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O Quarteto

 Por: Júlio César Anjos

 

Essa é uma história de 4 amigos totalmente diferentes uns dos outros que se uniram por necessidade e se separaram por política. E por uma reconstrução magnifica, voltaram a conciliar.

Caso não fosse o ambiente tóxico da polarização política, eles não teriam se desentendido ao ponto de pararem de se falar. Porém, também não teriam o ensinamento de autoconhecimento ao dar valor ao que realmente importa na vida: fazer parte e ficar perto de quem gosta. Para saber quem realmente importa, é preciso testar. E foram testados sem parar.

É impressionante que a necessidade pode ser muito útil para realizar uma junção que não seria capaz em outras condições. Condições impostas na sociedade em que o “eu” comunica-se com o outro e o todo se faz o consenso de familiaridade. E essa aproximação gera uma família moderna, que é aquela constituída e construída e não formada por genética.

No segundo semestre de 2021 os quatro universitários, que até então não se conheciam, precisavam dividir um apartamento próximo ao campus da universidade [todos eles moravam longe da faculdade]. Acharam um local em que o proprietário alugava os cômodos dentro do imóvel. Este imóvel possuía quatro quartos que, prontamente, foram locados pelos quatro locatários.

Os quatro locatários possuíam visões de mundo completamente diferentes. Veja só:

Debora estuda design, usa piercing no nariz, seu signo é Áries com ascendente em Libra. Gosta de viajar e bater foto de montão. Lê Freud.  Lésbica solteira, trabalha com eventos, que, por coincidência, também é organizadora da parada gay, cuja não perde esta manifestação de jeito nenhum. Não tem a quem votar porque ninguém a representa em eleição presidencial. Então tem que escolher por exclusão. E na pressão dos colegas, é levada a votar no Lula. [o que pra ela não faz sentido nenhum]

Sandra cursa odontologia, gosta das ideias de Tomás de Aquino, cujo defende uma fé racional. Sempre leva a bíblia consigo. Ama ler Paulo de Tarso. Aos domingos vai à igreja rezar. Recebe conselhos do pastor. E uma vez por ano participa da marcha pra Jesus. Não tem a quem votar, mas vê em Bolsonaro alguém que defende a religião.

Bruno cursa sociologia. Com cartaz da revolução russa, além de Che Guevara no porta-retratos, tem um pôster do Karl Marx colado na porta – cujo pensador adora ler. Acompanha assembleias de movimento estudantil universitário e não perde uma passeata de 1º de maio. Sempre que pode defende o proletariado, embora não seja um. Defendeu o Lula livre e votará no seu líder na eleição de 2022.

Paulo cursa engenharia e gosta de ler o pensador Enéas Carneiro. Concorda com a tese das propriedades de Nióbio e Grafeno. Acha que o Brasil está sofrendo ataque dos globalistas, o que faz o país sofrer ameaça de virar colônia do império chinês. Participa das manifestações nacionalistas. Chama Bolsonaro de mito. Votará no mito em 2022.

  No começo, os quatro indivíduos - embora morando no mesmo apartamento - não interagiam entre si. Cada qual fazia a sua rotina diária, tornando a residência um simples dormitório, no qual ficavam alojados como depósitos em seus quartos, sem ligação nenhuma entre os moradores.

Mas como o tempo vai passando, as coisas vão mudando.

Os quatro jovens, diferentes uns dos outros, começam a lentamente compartilhar a cozinha e a sala, ao se esbarrarem com mais frequência, gerando uma interação entre os locatários e início de familiaridade entre os residentes desta república estudantil em forma de apartamento.

Pouco a pouco os moradores vão começando a se conhecer e a suportarem as diferenças, gerando um armistício e tratado de paz entre as diferentes culturas que se estabeleciam naquele lugar.

Os elos começaram a surgir.

Debora e Sandra gostam de filme gênero drama. As duas, vez ou outra, assistem filmes de streaming juntas, com pipoca amanteigada do jeito que elas gostam, além de usarem lenço para secar as lágrimas. Duas carpideiras de carteirinha.

