A História Não se Repete; Mas Rima
Por: Júlio César Anjos
“Minha
gente, não me deixe só”, essa era a frase do Collor ao se reportar ao povo
brasileiro para que a população mantivesse o presidente playboy no cargo
presidencial. Com a economia em frangalhos na época, o ex-presidente em 1992
pediu para todos irem às ruas vestindo-se de cores verde-amarelo. A massa
atendeu parcialmente o recado e encheu as calçadas pelas vias democráticas. Mas
ao invés de ir para o asfalto de verde-amarelo, foi de indumentária preta, como
símbolo de luto de um governo que tinha morrido e restava somente o
sepultamento como solução. Agora, Bolsonaro rima com o Collor. Não
foneticamente, mas como história, como já observava Mark Twain.
Em
1992, quando o Collor chamou o povo às ruas para defendê-lo do impeachment, a
esquerda que naquela época era considerada ilibada [o PT ganhou a eleição 10
anos depois, em 2002 com o mote: “xô, corrupção”], conseguiu raptar o movimento
conclamado pelo Collor que deveria ir às ruas com as cores verde-amarelo e foi
com as cores sugeridas pelo PT: cor preta de luto. Lindbergh Farias, espécie de
líder do MBL na época, lembra bem disso.
O
PT quando oposição feroz, na época do governo Fernando Henrique Cardoso, no qual compreendia o intervalo de tempo de 1995 até 2002, chamava o PSDB desde
extrema-direita até fascista neoliberal. E mesmo os tucanos entregando
resultados econômicos satisfatórios, por causa do histórico negativo da direita
vinda pela ditadura militar e pelo Collor, os tucanos desgastaram-se por serem
considerados de direita na política e no poder [o que jamais foi], pois, as
esquerdas inocularam isso no meio populacional.
Até
o fim do século XX, quem ousasse ser de direita era punido na inquisição
petista por ser um ser humano desprezível e que deveria ser expurgado da
sociedade. A direita, por ter lepra política naquela época, resolveu retroceder
e aceitar que o PSDB fosse a direita brasileira. O sujeito que quisesse ser
extremista de direita na era PT só poderia ser por vias clandestinas. E tudo
parecia caminhar para uma perpetuação do PT no poder.
O
PT chega ao poder em 2002. E quanto mais a extrema-direita tentava sair da
clandestinidade para se exibir ao mundo real, mais o PT se alimentava da
existência desta extrema-direita que vivia no subterrâneo político. A
extrema-direita era o espantalho perfeito para o PT.
Só
que, com a ânsia de perpetuação de poder, o PT, com o petrolão ‘descoberto’ a
partir de 2014, exibe a todos o maior escândalo de corrupção da história
brasileira. A insatisfação antes da deflagração da operação lava-jato era
visível nas manifestações de 2013 chamadas pela esquerda, com o Movimento Passe
Livre. A direita, por estar há anos fora dos principais embates e debates mais
relevantes nacionais, consegue a partir de 2013 e início da operação lava-jato
sequestrar uma grande parte da massa amorfa para si, com grupos como MBL e Vem
pra Rua desviando uma parcela desta massa popular geral em novos apoiadores da direita.
Resultado prático de sequestro popular igual do PT na época do Collor, mas com
estratégia diferente.
A
Dilma, em 2015, já desgastada, resolve dobrar a aposta e fazer um plebiscito
sobre o seu mandato. As esquerdas enchem as ruas de vermelho, enquanto que a
direita lota as avenidas de verde-amarelo. A petista perde a queda-de-braço e a
ex-presidente tem o impeachment como solução política de deposição.
Após
o impeachment, tudo encaminharia para Aécio ser presidente do Brasil. Mas o Sistema
deu um jeitinho e tirou o tucano da jogada. No lugar, o povo se abraçou no
primeiro candidato a herói que apareceu: Bolsonaro. Bolsonaro ganha a eleição de
2018 e, após a diplomação, começa a aparecer problemas de vínculo do presidente
e sua família com milícia no Rio de Janeiro [assim como no passado o Lula também tinha problemas].
