Por: Júlio César Anjos
Curitiba,
10 de Dezembro de 1989
Convívio,
convivĭum do latim, palavra que significa convite a jantar; assim como se é convidado
a comer ao festar em uma data querida para banquetear. E o dia do aniversário
chegou.
O
menino que estava a completar 7 anos acordou cedo e com a adrenalina a mil.
Ansiedade de quem já tivera um dia antes ajudado a decorar a casa para o
próprio aniversário, com vários enfeites espalhados em toda a parte. Embora a
residência fosse acanhada, ao menos o teto era o abrigo de uma família humilde
e honesta, que tentava, diante os desfavores da vida, tentar sobreviver naquele
lugar.
A
residência palco da festa ficava na parte baixa do fim da rua. Por dentro, o
conhecido lar de pobre: parede e assoalho feito de madeira com o teto de
Eternit; além do mato prontamente aparado, para a festa, no terreno da casa. Na
parte de fora, a calçada dava lugar a uma vala de esgoto a céu aberto.
Portanto, para ligar a casa até a rua era preciso passar por uma pinguela, uma
ponte de madeiras pregadas e sobrepostas umas nas outras, engenharia caseira
muito conhecida no Brasil afora.
A
arquitetura do local da felicitação de aniversário era precária. Um sofá
rasgado, algumas cadeiras de madeira com os pés começando a ser comidos por
cupim e os eletrodomésticos todos eles suspensos por tijolos para que, em caso
de inundação, a elevação da água não atinja os equipamentos.
A maioria dos convidados era de vizinhos e
moradores do próprio bairro. Alguns familiares também estavam no local. E um a
um dos convivas transladava da rua para a casa passando pela pinguela, ao
marcar uma espécie de presença ao entrarem, forçosamente, ao fazer fila única,
marchando para a festa.
Mais
de uma dezena de pessoas comparecem. Na vitrola, algum vinil tocado por algum
vizinho que trouxera algum álbum para animar a confraternização. A
confraternização era da criança, mas, como sabido, parece que foi uma
justificativa para se instaurar também festa de adultos. Então, ficou tudo
junto e misturado neste sentido.
A
festa segue o seu curso até o seu principal momento: cantar parabéns para o
aniversariante. O velho e tradicional parabéns pra você, o sopro das velinhas e
abertura de presentes. A maioria dos presentes eram roupas, tênis, e itens de
casa como porta-retratos e afins. Os convidados faziam isso porque sabiam que
uma criança pobre precisa de itens básicos.
Mas
alguns presentes eram legais, como a bola dente de leite e o principal: o
trenzinho de madeira com rodinhas de plástico. Aliás, o trenzinho de madeira
foi dado pela moça mais bonita da rua, que deu um beijo marcado de batom na cor
vermelha na bochecha no aniversariante homenageado. O sorriso do menino foi de
orelha a orelha.
Após
brincar com algumas crianças na rua com a nova bola dente de leite, a criançada
cansou e retornou pra casa. Cada qual procurou alguma distração, enquanto o
aniversariante começou a brincar com o trenzinho de madeira no chão.
De
repente, começou a chover. E como havia na calçada um esgoto a céu aberto, a
conclusão não podia ser diferente: a casa iria alagar. Os convidados, vendo a situação,
começaram a deixar a festa, um a um passando pela pinguela, com as pessoas se
protegendo da chuva como podiam, como, por exemplo, do caso da vizinha que
tentava proteger o cabelo para não estragar o penteado com a sua bolsa preta em
cima da cabeça.
Nessa
hora, a mãe colocou a criança em cima da mesa e pediu para o aniversariante não
sair dali para não estragar a melhor roupa que ele tinha. Enquanto isso, a água
começava a subir, seguindo o passo da chuva.
A
enchente, embora fosse suficiente para tocar os convidados da festa, não foi
suficiente grande ao ponto de fazer mais estragos, sendo que a água não passou
da canela. O pai do aniversariante até disse que se pegasse a fiação poderia
dar problema; o que não aconteceu. Se a água passasse do joelho, pegaria não só
a fiação como também os eletrodomésticos suspensos nos tijolos de barro.
Meio
de tarde, querendo escurecer. O aniversariante sentado em cima da mesa com as
pernas cruzadas e com a mão no rosto, demonstrando tristeza, vê boiando na água
turva do esgoto o trenzinho de madeira navegando no meio da água suja.
Ao
fixar o olhar para o brinquedo, neste mesmo momento a luz volta a energizar e
clarear o humilde lar. E com a agulha do tocador de discos parado num ponto do
vinil, volta a música, no mesmo tempo que a luz retorna, a cantarolar:
“Meus amigos, minha rua
As garotas da minha rua
Não os sinto, não os tenho
Mais um ano sem você”
Saneamento
básico é importante para o convívio.
Convívio de Júlio César Anjos está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em https://efeitoorloff.blogspot.com.
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