Por: Júlio César Anjos
Deu
no noticiário: “Youtuber viraliza com vídeo de 2 horas... Fazendo Nada!”.
“O
vídeo alcançou 2 milhões de views em cerca de 3 semanas e virou uma sensação na
Indonésia, com memes e notícias sobre ele, além de muitas imitações.”
Vídeo Indonésio não fazendo nada por duas horas e viralizando mesmo assim:
***
Em Março de 2012 eu escrevi o texto chamado: “O Reality Show”, em que eu mostrava que é
crível que o povo tenha esse tipo de comportamento: dar audiência para alguém
que fica 2 horas sem fazer nada. O vídeo do indonésio provou que eu estava certo.
As
diferenças entre meu texto ficcional e o vídeo real são temporais [eu criei um texto com este fenômeno no passado e esse
viral do indonésio é algo do presente] e ideológicas [criei a lógica de que
isso poderia constar em países socialistas comunistas alienados e o indonésio
provou que é possível gerar essa alienação no presente, em era capitalista]. No mais, a essência é a mesma: a alienação.
Isso
mostra que a realidade e a ficção não estão tão distantes assim.
Portanto,
o homem comporta-se quase sempre de forma irracional, mesmo sendo racional? Claro
que sim. Nada Surpreende!
***
Autoplágio: O Reality Show:
Em
uma escola do interior do estado, um aluno adolescente, em sala de aula,
pergunta de forma irônica:
–
Professor, é verdade que há 50 anos houve um reality show aqui na cidade que
mostrava apenas o rosto de uma mulher, estática, durante 1 hora, na TV regional?
O
professor pensa um instante...
***
Aos
pensamentos do professor a viagem chega até os tempos áureos da sua juventude,
época em que a cidade interiorana era muito pequena na questão de demografia,
já que na extensão territorial sempre fora pequena mesmo. Naquela época, a
tecnologia não se mostrava tão farta e acessível como os dias atuais, a diversão
sempre estava na rua, por meio de conversas com os amigos e entretenimentos, ao
céu aberto, como partidas de futebol e lazer em geral.
Assis
Chateaubriand trouxe novidade para o interior do estado, é uma televisão preta
e branca, com limitações técnicas e uma imagem sofrível em um primeiro momento,
mas novidade para as pessoas que nunca tinham visto tamanho progresso
tecnológico. Como iniciara o processo de TV na cidade, não havia também
programas variados, só existiam dois ou três programas feitos em rede nacional
e uma hora somente separados para a TV local fazer o que quisesse. A TV local,
então, para não deixar o espaço sem nada a exibir, mostra uma mulher de meia
idade, bonita, de rosto, sempre imóvel, sem fazer movimento algum, como se
fosse uma estátua.
A
cidadezinha pequena, com taxa alta de analfabetismo funcional, começa a
assistir um reality show que é exibida somente para o local, a exibição de uma
pessoa parada durante 1 hora, sem som, sem movimento, como se fosse um quadro
em forma de TV.
A
cidade para ao ver o programa. A novidade toma conta do local, ninguém nunca
vira antes uma TV, ainda mais uma pessoa estática durante 1 hora a fio, tudo
gerava confabulações, conversas, fofocas sobre tal entretenimento. O programa
virou febre local, e a moça estática virou celebridade, era chamada como a
garota das Araucárias.
Quanto
mais o programa era exibido, maior era a quantidade de especulações. As pessoas
contavam quantas vezes a moça piscou; outros faziam apostas para saber se a
mulher tinha mexido as sobrancelhas; e alguns até sobre o que a moça estava
pensando no momento da transmissão do programa. Tudo virava notícia.
A
comunidade discutia sobre o programa, sobre a cor de cabelo da moça, sobre a
curvatura dos olhos, a nuance do rosto, a cor da pele, o tamanho do nariz, a
assimetria do rosto... Era tanta coisa, para algo que não continha nada, que
até assustava ver o poder do povo em encontrar coisas inimagináveis num vazio
de ações. Um espectador até jurou que conseguiu contar quantos pelos no nariz a
moça tinha. Eram 13 pelos.
Lembra-se
até hoje, o primeiro programa terminou com aplausos, pessoas gritando alto como
se o país tivesse ganhado a copa do mundo. Sensação de ver algo tão excepcional
que tornara vívida a felicidade no semblante das pessoas da cidadela bucólica.
