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O Bêbado e o Equilibrista

Por: Júlio César Anjos

Numa época longínqua de uma cidade distante, havia um bairro de classe média baixa em evolução, com o urbanismo padrão em que se avistava na entrada da rua um bar na esquina da quadra abrindo a região. A viela era a extensão do boteco, cujo lugar era tido como um clube de reunião de alguns trabalhadores que, toda a noite os acólitos alcoólicos reuniam-se a bater ponto no recinto, ao tomarem o combustível que satisfaz o vício, para só depois de a reunião  acabar os beberrões partirem para o recolhimento das suas casas, fazendo deste hábito um padrão. 

Muitos residentes desfrutam o boteco, mas há aquelas exceções dos viciados que fazem do bar praticamente a sua morada. E uma dessas figuras chama-se Adamastor. Adamastor mora no casebre no começo da rua, mais próximo ao bar do que as outras residências locais. Apesar de ter a casa e o seu carrinho velho caindo aos pedaços, além de ser um alcoólatra inveterado, ao menos o sujeito trabalhador leva comida pra casa. Mas a maioria do salário do trabalhador fica retida no boteco do bairro, local que sacia o seu vicio todo dia e sem parar.

E, em um desses dias como qualquer outro normal, o novo vizinho Andrigo chega de mudança na viela, ao comprar um terreno baldio que ficava no fim da rua, distante do bar. A primeira coisa que o rapaz fez foi fazer uma casa de madeira caindo aos pedaços para poder se abrigar. E com a sua bicicletinha barra circular, Andrigo naquele momento era o sujeito com a condição mais sofrível na rua, cujo tinha sua condição momentaneamente pior do que a do seu vizinho Adamastor. Além disso, o novo morador recém-chegado não era muito chegado de boteco e de conversar.

  Num dia qualquer, após o horário de expediente, Adamastor alcoolizado parou Andrigo - que estava indo para a casa com a sua bicicletinha barra circular - para segurá-lo a conversar. Piada aqui e acolá, enquanto que Adamastor estava feliz com a felicidade etílica por poder papear, Andrigo já estava de saco cheio e querendo encerrar o papo o quanto antes para a casa poder voltar. Adamastor observou que Andrigo estava com 10 tijolos na garupa e perguntou ao ciclista, em forma de ironia, se: "os tijolos eram para o rapaz se equilibrar?". E o público diminuto do bar riu com a observação, colocando o apelido de “equilibrista” no rapaz. Andrigo não se deu por vencido e apelidou Adamastor de canabrava. Ao menos o quebra-gelo serviu para haver um coleguismo de vizinho.

A partir deste momento, toda vez que Adamastor avistava Andrigo com 10 tijolos na garupa o chamava de Equilibrista, enquanto que Andrigo o chamava de canabrava.  

Passaram-se dois anos após Adamastor conhecer Andrigo. Adamastor não estava indo trabalhar, questão de atestado médico. O problema era princípio de cirrose. Então, não podia beber até o medico liberá-lo do vício novamente.

Ao estar são após dois anos vivendo de pileque, Adamastor resolve dar uma volta e fazer o básico que há muito tempo não fazia: dar uma volta e descer a rua. Nesse instante, ele fica encafifado: “Cadê o terreno baldio?”, aquele lote o qual Andrigo tivera comprado. Adamastor bate palma para chamar o vizinho. Eis que aparece Andrigo para atendê-lo.

Adamastor não acreditava que Andrigo pudesse contratar uma empreiteira para fazer a sua casa. Afinal, o rapaz andava de barra circular e demonstrava ter poucas posses ao mudar-se para aquele lugar. Andrigo achou engraçada a indagação de Adamastor, e confessou que quem fez a residência foi ele próprio, com as próprias mãos. E explicou de forma sucinta que, sempre que podia, comprava 10 tijolos no material de construção e ao chegar a casa já fazia o assentamento sem pestanejar. E em dois anos a sua residência confortável de material assim surgiu, apareceu, virou o seu humilde lar.

Como os dois tinham certa intimidade, Andrigo pegou um CD da Elis Regina, com a música: “O bêbado e o equilibrista”, e disse que a canção nada tinha a ver com o contexto do coleguismo dos dois vizinhos, mas a canção podia ser um hino de confraternização da amizade da dupla porque fazia menção entre o canabrava [o bebado] e o equilibrista. Adamastor reflete sobre a palavra: “bêbado”, que pela primeira vez o machucou profundamente, conversou um pouco mais com o seu vizinho e se despediu do amigo para voltar pra casa.

Ao voltar pra casa, Adamastor percebe que todos os vizinhos melhoraram as suas condições. Jardins das frentes com a manutenção em dia; as grades dos muros com a pintura nova; e até mesmo as fachadas das residências revigoradas; toda a arquitetura da região modificou-se para melhor, tornando a viela classe média, enquanto que o casebre do Adamastor tornou-se a residência mais abandonada da rua. Adamastor sentiu que ficou para trás.

Em sua residência, Adamastor observou o seu filho maltrapilho e a mulher abandonada e sem brilho, cenário criado pelo próprio chefe da família que, por egoísmo do vício, afundou a família toda consigo. Vendo toda aquela situação, Adamastor toma uma decisão contundente: “não irá mais ser alcoólatra. Irá parar de beber!”. A família fica toda feliz por saber da decisão, família unida que, daqui pra frente, só poderia evoluir e melhorar, pois, pior que a situação do alcoolismo não podia ficar.

Uma semana depois Adamastor vai ao médico após o trabalho. Recebe a notícia que não tem cirrose e está com saúde boa. Voltando pra casa, dá uma paradinha no bar para comemorar com os amigos de copo a boa nova: está saudável e livre para fazer o que quiser.

E bebeu para comemorar.




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Baseado no trabalho disponível em https://efeitoorloff.blogspot.com.

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