Por: Júlio César Anjos
É um belo dia ensolarado de finados, uma família vai visitar os entes queridos. A filhinha de 10 anos, sem saber direito o que está fazendo, anda toda saltitante, mesmo estando presa ao caminhar de mãos dadas com a sua progenitora. A criança desprende-se da tutora e corre no meio do campo esverdeado, entre as lápides espalhadas no cemitério. Ao ver uma laje abandonada, com o mato crescendo em sua volta, ela lê uma mensagem no mínimo inusitada. Grita pela mãe. A sua tutora atende a filha de prontidão, e, chegando perto do jazigo, lê o seguinte epitáfio como descrição: “Não morreu porque não viveu. Nunca existiu!”.
A mãe ficou curiosa. E foi ver, na secretária do cemitério, quem seria o tal sujeito. Chegando à administração, pede informação da lápide abandonada. Eis que o atendente diz: Ele se chama:....”.
***
“Rodrigo, amor da minha vida, você ainda vai me amar quando eu ficar toda enrugadinha feito um maracujá?”, disse Isabella, logo após receber um bom cafuné carinhoso do seu enamorado, cujos se encostavam deitados e abraçados no sofá do humilde lar. Nada luxuoso, mas confortável ao menos.
Esse foi o momento da mais sublime alegria da vida de Rodrigo, um pobre coitado que nunca teve sorte na vida.
Acabara de engatar um relacionamento com uma moça que, apesar de divagar por sonhos longínquos de casal, Isabella pediu separação ao Rodrigo uma semana depois do moço saber que estava com um câncer terminal. Fazer o quê? O individualismo da moça clama por bem-estar, então, revogue-se o: “felizes para sempre” porque a mulher, na flor da idade, quer aproveitar a vida ao máximo que puder. E foi viver.
A vida contemporânea tem muito disso. O que é de se esperar, pois, promessas de amor de longo prazo, em era de relações volúveis, são apenas palavras vazias que nada representam a não ser um lirismo sem valor. Tudo é fugaz e eterno enquanto dure. E o amor dos dois não durou.
Já com Rodrigo a situação é diferente. O problema é que a sua vida está abreviada. Então não tem mais o que viver. O seu tempo na Terra esgotou. E muito em breve partirá para um lugar melhor.
Rodrigo nunca teve bens materiais, sempre andou em orfanatos porque perdera os pais viciados em drogas quando criança, além de sempre passar por reformatórios, porque não possuía família como exemplo a seguir, então sempre foi um peso morto para a sociedade. Sempre teve subempregos, e sobreviveu o quanto pode. Queria só conquistar coisas na vida que uma pessoa normal nem pensaria que é uma benção: ter um lar, uma família, talvez um carrinho velho para chamar de seu...
Nunca teve nada. E, em tempos de vacas magras, até mesmo viveu várias vezes ao relento. Cobria-se sobre a colcha do céu estrelado, tendo o meio-fio como seu travesseiro. Ao menos tinha saúde. Tinha. Pois, a vida prega peça e Rodrigo agora se encontra enfermo.
Apesar da doença não escolher idade, Rodrigo é jovem para ter câncer terminal. 20 anos a completar. E as perspectivas do futuro, embora antes da convalescência fossem escassas, agora, com o infortúnio, tornaram-se impossíveis.
A única coisa que restou foi o apresso que Rodrigo tem por um colega chamado Arnaldo, que, pela situação, dá até para chama-lo de amigo, um rapaz de classe média alta que o socorria em tempos de aperto, o que significava ser quase sempre. Como a doença era terminal, portanto sem cura, o amigo, por mais benevolente e rico que fosse, não teria o que fazer a não ser aceitar o que estaria por vir. Neste caso tudo se resolve, infelizmente, ao natural.
Rodrigo, então, humildemente faz um pedido inusitado para Arnaldo; que o enterre no cemitério municipal da cidade. E na lapide, ao invés de gravar o seu nome, que só registre uma frase na laje: “Não morreu porque não viveu. Nunca existiu!”. Arnaldo faz ar de aprovação.
Duas semanas se passam desde o momento em que Rodrigo fez o pedido inusitado ao seu amigo e o moribundo já não tem mais forças nem motivação para fazer higiene básica, dormir, comer e agir naturalmente como um ser normal. Abatido, tossindo sangue sem parar, vai em direção à igrejinha da cidade para fazer uma ultima oração.
Ao sentar-se em algum local aleatório na igreja, ajoelha-se e junta as mãos para fazer o pedido. Começa chorar e, aos prantos, olha para a figura de Cristo. Com complacência, o desalento o faz indagar: “O que fizestes comigo? Eu não quero morrer. Dói demais. Pai, por quê?”.
Um grupo de crianças do coral da igreja começa uma melodia no mesmo instante em que Rodrigo está a suplicar, e a musica é cantada no seguinte refrão: “Neste encontro tão feliz, nosso pai nos preparou, que vem nos alimentar, que vem nos alimentar, com Jesus o pão do amor”.
***
O funcionário do cemitério atende a mulher que fica intrigada com o epitáfio e diz: “O nome dele é Rodrigo. Nunca ninguém o visitou ou cuidou do túmulo. Logo-logo será despejado. Não passa de um Zé Ninguém”.
A frase se fez verdadeira e Rodrigo tinha razão.
Não Morreu Porque Não Viveu. Nunca Existiu! de Júlio César Anjos está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em https://efeitoorloff.blogspot.com.
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