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Religioso Brigão: Combatente a Serviço do Mal

Por: Júlio César Anjos
 
E assim disse Jesus: “Dai a César o que é de César, dai a Deus o que é de Deus”. Todo religioso acha que Cristo só entrou em fúria neste episódio por causa de uma crítica de algo lateral como o mercado de compra e venda somente, mas o fato é que nesta questão também estava condicionada claramente uma divisão entre o Estado, representado pelo gravame da moeda com desenho da face do Imperador Júlio César, e Deus, representado pelo templo judeu, onde estava ocorrendo comércio. Foi um dos raros episódios na bíblia em que Jesus esteve furioso e combateu os inimigos: Estado e Mercado. Hoje, a igreja é um conglomerado chamado mercado da fé. E os religiosos continuam a lutar, só que agora contra outros inimigos, os que são contra a religião ser arruaceira por querer praticar uma espécie de capitalismo pagão. O mais irônico é que os líderes religiosos evangélicos estão a deturpar o cristianismo ao criar o religioso brigão: combatente a serviço do mal.

Sergei Tchakhotine, em seu Magnum Ópus: “A Violação das Massas pela Propaganda Política”, escreveu que o ser humano pode ser estimulado por reflexos condicionados pelo 2º sistema de sinalização. Traduzindo: um homem pode dominar o outro ou uma massa de seguidores simplesmente por símbolo verbal [pela comunicação]. Isso é óbvio. O que não é obvio é que todo animal, racional ou irracional, possui quatro pulsões: Combativa, Nutritiva, Sexual e Paternal. Essas pulsões podem ser utilizadas para manipular o homem e/ou a massa de forma total. E de todos os grupos sociais existentes na sociedade, o Cristianismo é o mais potente porque possui na sua escritura sagada todas as pulsões:

Combativa: “Não penseis que vim trazer paz a terra; não vim trazer paz, mas espada”. Mateus 10:34 – Toda espécie precisa lutar.

Nutritiva: “E Jesus lhes disse: Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede”. João 6:35 – Toda espécie precisa comer.

Sexual: “Deus abençoou Noé e seus filhos: sede fecundos, disse-lhes ele, multiplicai-vos e enchei a terra”. Gênesis 9:1 – Toda espécie precisa reproduzir.

Paternal: “Tu, Senhor, és o nosso Pai e, desde a antiguidade, te chamas nosso Redentor”. Isaías 63:16 – Toda espécie precisa acolher.

A doutrina cristã possui adaptação para seguir em qualquer pulsão, embora a sua verdadeira morada seja a pulsão paternal: acolher, assistir, ajudar, fazer o assistencialismo cristão. Já o pior caminho é fazer desta religião um instrumento combativo a serviço do Estado.

Sempre que a doutrina cristã é usada pelo Estado para fins combativos, ela inicia o processo com sucesso, ou seja, quem domina o cristianismo leva vantagem contra os adversários e/ou inimigos num primeiro momento. Mas, conforme vai passando o tempo, a própria religião cristã vai se desgastando ate cair em degradação, tornando-se enfraquecida na sociedade por causa das suas ações políticas agressivas incompatíveis com os ensinamentos de Cristo. Foi isso que aconteceu na idade média, por exemplo, em que chegou a ser criado até templários “Deus Vult”.

Após o episódio: “dai a César o que é de Cesar”, o Imperador Constantino deturpou a mensagem que Cristo queria passar ao formalizar um estado Confessional caracterizado como um Cristianismo combativo. Após esse “direito divino dos reis”, esse período foi chamado de Idade Média. Mil anos que a religião avalizou toda a tirania que se possa imaginar. E por isso, com justiça e razão, foi apelidada de Era das Trevas. Somado a isso, hoje, parece que os lideres religiosos não aprenderam com o passado e parece que querem cometer os mesmos erros ao acometer a igreja um local de disputa, ao fazer do religioso brigão: combatente a serviço do mal. Mas essas questões não são realmente problemas da igreja e/ou religião, diga-se a verdade, mas de poderosos que controlaram o Estado e deslocaram a igreja ao tirá-la da sua principal função: assistir a população, para, ao invés disso, jogá-la a interesses mesquinhos ao incutir na igreja católica apostólica romana a pulsão combativa.

Deste modo, o Catolicismo já tinha perdido a credibilidade na Europa por causa da era das trevas. Conseguiu sobreviver nas Américas após doutrinação difundida pelos jesuítas. Mas para a tristeza do povo em geral, os católicos resolveram em 1964 alinhar-se aos golpistas com a fadada: “marcha para a família com Deus pela Liberdade”, ao ser combativo contra o comunismo. Até ser combativo contra o comunismo não é problema; afinal, o comunismo é ateísta e contra qualquer religião. O problema é que os católicos tornaram-se somente marionetes das forças armadas brasileiras que queriam dar o golpe para manterem-se no poder pela ditadura. Ou seja, os católicos combateram os comunistas, mas por outro lado ajudaram outro tipo de tirania – a militar - e saíram com a imagem negativa no fim do processo.

Ao combater o comunismo para no fim dar poder à ditadura militar, o catolicismo enfraqueceu. Se em 1964 mais de 90% da população era católica, no fim dos anos 80 os católicos eram só 60% de fiéis, perda absorvida pelo aumento de congregações evangélicas [é nesse período que Edir Macedo começa a crescer], além de aumento de outras crenças e até ateísmo por causa do vácuo de poder da religião deixada pelos católicos.  

A igreja evangélica, a partir dos anos 90, com o Edir Macedo à frente desta nova transformação religiosa cristã no Brasil, começou a avançar com tanta voracidade que chegou a comprar cinemas para usar como templos das suas novas congregações. Com slogans como: “Jesus Cristo é o Senhor” e “Deus é amor”, os novos cristãos cimentaram no fim do século passado na posição em duas frases de característica de pulsão paternal. Mas hoje, no século XXI, tudo mudou. As igrejas neopentecostais avançam para tentar, novamente, fazer uma espécie de fusão entre igreja e Estado, ao empurrar novamente o cristianismo para a função combativa - um novo "Deus Vult!". Ou seja, estão cometendo o mesmo erro que os católicos cometeram em 1964, ao aderirem os avanços políticos antidemocráticos no Brasil ao querer fundir-se com a política e líderes autoritários. Já é sabido o que vai acontecer.

Portanto, fica a lição: toda vez que a igreja cristã, ao poder se metamorfosear à pulsão combativa para atender os desejos de autoritários que controlam o Estado, ao invés de atender o povo ao acolher pela pulsão paternal, os cristãos sempre enfraqueceram e perderam posições no final do processo, ao que mostra que Jesus Cristo tem razão ao enfurecer-se sobre “Dai a Cesar o que é de Cesar”, pois o Estado opressor é incompatível com o cristianismo e ensinamentos de Jesus.

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Neste momento de pandemia de Coronavirus, o que mais se vê é pastor rancoroso que aumenta o tom de voz e até aponta o dedo em riste nas lives da internet contra políticos em geral, no mesmo tempo que pede dizimo por transação monetária virtual. Estes pastores dão a César o que é de Deus. São religiosos brigões: combatentes a serviço do mal. É por essas coisas que eu não sou religioso fervoroso e até tenho vergonha de algumas atitudes realizadas por cristãos.



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