ocorreu no Brasil,
crise conhecida como: Operação Zé Com Zé.
Houve
um tempo em que o Brasil dispunha de duas Bolsas de Valores: A Bovespa e a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro [BVRJ].
E a partir dos anos 80 elas começaram a concorrer entre si, com o intuito de capitanear
mais investidores. Como estavam em disputa, precisavam se diferenciar. E uma
dessas diferenças se dava no quesito regulamentação. As empresas listadas na Bovespa,
com premissa da prudência - sofriam um forte controle para que não houvesse fraude
[o que gerava burocracia para investir]. Já as empresas listadas na BVRJ, com
premissa anárquica, tinham liberdade para atuarem como quiser. E Naji Nahas
preferiu investir na bolsa do Rio.
Como
a BVRJ não tinha regulamentação, Naji Nahas criou a famosa operação Zé com Zé.
A prática era até mesmo pueril. Consistia em valorizar o papel de negociação de
maneira fictícia entre dois investidores, ou mais, que não existiam. O papel se
valorizou, os olhos de outros investidores cresceram, mais pessoas investiram
nestes papéis com valores artificializados, até que chegou o estouro da bolha destes
ativos, quebrando a BVRJ como um todo. [Malandro é malandro; mané é mané]
Se
o leitor assistir na Netflix o documentário Inside Job – traduzido no Brasil
como Trabalho Interno -, verá que a premissa é a mesma no mundo todo: Falta de
Regulamentação – Artificialidade por meio de esquema Ponzi – Estouro de bolha –
E crise do mundo virtual (quebra de bolsa) contaminando o mundo real (gerando
desemprego e falências).
A
Bovespa, regulamentada e monopolista, reinou por um bom tempo. A bolsa de São Paulo
passou pela crise de 2008 sem um arranhão porque não havia bolhas em seus
papeis, o que fez o Lula dizer que a Tsunami nos EUA chegou ao Brasil como uma
marolinha. Mas o sistema financeiro brasileiro não conseguiu aguentar a crise
da Dilma, chegando a menos de 40 mil pontos [o que era baixíssimo mesmo para
aquela época].
Essa
quantidade pequena de pontos na Bolsa se dava porque o Brasil, desde a era do
Plano Real [Passando por FHC, Lula e Dilma], sempre teve um taxa Selic alta
[títulos do tesouro que possuem garantia e lastro], concorrendo com a bolsa de
valores [que não dá garantia nenhuma].
A
petista gera uma das maiores crises que o Brasil já sofreu, fazendo com que a
presidente fosse até mesmo destituída do poder. Assume a presidência o vice Michel
Temer. É a partir deste momento que o mercado financeiro começa a ganhar
terreno. Deste modo, então, o governo cria o teto de gastos, medida que faz o governo
ter que cumprir uma determinada regra de despesas, o que faria com que não
precisasse captar mais recursos via venda de títulos do tesouro. E em 2017 começa-se
a reduzir a taxa de juros da Selic, o que faz aguçar o apetite do mercado
financeiro. Os investidores, então, deixariam de investir na Selic para irem à
Bolsa de Valores.
Estimulados
pela euforia de um “novo Brasil” sob o governo Bolsonaro, pois o “mercado” vive
de expectativa, o mercado financeiro resolveu ganhar terreno ao inocular na
sociedade brasileira a ideia de que o Brasil não possuía muitos CPFs
registrados nas Bolsas de Valores, o que significava oportunidades perdidas.
Diziam que os EUA tinham mais de 30 milhões de pessoas operando em Bolsa,
enquanto que no Brasil não passava de 2 milhões de CPFs cadastrados.
Com
o Governo Bolsonaro-Guedes mantendo o teto de gastos, reduzindo a taxa de juros
abaixo da inflação, além de perspectiva de melhora do país diante um governo de
direita, Muita gente entrou no mercado financeiro com investimentos a partir de
50 reais.
Mas
2020 a economia global entra em um ponto de inflexão. Veio a pandemia e as bolsas
do mundo todo poderiam derreter. E só não derreteram porque os governos injetaram
liquidez para reduzir tais efeitos danosos ao “mercado” – ente abstrato que não
existe de fato.
O
tempo passa e o Bolsonaro faz um péssimo governo nos seus 3 anos de mandato –
principalmente ao não querer ser o líder condutor para combater a pandemia,
fugindo da responsabilidade. Apavorado, Bolsonaro começa a fazer campanha golpista
até culminar na manifestação de 7 de setembro de 2021. Pregou o golpe, encheu a paulista, mas
retrocedeu. Como ficou ruim a sua condição perante a política em geral, Temer resolveu
apaziguar os ânimos com um acordo atrás das cortinas do poder.
E
com quem Temer se reuniu, logo após o seu telefonema para o Bolsonaro, para
demonstrar poder? Com Naji Nahas, investidor que quebrou a BVRJ no passado e
que investe na Bovespa atualmente – e que adora cadastramento de CPF pessoa
física ao entrar no sistema financeiro.
Bolsonaro
- que se vê desesperado porque as chances de nem ir para o segundo turno em
2022 são reais - resolve ser populista. Quebra o teto para garantir um auxílio ampliado
de 400 reais para um maior número de pessoas. A responsabilidade fiscal, muito
exigida pelo mercado financeiro, quebrou-se.
Ou
seja, todos os fundamentos para que a bolsa seja corroída foram realizados;
porém, a Bovespa não sentiu efeito algum.
Portanto,
note que mesmo com o aumento da taxa da Selic, desvalorização do Real, inflação
explodindo, derrubada de teto de gastos, surgimento de criptomoedas, e fim da
euforia dos mercados, mesmo assim a bolsa de valores não caiu de maneira mais
vultosa como deveria ocorrer [o que acostuma acontecer quando um governo é ruim
e perde a confiança por gerar caos econômico e fiscal]. Essa artificialidade mantem Bolsonaro
existindo politicamente porque o “mito” favoreceu o Ponzi Legalizado, no passado,
com Selic abaixo da inflação e liquidez no mercado. Deste modo, é possível que
esteja em exercício uma nova bolha financeira de operação Zé com Zé que mantem
a bolsa em alta mesmo não havendo fundamentos para isto. E se é isso o que está
ocorrendo de fato, caso haja um estouro de bolha financeira, têm-se os
culpados: Paulo Guedes e Bolsonaro – sabem e permitem essa nova orgia que
acontece neste momento, essa nova operação Zé com Zé.
***
O
leitor sabe o que a CVM [Comissão de Valores Mobiliários] anda fazendo? Desregulamentações.
***
Antigamente,
o mercado financeiro fazia corrupção por achar brecha de oportunidade. Hoje,
fazem corrupção simplesmente porque podem. Corrupção legalizada.
Zé com Zé de Júlio César Anjos está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em https://efeitoorloff.blogspot.com.
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