O
reality show não decolou para o país inteiro. O programa foi noticiado somente
uma vez, em rede nacional em questão de segundos, mostrando o fenômeno que acontecia naquela pequena
cidade, um reality show que nada mostrava além de um rosto de uma jovem quase
que imóvel e sempre imutável e que era tão assistido pelo povoado ao virar até
frisson.
A
cidade era socialista, o povo não conhecia muito diversidades de programas, só
o que já assistira a vida toda eram os programas chatos da época. Então, o diferente
surgiu e foi bem recebido pelo povoado, mesmo o novo sendo algo banal,
superficial, vazio de existência.
Mas
a cidadezinha era completamente diferente ao perfil do programa a ser exibido,
não tinha nada de pacata e fria, era muito festeira e cheia de algazarra. Com
tanta música sertaneja, com tanta fuzarca nas ruas, gritaria, falta de paz de
espírito até mesmo em igrejas, o programa zen do reality show ia contramão a
tudo o que a pequena sociedade da cidade imaginava ser, serena, silenciosa,
leve, com uma mulher calada por um bom tempo e sem fazer nada.
Só
existia uma pessoa que tentava convencer o povo que o programa não passava de
algo ridículo, tão medonho que todo mundo sentiria vergonha se soubesse a
verdade, que tudo isso é uma bobagem feita por alienação. Mas ninguém o
escutava, pois tal indivíduo era minoria e chato naquele momento, careta como
diziam os mais radicais. Essa pessoa era ele mesmo, o professor que estava
pensando sobre toda a situação.
Mas
o povo era alienado por natureza, só trabalhava, e nada fazia além das festas
de fim de semana e assistir ao reality show porque a cidade era pequena, então
tinha poucas diversidades, diversão e entretenimento (mas existia essa vida,
pelo menos). Todos os vizinhos se conheciam e o pessoal era acostumado viver
como rebanho.
O
jovem, o professor atualmente, que ficara perplexo em ver tamanha alienação,
era o único morador da cidade que tinha se aventurado além das fronteiras da
cidade. E isso criou uma bagagem que o fazia diferente dos demais, tinha senso
critico e sabia o que a vida era bem mais que comer, defecar, e assistir um
reality show que não fazia sentido algum.
Existiu
3 reality shows desses até a extinção do programa; E os 2 primeiros foram um sucesso,
enquanto o terceiro sofreu com a mais dura realidade: era somente um rosto de
uma moça, estática, durante uma hora, sendo exibido em uma TV em preto e
branco.
O
pessoal da cidade, após ver a realidade, ficou com vergonha alheia um do outro, o que
determinou na decisão de que os vídeos seriam queimados, o povo não falaria
mais daquilo, e a história seria sepultada para sempre.
***
...
O professor, o jovem que sempre soube que o reality show era uma fraude, volta à
realidade após pensar um pouco, faz uma pausa, e responde:
-
Não meu filho, isso nunca aconteceu, é apenas um conto da cidadezinha para
tornar a região um pouco mais conhecida...
Mas
há 50 anos aconteceu algo terrível, a cidade era socialista comunista, o
progresso de intelecto, de crescimento pessoal, de sabedoria passava longe do
local, o que não ocorre pela totalidade hoje, pois pelo menos há um pouco mais
de tecnologia e informação, e um menor índice de socialismo na região.
O
professor até hoje tem vergonha do fato ocorrido há 50 anos, algo imaginável
aconteceu: um reality show bizarro, banal, e sem sentido, alienou uma cidade
inteira.
***
Até
2014, eu fazia deste blog um mero depósito de ideias [por isso uma quantidade gigantesca
de erros de português].
Não
acreditava no potencial do blog. Hoje eu sei que eu estava certo lá atrás e só
forcei a barra porque sou burro mesmo.
Mas
o impressionante é que até os meus textos ruins são úteis. Pelo menos isso é
legal.
Fonte
texto original do Blog: O Reality Show:
https://efeitoorloff.blogspot.com/2012/03/o-reality-show.html
Fonte
do matéria que diz que o indonésio viralizou ao publicar um vídeo de duas horas
fazendo nada:
https://www.megacurioso.com.br/estilo-de-vida/115436-youtuber-viraliza-com-video-de-duas-horas-fazendo-nada.htm
Autoplágio: O Reality Show de Júlio César Anjos está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em https://efeitoorloff.blogspot.com.
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