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Todos os Presidentes do Mordomo

Por: Júlio César Anjos


Curitiba, 30 de Outubro de 2022

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A TV dá a notícia: “Após 20 anos, os tucanos voltam à presidência do Brasil”.

Norberto, que acabara de se aposentar como mordomo do Palácio da Alvorada, olha para a notícia na TV que fica na sala, dá uma pequena risada de canto de boca, pega o controle e desliga o aparelho.

Retoma o posto após se sentar perto do neto, que acabara de passar no concurso público para o mesmo cargo o qual ocupara o seu vô [o Brasil sempre tem dessas coincidências, filho de procurador vira procurador, primo de deputado se elege também deputado e por aí vai] para dar conselhos ao seu descendente.

Norberto começa a conversar com o seu neto João.

***

 Norberto – Sabe, João, eu já te orientei sobre muita situação sobre o cargo, mas pouco mencionei sobre ocorrências históricas que se passaram naquela residência presidencial.  Quero detalhar um pouco sobre todos os presidentes o qual eu trabalhei.
João – Mas isso será muito demorado, vô?
Norberto – Será breve. Tudo começou...

Tudo começou em 1985. Eu era bem jovem naquela época. Fui contratado na verdade para ser o mordomo do Tancredo. Como naquele período ainda não tinha obrigação em contratar concursado, a equipe de Neves resolveu demitir os outros empregados que foram contratados pela ditadura para recontratar outros que não tivessem o ranço militar. E nessa mudança eu comecei a trabalhar na Alvorada.

Infelizmente, vi de perto o Tancredo morrer e o Sarney ser empossado no seu lugar.

Quer saber o que eu acho da morte do Tancredo? Pra mim, o homem foi assassinado.

A ditadura tinha criado o bipartidarismo e, embora estivesse fazendo a abertura democrática, havia muito esqueleto no armário ao qual um civil fora deste espectro não poderia saber.

Então o poder tinha que ficar com alguém do MDB. E empossou com o Sarney.

Nesta época, lembro-me bem do período por causa do Requião.

João – o que o Requião tem a ver? Não é sobre os presidentes?
Norberto – sim, João, já chegarei lá.

Sarney foi presidente do Brasil no mesmo período que Requião foi prefeito de Curitiba. E enquanto o presidente fazia um monte de bobagem, ao estourar uma hiperinflação sem fim, Requião, que era absolutamente do mesmo partido PMDB, fazia demagogia e proselitismo político com o populismo do “leite das crianças”. Ou seja, o mesmo partido no âmbito federal que quebrava as pernas do povo era o mesmo que ofertava o gesso para a perna quebrada da população.

João – Interessante.
Norberto – Calma que tem mais.

Passando o governo Sarney, veio o primeiro presidente eleito na redemocratização: Collor, conhecido com o presidente playboy.

Collor ficou apenas dois anos no governo. Sofreu impeachment por causa dos erros de gestão econômica. O PT o derrubou porque o partido socialista não engoliu a derrota na eleição de 1989.

Foi nesse período que o tio Douglas perdeu a casa dele.

João – Mas o governo não está devolvendo o dinheiro para os mutuários que perderam suas finanças nos planos Verão e Collor, vô?
Norberto – Sim, João, mas quem colocou no overnight, que era uma transição financeira e sem garantia, não teve ressarcimento, modalidade que o seu tio escolheu.

Após a destituição do Collor, no desespero e às pressas para fazer coalizão de maioria para governabilidade, Itamar teve que assumir um governo tampão. No desespero, chamou um sociólogo para Ministro da Fazenda. E foi aí que a história do Brasil teve uma mudança drástica.

João – Itamar? Nem sabia que tinha esse presidente com esse nome. O Brasil e suas surpresas.
Norberto – Pois é. Ficou pouco tempo e o maior escândalo foi ser fotografado junto com uma mulher que estava sem calcinha. Coisas do país.

Com a chegada do Fernando Henrique Cardoso [FHC] na política, ao virar Ministro da Fazenda, nesse momento dá para dizer sem medo de errar que foi o período da maior mudança que esse país já teve desde a redemocratização. Fernando Henrique fez um feito que parecia impossível, conseguiu controlar a inflação.  

