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Adorno: Beatles? Grace Slick!

Por: Júlio César Anjos


  
Há muita discussão sobre influências de pensadores nas músicas de épocas que marcaram gerações. E isso deve ser debatido realmente, desde que seja discutido pela lógica e o bom senso.

Até porque depois de comunista até debaixo da mesa, agora a extrema-direita está vendo diabo em tudo quanto que é lugar. A estética é bem naquela pegada de chamada de filme: "Dos criadores de: 'É tudo comunista', vem aí: 'Isso é coisa do diabo'". Isso que dá misturar nacionalismo com religião. É preciso esclarecer.

Recentemente, por exemplo, o astrólogo Olavo de Carvalho manifestou-se pela lógica de teoria da conspiração relacionando a banda Beatles com o filósofo Adorno.

Ora, quem acredita que a banda Beatles tem alguma coisa a ver com o filósofo Adorno, cujo estaria por trás de um plano diabólico em curso, acredita também que se tocar o vinil de alguma banda ao contrário, tal ato fará com que se dê para ouvir mensagem do Satanás.

Essa estrutura de tocar o disco ao contrário tem um nome técnico específico: Backmasking. Tal artifício, aliás, foi usado de forma experimental justamente pelos Beatles, cuja banda foi precursora de tal técnica com a música “Tomorrow Never Knows", de o álbum Revolver.

Só que esta técnica nada tem a ver com manipulação de massa ou de alguma atividade filosófica de doutrinação. É apenas uma técnica fonográfica rudimentar. E só.

E é justamente por causa desta esquizofrenia paranoide ser risível que fez com que Adam Sandler usasse de deboche, por meio do seu estúdio Happy Madison, ao fazer a critica de humor diante grupos que enxergam diabo em tudo, como o que acontece no filme: “Little Nicky” [no Brasil, Um Diabo Diferente], ao tocar o vinil da banda Chicago ao contrário e constatar que há uma mensagem do diabo por trás da faixa musical.

Cena de Backmasking no filme Little Nicky:

  
Voltando à realidade, o filósofo Adorno, que fazia parte da escola de Frankfurt, horrorizou-se na época ao fato de que a sociedade perdeu a capacidade de racionalizar e/ou criticar. E por isso fez um estudo chamado “teoria da razão crítica”. Foi justamente este estudo, junto com a dialética do esclarecimento, que gerou o que é chamado hoje de “contracultura”, pois, a contracultura é tudo aquilo que vai contra o que está inserido pelo sistema capitalista-burguês de idiotização e consumo de massa.

Deste modo, os Beatles não podem ser considerados uma banda com influência de Adorno por um simples motivo: os Beatles na época eram justamente aquilo que os marxistas mais criticavam: o padrão de consumo de massa de entretenimento capitalista-burguês.

Contudo, a lógica não era somente criticar o capitalismo para que as pessoas entendessem que o sistema deva ser criticado, ao furar a bolha de consumo de massa, mas também a mudança de estrutura da música em si, como: ritmo, rima, fonema, grafema, melodia, acorde, e etc.

E um exemplo deste desenvolvimento de produção que foge da normatização do enlatado capitalista se dá em bandas de contraculturas, seja punk, rock ou até a hippie.

Talvez uma das músicas que mais contenham influência sob o aspecto da “Introdução à Sociologia da música”, do Adorno, que compõem aspectos que quebram o padrão capitalista-burguês de sentir, criar e ouvir música seja a canção: “Come Again? Toucan”, da Grace Slick.

Com uma cacofonia bem elaborada, a letra cria uma dialética estilística. A tese é amigável padrão da letra; a antítese é a mensagem sexual a ser passada; e a síntese é o que ouvinte entender e/ou sentir.

Música Come Again? Touca - Grace Slick:

  
Veja a estrutura Grafema x Fonema da música: Come Again? Toucan:

Grafema [padrão “denotativo”]:
Mistakes [erros] are made [são feitos] because words [porque palavras]  are misunderstood [são mal interpretadas]

Mistakes are made because words are misunderstood
Erros são feitos porque palavras são mal interpretadas

Fonema [cacofonia cifrada “coloquial”]:

Miss takes are [carência leva a ser] maybe cause [talvez causar] or desire [ou desejar] miss under stud [de sentir falta de ficar debaixo de um viril]

Miss takes are... maybe cause…  or desire...  miss under stud
carência leva a ser... talvez causar... ou desejar... de sentir falta de ficar debaixo de um viril

A repetição de “all, all, all, all” no 4° verso é como uma onomatopeia de gemido no estilo: “oh!, oh!, oh!”.

O resto da música é toda nesta pegada. Se o leitor quiser compreender melhor isso, e tiver proficiência em Inglês, basta tocar a música Toucan de Grace Slick na velocidade 0,75x no Youtube e constatar que o fonema está diferente do grafema.

Parece que Grace Slick canta: “misunderstood” no grafema, mas no fonema cifrado ela canta: “miss under stud”.

Diante disso, Beatles é banda “friendly” que se hoje estivesse no auge da juventude, e fosse banda brasileira, tocaria na Jovem Pan, no Faustão e etc.

Grace Slick já seria diferente. A banda dela, o “The Great Society”, tocaria hoje tanto nas tabernas undergrounds [cantando de forma cacofônica e com interpretação sexualizada] quanto nos teatros chiques do país [cantando a letra composta de forma comportada]. Isso é quebra de todo tipo de padrão possível. E vai além da crítica ao capitalismo.

O problema deste tipo de formato de contracultura é que esta estética é difícil de compreender e também o resultado final fica confuso tanto no quesito de grafema quanto fonema porque é quase impossível de se fazer. Mas essa nova composição quebra a velha ordem de padrão estético de cultura de massa capitalista-burguês. Além disso, esta música Toucan só ficou excelente porque a vocalista é muito boa. Caso contrário, ficaria complicado o conjunto da obra.

Ou seja, em grau de dificuldade [se o Adorno fosse régua de mensuração de estética de música], Grace Slick é mais difícil de compreender que os Beatles.

Portanto, Grace Slick está mais para Adorno do que Beatles.


E para finalizar, nos dias atuais:
Beatles = Ana Júlia – Los Hermanos
Grace Slick = Admirável Chip Novo - Pitty

Obs: por favor, Olavo de Carvalho, não ofenda Adorno. Compará-lo aos Beatles é ofendê-lo.

Aprendestes, Olavo? Ou vai continuar querendo ver diabo em tudo?


Pitty – Admirável Chip Novo: “Mas lá vêm eles novamente e eu sei o que vão fazer. Reinstalar o sistema” [Lula por Bolsonaro] "não, senhor; sim, senhor \ não, senhor; sim, senhor" 


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Baseado no trabalho disponível em Adorno: Beatles? Grace Slick.

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