Bruno e Paulo descobriram que gostam do mesmo time de futebol: Santos. É Pelé pra cá, Robinho e Neymar pra lá, saudosismos sobre os títulos do clube, além de rivalidades contra outras agremiações. O futebol juntou o que teoricamente não se podia juntar. Coisas da vida.

Parece que não existe esquerda e direita quando se torce pelo Santos ou quando se assiste filme do gênero drama. É possível entender que as inter-relações do dia a dia quebram aquela regra conhecida: “tudo é política”. Ou seja, algumas condições esta regra não se aplica. Não é engraçado?

 Acabaram as provas finais, todo mundo foi aprovado ao avançar de período e o ano virou. 2022 chegou.

Com as férias, cada um foi para um lado. Cada qual gozou o seu merecido descanso como quis. Em março, eles todos voltaram para o mesmo apartamento, que não tinha sido ocupado por ninguém. E nesta volta parecia que já eram amigos. Abraço aqui e acolá, como se já houvesse uma ligação entre os inquilinos.

Ao conhecerem-se melhor, Sandra e Bruno descobriram que gostam do mesmo tipo de comida: nachos picantes. E Debora e Paulo gostam do mesmo gênero musical: Rock progressivo.

Eles convergiam e divergiam sobre roupa, arquitetura, pintura, arte, esporte e etc. Os debates eram interessantes porque as visões de mundo eram diferentes. O que enriquecia a conversa.

Tudo corria bem até chegar o fim do primeiro semestre de 2022. Além das provas do 1º semestre irritar os jovens estudantes, outra coisa pesava na convivência deles: eleição se avizinhando.

E como a loucura da polarização não dá trégua pra ninguém, a cizânia veio para triunfar. Não teve jeito, os amigos separaram-se por causa de divergência política. Houve briga por causa de politico de estimação. Debora e Bruno apoiadores do Lula; Sandra e Paulo apoiadores do Bolsonaro. Com o ocorrido, todos resolveram sair do apartamento. Muito tóxico. Separaram-se. Um novo tipo de “ele sim versus ele não”.

Só que a vida é surpreendente por dar algumas guinadas. Como sabido, o conviver gera impressões sentimentais. Os universitários possuem lembranças uns dos outros quando vão no Taco comer nachos, ao passar o olho na TV e ver um jogo do Santos, escutar rock progressivo e assistir filme gênero drama. A lembrança logo finca a bandeira e retoma o posto, mostrando que vem pra ficar.

A Sandra lembra que a Debora tem transtorno por causa de problema de aceitação da família. Debora lembra que a Sandra sofreu traumas na infância, o que faz usar Deus e a igreja como terapia.

Bruno lembra que Paulo foi muito pobre quando era criança e hoje luta para ter melhor condição de vida. Paulo lembra que Bruno tem rejeição do pai rico e por isso que é um jovem revoltado.

Sandra vai à igreja e não vê no santuário o reconforto que tinha com a Debora.

Debora ao trabalhar com eventos se pega a sentir falta da Sandra que sempre rezava por ela.

Paulo olha ao redor de uma passeata e se pergunta o porquê de estar perdendo tempo com aquilo, sendo que a amizade que ele tinha com o Bruno era mais legal.

Bruno na manifestação sindical pensava o mesmo que o Paulo. Sentia um peixe fora d’agua vendo todo aquele barulho por nada, pois, queria reatar a amizade com o novo amigo.

A saudade bate forte.

Não se sabe ao certo quem ligou pra quem. A única coisa que se sabe é que os quatro amigos fizeram um acordo: não votar nem em Lula nem em Bolsonaro em 2022 e acabar com a polarização. Voltaram para o mesmo apartamento que tinha dificuldade de ocupação. E resolveram votar em um candidato da terceira via.

A eleição chegou.

Foram votar.

E após votarem, decidiram, juntos, irem à praia pular ondinha.

E pularam. A amizade voltou a reinar.

 

Essa é uma história de:

Paulo – Sandra – Debora – Bruno. PSDB.



Por necessidade a amizade surgiu; por causa de política se desfez. E pelas vivências e boas lembranças se restabeleceu mais forte do que nunca. O amor prevaleceu.

 Este é o novo Zeitgeist, o espírito do tempo.

 

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