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Sobre a Compra de Títulos do Setor Privado pelo BC: Considerações

Por: Júlio César Anjos

Por causa da crise gerada pela pandemia do Coronavírus, o congresso teve que agir e aprovou aquilo que foi chamado de orçamento de guerra. Esse orçamento permite promover tomadas de decisões não convencionais. E uma destas ações é a possibilidade do Banco Central poder ser acionista de pequenas, médias e grandes empresas. E é por isso que é bom discutir um pouco mais sobre isto.

O Estado sempre tenta impulsionar, artificialmente, o mercado para girar a economia do país.  E uma das ferramentas é o Modelo de estímulo BC-BNDES para gerar riqueza na economia sem criar inflação. O modelo de fomento BC-BNDES funciona assim:

O BC para conseguir recurso para o BNDES tem que emitir nota do tesouro, com bancos e/ou grandes investidores comprando esses títulos. Neste ponto, o BC consegue recurso para baldear para o BNDES. O BNDES, por sua vez, faz EMPRÉSTIMO para os micros e pequenos empresários e com isso os tomadores de empréstimos melhoraram as suas condições de negócios, ao passo que estariam devendo para o BNDES a partir deste momento. Passado um período estipulado, o micro e pequeno empresário paga o BNDES e o BNDES devolve esse recurso para o tesouro [BC]. E o tesouro [BC] resgata a nota “promissória” do banco e/ou grande investidor que comprou os títulos do tesouro lá no começo da operação.

Contabilmente: debita-credita; credita-debita.

Repare que nesta transação apenas FINANCEIRA o BC estimula o mercado [tanto o real quanto o de balcão] sem emitir uma moeda sequer para não gerar inflação. Só que realmente esse modelo só prospera quando a economia está em um ambiente normal [sem crise que se deva gerar um estímulo maior para recuperação].

Agora, pela PEC 106, chamado de orçamento de guerra, o Banco Central pode imprimir dinheiro [lembra-se do 1,2 trilhão para os bancos?] e comprar ações de micro e pequenas empresas DIRETAMENTE. Ou seja, o BC virará PROPRIETÁRIO de empresas no Brasil todo.   [1,2 trilhão depositado em Banco do Brasil e Caixa Economia Federal se prepare, eu vou lhe usar]

Pelo aspecto contábil, mediante a lei de sociedade de ações, o BC ser dono de ações de pequenas, médias e até mesmo grandes empresas gera o que é chamado de SOCIEDADE COLIGADA. Uma sociedade coligada é quando, embora não seja majoritária em controle acionário, ela exerça uma INFLUÊNCIA SIGNIFICATIVA nesta empresa em questão. Ou seja, por mais que um investidor seja minoritário, ele terá até mais poder de decisão do que os majoritários.

Um exemplo notório é a Vale do Rio Doce. Majoritariamente ela é uma empresa privada e CONTROLADA pelo investimento privado. Mas ao ter acionistas minoritários estatais sob a sua carteira de ações, essas estatais exercem INFLUÊNCIA SIGNIFICATIVA nesta siderúrgica.  E o motivo é óbvio: se o minoritário não ficar satisfeito em uma reunião, por ser estatal, ele pode acionar lobby governamental para baixar uma nova lei, aumentar um novo imposto ou criar algum impeditivo para que os majoritários mudem de ideia e sirvam os minoritários a partir desta nova concepção.

Em miúdos: por mais que o BC seja teoricamente acionista minoritário nas empresas pequenas, médias e grandes, na verdade, por ter poder além da possuída por investidor normal, essa força poderá ser exercida contra quem aceitou que o Estado seja o seu acionista [minoritário], por não poder mais ter LIBERDADE para decidir mesmo sendo acionista majoritário.

Isso é chamado de primazia da essência sobre a forma. Se na forma diz que o investidor é majoritário e o BC é minoritário, portanto, quem decide é o majoritário por ter mais ações que geram votos; na questão coligada, quem manda é a essência, ou seja, o acionista minoritário, por ser extremamente forte, e por isso é realmente quem toma decisões.

Deixando a questão contábil de lado, o problema é que o MUNDO INTEIRO está fazendo exatamente isto: usar o BC para comprar títulos de empresas pequenas, médias e grandes. E como todo mundo está fazendo isso para se recuperar logo, isso gera uma liquidez gigante [traduza como inflação], em que faz artificialmente os mercados se reaquecerem para voltarem às atividades normais.

É uma espécie de Plano Marshall antecipado. Se no Plano Marshall espera-se que o país quebre para depois o Estado intervenha para a retomada; a retomada, por esta decisão do BC investir ao comprar ações de empresas, é adiantada a salvaguarda para que não se faça uma quebradeira em série. Antecipa-se à quebradeira geral e os seus efeitos nocivos e de lenta recuperação.

E se o leitor foi ensinado pela mãe de que: “você não é todo mundo”, neste caso de retomada global por ações de liquidez promovidas pelos Bancos Centrais Mundiais, não acompanhar o que o mundo está fazendo é suicídio. Sem a liquidez, o Brasil corre o risco de ter a recuperação lenta. E recuperação lenta em um mundo que artificialmente acelera a economia, faz o Brasil, só por causa de não ser todo mundo, ficar pra trás. Neste caso de “tsunami monetário” criado pelos BCs mundiais, “você é todo mundo sim!”.
  

Dean Baker afirma que não há nada de errado com a economia em si, mas que os economistas estão habituados a ignorar os princípios de sua própria ciência quando a politica entra em jogo.

Elementar, meu caro Watson, a política sempre foi e sempre será maior que a economia em si.

Portanto, O Banco Central comprar títulos de pequenas, médias e grandes empresas é errado pelo ponto de vista de fundamento econômico [inflação], fundamento contábil [primazia da essência sobre a forma] e até mesmo fundamento financeiro [por comprar títulos podres]. Mas pelo aspecto de fundamento político, em que todos os bancos centrais do mundo estão injetando liquidez de forma forçada para criar um Plano Marshall antecipado e, com isso, antecipar a aceleração e a retomada, neste caso o Brasil tem que copiar o que o mundo faz para não ficar para trás.

***

Obs1: Em questão de estímulo para gerar e aumentar a liquidez do mercado e, com isso, impulsionar a retomada econômica de forma mais acelerada, essa medida, deixando até uma possível hiperinflação de lado, é a mais acertada.  

Obs2: neste caso, o BC troca o empréstimo via BNDES [sem inflação] pela compra de propriedade propriamente dita [com inflação].

Obs3: o problema do Brasil, na verdade, chama-se Paulo Guedes. O investidor não tem mais confiança. E a lógica é simples: se o Paulo Guedes fosse vendedor, você compraria um carro negociado por ele?


Fonte 1,2 trilhão para banco: https://www.infomoney.com.br/economia/com-crise-banco-central-ja-anunciou-r-12-trilhao-em-recursos-para-bancos/


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