Por: Júlio César Anjos
Os
tempos eram difíceis naquela época em que o velho-oeste era terra de ninguém.
Com as cidades distantes umas das outras, além de não haver facilidade de
informação, tudo o que acontecia nas regiões eram transmitidas na base do boca
a boca. E diante tais situações, muitos criminosos tinham reputação por causa
das histórias contadas pelos viventes das vilas. A checagem dos fatos era dada
pelos próprios cidadãos. E nesta configuração, havia o grande e temido Jack
Gatilho, o gatilho mais rápido do faroeste.
Era
fácil reconhecer Jack Gatilho. Ele tinha uma pinta preta na bochecha esquerda,
além de ter vitiligo no corpo todo. Longe dos seus ouvidos, as pessoas o
chamavam de Dálmata. Na sua proximidade, chamavam-no até mesmo de Terror do
Oeste. O retrato-falado e as informações constavam em cartazes de recompensas,
que eram divulgadas na época.
Diante
a saga do mito, essa é a história da batalha final de Jack Gatilho.
Sierra Vista. Arizona. 1872.
Atravessava
a rua de barro seco um pequeno lagarto que se mexia pra lá e pra cá. Um homem
vestindo botas velhas pretas dá um chute no animal que cai quase morto no meio
da rua. Tempo quente, em que ninguém se atrevia a ficar ao sol. Todos
recolhidos em seus recintos. Ele acende um cigarro, avista o saloon e observa o
bucolismo da região. E, deste modo, então, decide entrar no bar.
Dentro
do estabelecimento, um silêncio iniciou-se de forma brutal. Todos identificaram
de antemão que quem entrava pela porta do bar era o temido Jack Gatilho, com o
seu vitiligo e sua pinta inconfundível. Todos calados em sinal de respeito ao
maior bandido da região.
Jack
Gatilho pediu o conhecido suco de cobra, que nada mais era tequila com cobra em
conserva. Estava o homem bebendo no local tranquilamente até que, de repente,
aparece um menino de 13 anos para incomodá-lo.
Esse
rapazinho pede para o Jack Gatilho contar uma história dentre as muitas que ele
tinha ao seu dispor, ao ser considerado o gatilho mais rápido do Arizona.
Jack,
para exibir-se perante os demais, começa a relatar:
-
Sabe aquela confusão em Prescott, em que morreu o Ted Burk? Então, eu o matei
com um tiro na nuca. O coitado não teve nem tempo para se coçar.
Ao
finalizar o relato, o Dálmata dá uma risadinha. E todos dentro do
estabelecimento começam a rir junto com ele.
Mas
um burburinho acometeu em uma das mesas do bar que ficava ao fundo.
E
o Jack, confuso, queria saber o que estava acontecendo. Eis que um dos bebuns
se levanta e diz:
-
Sabe o que é, senhor Jack Gatilho, a morte do Ted Buck foi por enforcamento. O
Detetive da região pegou-lhe roubando o banco e sentenciou-lhe à morte no mesmo
instante. Eu sei disso porque eu estava lá.
Suspense no ar. E Jack, furioso, respondeu:
-
Você, seu cretino inútil, está me chamando de mentiroso?
-
Não, senhor – respondeu o interlocutor.
Neste
momento, o menino interrompe a tensão e pede para o Jack contar outra história,
para não restar nenhuma dúvida a respeito da sua reputação. Jack aceita:
-
Tem outro caso, envolvendo a cidade de Glendale. Wilson Crane tinha bebido
demais e estava provocando as mulheres casadas. Nenhum marido quis confrontá-lo.
Eu, então, desafiei a um duelo. Ele aceitou. Para mostrar minhas qualidades,
dei-lhe um tiro só na mão em que ele segurava o revolver e deixei que os
maridos o matassem por linchamento ao estar desarmado.
Agora,
tinha burburinho no outro lado do bar.
Outro
bebum se levanta e pede a palavra. E Jack concede:
-
Sabe o que é, senhor Jack, o Wilson Crane morreu recentemente de velhice na sua
fazenda que fica em Payson. Todo mundo sabe disso.
O
rapazinho saiu do bar correndo porque sabia que deu ruim. Tensão no ar. E o
jogo virou. Todos começam a parar de temer o Dálmata.
E
um senhor na mesa do meio do bar levanta-se, todos também se levantam, cruza os
braços, e desafia Jack Gatilho:
Você
só tem mais uma história a contar. Que ela seja verdadeira. Senão... Não quero
confusão, mas parece que não há como escapar. Comece!
E
Jack conta a sua última história, a carta na manga:
-
Na cidade de Tucson, Samuel Flint quis roubar a única bodega de embutidos da
cidade...
De
repente mais um senhor interrompeu-o por pegá-lo na mentira.
-
Eu sou o dono da bodega de embutidos de Tucson e o Samuel Flint nunca pisou na
cidade. Matem-no!
E
assim foi feito.
Triste
fim do Dálmata. O gatilho mais rápido do oeste não sabia nem tirar a arma do
coldre. Jack Gatilho não passava de uma caricatura desenvolvida por um ator bom
com roteiro ruim.
Mas,
mesmo teatral, Jack Gatilho tinha futuro pela frente. Não havia checagem de
informações naquela época e muitas pessoas mal sabiam ler. O Dálmata morreu
porque quis se exibir na frente de um menininho. Foi pego na mentira. E se deu
mal.
Todo
mundo poderia saber que o Jack Gatilho era uma farsa, caso os homens dentro do
bar não tivessem cometido um pequeno deslize. Com a saraivada de tiros em
direção do Dálmata, alguns disparos acertaram o dono do bar, que morreu na
hora.
E só há uma regra no saloon: não se pode matar
o dono do bar. É o dono do bar quem garante o néctar do dia a dia dos bandidos
do faroeste em todas as regiões.
Deste
modo, todos tiveram que fugir da cena do crime para não se complicar.
Com
o bar momentaneamente vazio, o menino entra no estabelecimento e vê o Jack
Gatilho morto no chão. O rapazinho, que foi o pivô de toda a confusão, pega o
chapéu e a arma do defunto e sai do saloon. Ao ser abordado pelos moradores dos
arredores do bar, o menino diz a todos:
-
Eu matei o Jack Gatilho. E meu nome é Billy The Kid!
E
sai da cidade andando, todo pomposo, ao criar a sua reputação. Billy The Kid é
o novo gatilho rápido da região.

Jack Gatilho de Júlio César Anjos está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em https://efeitoorloff.blogspot.com.
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