Entre
problemas internos e externos, Bolsonaro não entrega uma economia pujante no
primeiro ano de mandato, tem problema de articulação política, é populista e
não sabe como sair da armadilha da própria teia que teceu: incutiu na cabeça
das pessoas um onirismo impossível de alcançar. Repete o início de Lula; porém,
Bolsonaro não tem um período mágico para que o boom de commodities o salve da
crise.
Na
recente República, vale reparar, somente Fernando Henrique Cardoso, por causa
do sucesso do Plano Real, e Lula, porque surfou boom de commodities no período
mágico entre 2003 e 2008, só estes dois ex-presidentes governaram sem crise
gigantesca causada pelo próprio governo. O que dá pra dizer que FHC e Lula
foram exceções da regra: bagunça interna da própria equipe de governo que impede
o presidente de governar.
E
para compreender o fenômeno bolsonarista, o Bolsonaro tem o conteúdo do Collor,
por ser direita, mas o formato da Dilma, por ter grupo sectário pequeno e
barulhento que o apoia incondicionalmente diante uma bandeira doutrinária. Mas
esse grupo sectário não tem força para segurar o presidente no poder por muito
tempo, caso não haja resultado econômico positivo vindo do governo. Deste modo,
caso Bolsonaro continue a dobrar a aposta, cairá como a Dilma, mas perderá como
Collor.
Por
medo de perder o poder, e sabendo que não tem apelo popular de multidão para defendê-lo,
Bolsonaro tenta timidamente chamar o povo para apoiá-lo, mais ou menos numa
fusão entre Collor e Dilma. Mas quem é da política já conhece o roteiro e sabe
que isso não irá funcionar. Ou
seja, a história de Dilma e Collor pode se repetir ao Bolsonaro. Pode rimar. O
atual presidente pode sofrer impeachment por não ter apoio popular para defendê-lo
da deposição.
Já
na questão do PT, o determinismo histórico do partido rima como a ditadura
militar. Assim como a ditadura militar era o espantalho para os petistas
subirem ao governo e até suscitarem a perpetuação de poder, agora quem é o
espantalho da direita é o PT. Quanto mais o PT aparece, mais a direita cresce
[com ou sem Bolsonaro].
A
solução para as esquerdas, portanto, é fazer a “glasnost” e abandonar o PT,
assim como a direita que voltou ao poder tinha abandonado a ditadura militar por
bastante tempo, até voltar agora à presidência pelo Bolsonaro.
Bolsonaro,
atual presidente este que faz desde Nildo Ouriques até Olavo de carvalho sentirem
orgulho pelo seu chavismo febril, para manter-se no poder tenta timidamente chamar
o povo para apoiá-lo, mais ou menos no estilo Collor e Dilma.
Vai
dar certo isso? Não. Óbvio que não. Por isso que Bolsonaro já faz acordo com o “congresso”
para esvaziar a própria manifestação que ele chamou. Parece que o extremista de
direita está começando a deixar de ser burro por voltar ao bom e velho
pragmatismo político.
E
pragmatismo é fazer a história rimar.
Portanto:
sequestrar movimento de rua [Collor em 1992 pede povo com camisa verde-amarelo
e o PT reage fazendo o povo ir com camisa preta para a rua; Movimento Passe
Livre convoca manifestação em 2013, sendo tomado pelo Movimento Brasil Livre];
clamar herói em momento de mudança política [Lula em 2002 e Bolsonaro 2018]; o
Sistema dar uma forcinha para o herói ganhar eleição [Lula e o problema Celso
Daniel 2002; Bolsonaro e o problema com milícia 2019]; chamar o povo para defendê-lo
de destituição, sendo que há crise vinda do próprio governo [Collor 1992, Lula
2005, Dilma 2015, Bolsonaro 2020]; acordo de pragmatismo para governar [FHC
1995, Lula 2006, Dilma 2010 e agora Bolsonaro 2020]; e oposição tem “lepra
política” e vira espantalho do governo de situação [Direita 2002 e Esquerda 2018];
tais situações são somente a história brasileira rimando, sem se repetir de
forma igual.

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