O Fernando Henrique trabalha tão bem na pasta econômica que o povo o elege presidente do Brasil no primeiro turno, praticamente por aclamação.

João – Não teve segundo turno?
Norberto – Não teve segundo turno. Aliás, 1995 foi o ano em que você nasceu. Você veio ao mundo bem na época em que a música: “Me Abraça”, da Ivete Sangalo, estourou nas paradas de sucesso. Tempo bom que não volta mais.

Fernando Henrique Cardoso, no palácio o Alvorada, estava sempre taciturno, sempre estava com um livro na mão. Rotineiramente se pegava a pensar o Brasil. Além disso, no Palácio do Planalto, as confusões do país chegavam grandes e saiam pequenas, o que mostrava a força do FHC como estadista.

FHC manteve um ótimo mandato. Estabeleceu a era da estabilidade econômica e novo tempo social. E como fez tudo certo, ganhou a reeleição de novo no primeiro turno contra o Lula.

João – FHC Ganhou duas vezes no primeiro turno do Lula?
Norberto – Sim. Ganhou um tucano hoje. Mas se ele tivesse idade, e saúde, ganharia uma terceira.

E como nem tudo são flores, os problemas de crises internacionais que atacavam os parceiros comerciais, como Rússia e Argentina, fizeram o país sofrer com problemas econômicos no mercado doméstico. O problema econômico somado com a grande possibilidade de o populista Lula vencer o pleito, com discurso de não pagar divida externa e fechar a política para regime socialista, tais situações fez o ano de 2002 ser um caos.

Desde janeiro de 2002 havia turbulência econômica por causa da possibilidade do Lula vencer o pleito.

E mesmo com esse pânico todo, Lula venceu a eleição de 2002.

Lula compreendeu que ele mesmo era o agente causador de crise, e a partir dessa autorreflexão, resolveu trair o próprio eleitor, ao virar “paz e amor” da elite do país.

João – Mas isso não é enganar o povo, vô?
Norberto – Lógico que sim, João.

Lula negociou junto daqueles que o sempre criticou. Virou parte do Sistema rapidamente. Coisa da mosca azul.

Lula fez um primeiro mandato mediano. O problema é que o Brasil teve uma regressão política em 2005, quando estourou o escândalo do mensalão.

Neste sistema de corrupção, o Brasileiro atenuou tal problema achando que não era um grande agravo social, o que fez o PT crescer demais no poder político-eleitoral ao fazer Lula ser reeleito em 2006.  

João - Por que o povo aceitou isso, vô?
Norberto – Porque a economia internacional estava em ascensão.

Com o mundo em perfeita harmonia na economia, e Lula herdando um país controlado economicamente com a moeda estável e socialmente porque havia um caminho a trilhar criado por FHC, Lula, entre o período de 2003-2008, surfou no que os economistas chamaram de “boom das commodities”. Na verdade era boom de tudo, até de tecnologia. Mas releva-se.

A verdade é que o Lula foi um desserviço para a democracia. Andava no palácio do Alvorada sempre alcoolizado e mijado. Teve até uma vez que estava bêbado às 14:00h de terça-feira, num dia útil de trabalho, estava embriagado e queria porque queria nadar no chafariz da esplanada.

Teve até um jornalista gringo que foi expulso justamente por denunciar isso.

A falta de compostura do presidente, além da quantidade de gente esquisita a frequentar o palácio fez com que a percepção dos que conheceram Luís Inácio fosse diferente daquela que a mídia propaga nos seus meios de informação.

João – A tia Helena sempre gostou dele...
Norberto – E é só ver que a tia Helena não é nenhum padrão de cidadão notável. Os petistas sempre atraíram gente estranha.

Então, chegou a eleição de 2010.

Após a crise de país rico de 2008, as nações desenvolvidas precisavam de um porto-seguro para guardar temporariamente a sua riqueza e com isso escolheram no fim de 2009 depositar as riquezas nos países emergentes.

E com isso, o Brasil em 2010 teve um PIB artificial de 7%, o que fez o Lula temporariamente ter aprovação de 85% da população.

Com isso, era quase impossível Lula não fazer sucessor presidente. E neste sentido, fez a Dilma presidente nesta eleição.

João – Já consigo me lembrar desse período. Realmente aconteceu isso. Era chamado de bolha imobiliária.
Norberto – Sim, João, o mundo ajudou o Lula e o PT ter sobrevida na política brasileira.

Mas como o crescimento era artificial, e uma hora a conta iria chegar, Dilma nem de perto teve um governo parecido com a do Lula porque não teve o mesmo momento mágico 2003-2008 nem também houve o fenômeno dos ricos continuarem a investir no Brasil artificialmente, como na fuga da bolha imobiliária de 2008.

Governo ruim, somado com o povo supondo escândalo de corrupção em olimpíada e Copa do mundo, eventos caríssimos que o Lula atraiu para o Brasil, além de início de problema da Petrobras em não entregar o paraíso que seria pago pelo Pré-sal, o povo em 2013 resolveu ir às ruas “protestar contra tudo isso que está aí”.

João – É mesmo, o Lula sujou com petróleo a mão e disse que o Pré-sal seria a salvação.
Norberto – O Ouro Negro que resolveria tudo no Brasil. Hoje, soa mais como estelionato.

Nas manifestações de 2013 pouca gente se deu conta que a esquerda fez a manifestação direcionada ao tucano Alckmin. Afinal, Haddad acabara em 2012 de ganhar a prefeitura, e o caos controlado era para ser somente pontual, não saindo da cidade de São Paulo, visando o Governo do Estado na eleição de 2014. O caos controlado não funcionou, espalhou-se para o Brasil e até a Dilma virou alvo dos protestos.

João – Tinha tudo quanto que é tipo de gente na rua.
Norberto – Sim, uma loucura. Mas foi o único momento realmente democrático neste país.

Aí veio a eleição de 2014. Dilma venceu o pleito de forma apertada.

Mas o desgaste já era grande, pois o primeiro mandato foi péssimo e o brasileiro deu sobrevida a um grupo político ruim em todos os aspectos.

E como o segundo mandato da Dilma foi terrível, o ambiente também ficou pesado.

João – A Dilma caiu por causa da pedalada fiscal.
Norberto – Nada. Caiu porque a economia estava em frangalhos. E o momento era tão pesado, que avistei a Dilma jogar cabides na empregada, que só estava fazendo o seu serviço. Um horror.

A pá de cal do governo Dilma vem com a operação lava-jato. O nome deveria ser petrolão para ser mais robusto. Mas escolheram um nome que poderia remeter lavagem de dinheiro, então que assim seja.

João – É mesmo. Essa corrupção que levou o Lula preso.
Norberto – Lula deveria ter sido preso em 2005 com o mensalão. Mas muita força interna e externa resolveu dar sobrevida ao petista.

Dilma cai, Lula é preso e quem assume o governo é Temer.

E aí como se sabe Temer também cai em investigação criminal porque a operação lava-jato perde o propósito e vira poder, bagunçando a política nacional.

Isso gerou o Bolsonaro presidente.

João – Eu sei, eu votei nele. Me arrependi.
Norberto – Eu não votei nele porque tenho experiência de ver as coisas da politica de perto. Caso contrário, também cairia no engodo.

Bolsonaro insistiu em continuar na polarização política ao invés de concentrar as energias para fazer um bom governo. Essa polarização não deu certo. Os dois grupos ficaram desgastados e por isso tornaram-se caricatos.

E a terceira via tucana venceu essa eleição de hoje.

João – Eu votei nesta pessoa.
Norberto – Eu também.
João – Obrigado, vô, por esta aula de história. Fico muito feliz por aprender sobre os presidentes o qual o senhor teve contato e trabalhou.
Norberto – João, meu neto, saiba que você tem sorte por começar a trabalhar com os tucanos. Terá tranquilidade por pelo menos quatro anos.

***

João vai embora. Tem que começar a se preparar para a nova vida em outra cidade, pois será o novo mordomo do palácio do Alvorada, no lugar do seu vô que acabara de se aposentar.

Norberto fica na sala. Chega próximo do player, coloca a música: Me Abraça, da Ivete, e começa a murmurar: “me abraça me beija...”.

***

Quem é o/a presidente tucano/a de 2022? O nome desta pessoa é...

Efeito Orloff – Nada Surpreende!




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