Por: Júlio César Anjos
***
Lisarb, 05 de Outubro de 2188
Tudo
começou após a circulação do vírus Sars-Cov-3.
A
pandemia, igualmente ao seu parente do passado Sars-Cov-2, matou muito mais
velho do que outas faixas etárias da sociedade. Somado com a mudança de
tecnologia da revolução industrial 4.0, havia como demanda social o pedido de
mais bem estar. Afinal, o tempo clamava pelo fim da era laboral.
Estava
na cabeça de todo mundo, mas ninguém confessava.
A
crise provocada pela pandemia fez com que muitas pessoas aderissem a ideia de
que velhos deviam morrer para que a
economia não parasse de funcionar.
Além
disso, ninguém queria ficar aprisionado em casa.
Com
esse sentimento latente, não demorou muito para a elite oligárquica bolar um
plano de controle e redução populacional com a regra chamada: Proposta 50.
Esse
estratagema de controle social não veio de cima pra baixo de forma violenta,
veio por meio de plebiscito.
O
plebiscito chamado 50 tinha por objetivo referendar a seguinte solução social:
toda a população gozaria de todo e qualquer bem estar desde que aceitasse
sofrer eutanásia após completar 50 anos de idade.
O
plebiscito dava como direito o fim do trabalho, pois, toda a atividade
econômica ficaria a cargo da revolução 4.0, com a robótica e a inteligência artificial
substituindo o trabalho pelo lazer; em troca, pessoas com mais de 50 anos de
idade teriam que morrer.
Como
era plebiscito, deu-se a chance de abrir duas chapas. A chapa verde tinha como
frase de campanha: “o velho é o jovem que deu certo”; e a chapa branca tinha
como bordão: “envelhecer não é natural”.
Enquanto
a chapa verde tentava convencer a rejeição da Proposta 50 com discurso
emocional, a chapa branca veio com afirmações científicas para referendar os
argumentos oriundos da Oligarquia.
Deste
modo, foram 3 diretrizes de abordagens que a chapa branca trabalhou para
convencer o eleitor plebiscitário:
A
primeira é que o custo de plano de saúde, após os 50 anos explode tanto no
setor público quanto privado. E como se sabe, sem dinheiro não dá pra promover
bem estar.
A
segunda é que na natureza poucos são os animais que conseguem sobreviver ao
tornarem-se longevos. Portanto, não é natural.
A
terceira é que, se for analisar a expectativa de vida antes do fim da idade
média [e início da idade moderna], o homem ao conviver na natureza sempre teve
no máximo 35 anos de idade de expectativa de vida.
Portanto,
como até agora a evolução tecnologia não permitiu amplitude de longevidade, a
velhice não é natural.
A
chapa verde venceu o plebiscito e a Oligarquia começou a fazer a engenharia
social ao criar modificações pontuais.
A primeira foi criar a lei do nascituro. Todo
cidadão que nascesse a partir da publicação da Proposta 50 já estaria inserido
na lei.
Os
cidadãos que tinham menos de 20 anos já se beneficiariam da lei
automaticamente, porém, sofreriam eutanásia aos 70, caso chegassem até essa idade.
O restante, maiores de 20 anos, não precisariam mais trabalhar e teriam direito
de morrer de forma natural.
Todo
o povo aceitou porque não precisava mais trabalhar.
E
a partir daquele momento, sempre aparecia nos outdoors eletrônicos pessoas
jovens sorridentes com o bordão vencedor: “a velhice não é natural”. E com
subtítulo de legenda: “Fim das rugas. A nova era”.
Deste
modo, por meio do feitiço de qualidade de vida, começa a ser colocada em
prática por norma a questão de redução populacional.
A
mulher só poderia parir até os 30 anos. Porque, pela norma de responsabilidade,
o rebento é sustentado até os 20 anos de idade, para aí sim, após a maioridade,
receber os benefícios de renda nacional
para gozar a vida de bem estar até os 50 anos.
Se
a mulher tivesse filhos após 30 anos, ela não poderia respeitar a regra de
cuidar do filho até os 20 anos, porque extrapolaria o tempo, perdendo os
direitos a partir dali.
Em
um primeiro momento, poucas eram as mulheres que resolviam ter filhos para ter
que criá-los e, com isso, perder bem estar.
Além
disso, o filho não podia chorar a morte dos pais. Se os pais morressem pela
eutanásia após completar 50 anos, tudo deveria seguir como algo natural porque,
caso contrário, esse ser sentimental perderia os benefícios contidos na
Proposta 50.
Mas,
embora o Sistema prometesse um paraíso na Terra, o fato é que a Oligarquia não
podia cumprir bem estar para uma pessoa com doença degenerativa terminal, ou acidentes
que abreviavam vidas antes do cidadão chegar aos 50 anos, além de haver falhas
no Sistema que propiciavam enfraquecimento do Estado perante o povo em geral.
Duas
falhas foram cruciais para o início da insurgência com o crescimento de adeptos
à revolução. Embora só a Oligarquia pudesse viver após os 50 anos, havia muitos
idosos morando clandestinamente, sendo escondido por alguns familiares.
E
a segunda falha se dá que, como as motivações dos seres humanos não caminham somente
para o bem estar, houve aumento de mulheres que geraram mais filhos, até mesmo
com mais de 30 anos, sacrificando o próprio bem estar para que estes filhos
pudessem ter a volta do laço familiar, ao viver não só pelo dinheiro, mas
também pela felicidade em pertencer a um senso de comunidade.
E
como o novo sentimento latente era mais mães gerando mais filhos, o efeito da
proposta 50 começou a enfraquecer, o que fez a redução populacional estagnar e
até mesmo em alguns períodos reverter em crescimento.
Com
mais pessoas tendo bem estar e querendo prolongar essa qualidade de vida até a
velhice, não demorou muito para que as pessoas, de forma clandestina, começassem
a se organizar para criar o que é entendido como uma espécie de Resistência.
E
já há em vários lugares pichações que resgatam a frase da chapa verde perdedora
no plebiscito: “O velho é um jovem que deu certo”.
O
populacho chama esse grupo de Resistência, clandestino, que vive nas sombras
de: Ramphastos.
E
é só isso que se sabe até agora e não há mais nada a acrescentar. O narrador é
apenas um observador a contar os acontecimentos para fins de registro.
Houve
conflito entre a Oligarquia e a Resistência? Genocídios ou queda do Sistema? Quem
venceu: a elite ou o povão? Não se sabe. Esse futuro não chegou ainda.
A
única coisa que se tira de lição é que o povo chegou ao ponto de estabelecer em
lei a morte de velho só para que a economia não parasse de funcionar para
atender desejo fugaz da sociedade em geral.
50 de Júlio César Anjos está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em https://efeitoorloff.blogspot.com.
Comentários
Postar um comentário
Comente aqui: