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Autoplágio: O Reality Show

Por: Júlio César Anjos

 

Deu no noticiário: “Youtuber viraliza com vídeo de 2 horas... Fazendo Nada!”.

 

“O vídeo alcançou 2 milhões de views em cerca de 3 semanas e virou uma sensação na Indonésia, com memes e notícias sobre ele, além de muitas imitações.”

 

Vídeo Indonésio não fazendo nada por duas horas e viralizando mesmo assim:

 


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Em Março de 2012 eu escrevi o texto chamado: “O Reality Show”, em que eu mostrava que é crível que o povo tenha esse tipo de comportamento: dar audiência para alguém que fica 2 horas sem fazer nada. O vídeo do indonésio provou que eu estava certo.

 

As diferenças entre meu texto ficcional e o vídeo real são temporais [eu criei um texto com este fenômeno no passado e esse viral do indonésio é algo do presente] e ideológicas [criei a lógica de que isso poderia constar em países socialistas comunistas alienados e o indonésio provou que é possível gerar essa alienação no presente, em era capitalista]. No mais, a essência é a mesma: a alienação.

 

Isso mostra que a realidade e a ficção não estão tão distantes assim.

 

Portanto, o homem comporta-se quase sempre de forma irracional, mesmo sendo racional? Claro que sim. Nada Surpreende!

 

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Autoplágio: O Reality Show:

 

Em uma escola do interior do estado, um aluno adolescente, em sala de aula, pergunta de forma irônica:

 

– Professor, é verdade que há 50 anos houve um reality show aqui na cidade que mostrava apenas o rosto de uma mulher, estática, durante 1 hora, na TV regional?

 

O professor pensa um instante...

 

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Aos pensamentos do professor a viagem chega até os tempos áureos da sua juventude, época em que a cidade interiorana era muito pequena na questão de demografia, já que na extensão territorial sempre fora pequena mesmo. Naquela época, a tecnologia não se mostrava tão farta e acessível como os dias atuais, a diversão sempre estava na rua, por meio de conversas com os amigos e entretenimentos, ao céu aberto, como partidas de futebol e lazer em geral.

 

Assis Chateaubriand trouxe novidade para o interior do estado, é uma televisão preta e branca, com limitações técnicas e uma imagem sofrível em um primeiro momento, mas novidade para as pessoas que nunca tinham visto tamanho progresso tecnológico. Como iniciara o processo de TV na cidade, não havia também programas variados, só existiam dois ou três programas feitos em rede nacional e uma hora somente separados para a TV local fazer o que quisesse. A TV local, então, para não deixar o espaço sem nada a exibir, mostra uma mulher de meia idade, bonita, de rosto, sempre imóvel, sem fazer movimento algum, como se fosse uma estátua.

  

A cidadezinha pequena, com taxa alta de analfabetismo funcional, começa a assistir um reality show que é exibida somente para o local, a exibição de uma pessoa parada durante 1 hora, sem som, sem movimento, como se fosse um quadro em forma de TV.

 

A cidade para ao ver o programa. A novidade toma conta do local, ninguém nunca vira antes uma TV, ainda mais uma pessoa estática durante 1 hora a fio, tudo gerava confabulações, conversas, fofocas sobre tal entretenimento. O programa virou febre local, e a moça estática virou celebridade, era chamada como a garota das Araucárias.

 

Quanto mais o programa era exibido, maior era a quantidade de especulações. As pessoas contavam quantas vezes a moça piscou; outros faziam apostas para saber se a mulher tinha mexido as sobrancelhas; e alguns até sobre o que a moça estava pensando no momento da transmissão do programa. Tudo virava notícia.

 

A comunidade discutia sobre o programa, sobre a cor de cabelo da moça, sobre a curvatura dos olhos, a nuance do rosto, a cor da pele, o tamanho do nariz, a assimetria do rosto... Era tanta coisa, para algo que não continha nada, que até assustava ver o poder do povo em encontrar coisas inimagináveis num vazio de ações. Um espectador até jurou que conseguiu contar quantos pelos no nariz a moça tinha. Eram 13 pelos.

  

Lembra-se até hoje, o primeiro programa terminou com aplausos, pessoas gritando alto como se o país tivesse ganhado a copa do mundo. Sensação de ver algo tão excepcional que tornara vívida a felicidade no semblante das pessoas da cidadela bucólica.

 

O reality show não decolou para o país inteiro. O programa foi noticiado somente uma vez, em rede nacional em questão de segundos, mostrando o fenômeno que acontecia naquela pequena cidade, um reality show que nada mostrava além de um rosto de uma jovem quase que imóvel e sempre imutável e que era tão assistido pelo povoado ao virar até frisson.

  

A cidade era socialista, o povo não conhecia muito diversidades de programas, só o que já assistira a vida toda eram os programas chatos da época. Então, o diferente surgiu e foi bem recebido pelo povoado, mesmo o novo sendo algo banal, superficial, vazio de existência.

 

Mas a cidadezinha era completamente diferente ao perfil do programa a ser exibido, não tinha nada de pacata e fria, era muito festeira e cheia de algazarra. Com tanta música sertaneja, com tanta fuzarca nas ruas, gritaria, falta de paz de espírito até mesmo em igrejas, o programa zen do reality show ia contramão a tudo o que a pequena sociedade da cidade imaginava ser, serena, silenciosa, leve, com uma mulher calada por um bom tempo e sem fazer nada.

 

Só existia uma pessoa que tentava convencer o povo que o programa não passava de algo ridículo, tão medonho que todo mundo sentiria vergonha se soubesse a verdade, que tudo isso é uma bobagem feita por alienação. Mas ninguém o escutava, pois tal indivíduo era minoria e chato naquele momento, careta como diziam os mais radicais. Essa pessoa era ele mesmo, o professor que estava pensando sobre toda a situação.

 

Mas o povo era alienado por natureza, só trabalhava, e nada fazia além das festas de fim de semana e assistir ao reality show porque a cidade era pequena, então tinha poucas diversidades, diversão e entretenimento (mas existia essa vida, pelo menos). Todos os vizinhos se conheciam e o pessoal era acostumado viver como rebanho.

 

O jovem, o professor atualmente, que ficara perplexo em ver tamanha alienação, era o único morador da cidade que tinha se aventurado além das fronteiras da cidade. E isso criou uma bagagem que o fazia diferente dos demais, tinha senso critico e sabia o que a vida era bem mais que comer, defecar, e assistir um reality show que não fazia sentido algum.

 

Existiu 3 reality shows desses até a extinção do programa; E os 2 primeiros foram um sucesso, enquanto o terceiro sofreu com a mais dura realidade: era somente um rosto de uma moça, estática, durante uma hora, sendo exibido em uma TV em preto e branco.

 

O pessoal da cidade, após ver a realidade, ficou com vergonha alheia um do outro, o que determinou na decisão de que os vídeos seriam queimados, o povo não falaria mais daquilo, e a história seria sepultada para sempre.

 

***

 

... O professor, o jovem que sempre soube que o reality show era uma fraude, volta à realidade após pensar um pouco, faz uma pausa, e responde:

 

- Não meu filho, isso nunca aconteceu, é apenas um conto da cidadezinha para tornar a região um pouco mais conhecida...

 

Mas há 50 anos aconteceu algo terrível, a cidade era socialista comunista, o progresso de intelecto, de crescimento pessoal, de sabedoria passava longe do local, o que não ocorre pela totalidade hoje, pois pelo menos há um pouco mais de tecnologia e informação, e um menor índice de socialismo na região.

 

O professor até hoje tem vergonha do fato ocorrido há 50 anos, algo imaginável aconteceu: um reality show bizarro, banal, e sem sentido, alienou uma cidade inteira.

 


***

 

Até 2014, eu fazia deste blog um mero depósito de ideias [por isso uma quantidade gigantesca de erros de português].

 

Não acreditava no potencial do blog. Hoje eu sei que eu estava certo lá atrás e só forcei a barra porque sou burro mesmo.

 

Mas o impressionante é que até os meus textos ruins são úteis. Pelo menos isso é legal.

 

 Fontes:

Fonte texto original do Blog: O Reality Show:

https://efeitoorloff.blogspot.com/2012/03/o-reality-show.html

 

Fonte do matéria que diz que o indonésio viralizou ao publicar um vídeo de duas horas fazendo nada:

https://www.megacurioso.com.br/estilo-de-vida/115436-youtuber-viraliza-com-video-de-duas-horas-fazendo-nada.htm

 


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Autoplágio: O Reality Show de Júlio César Anjos está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em https://efeitoorloff.blogspot.com.

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