Por: Júlio César Anjos
Texto
inspirado no conto de ficção científica chamada: A última pergunta [The Last
Question], de Isaac Asimov.
***
Carta
aos Viventes de 2061. Ou: A Entropia pode ser revertida?
Vocês,
aí do futuro, saibam que em 21 de maio
de 2061 alguém fará de forma definitiva a última pergunta: a entropia pode ser revertida? E a partir
deste momento vocês estarão evoluindo tecnologicamente cada vez mais, até mesmo
em direção à vida fora da Terra. Quem contou
isso? O grande Isaac Asimov.
Mas
desde já se adianta: não, a entropia não pode ser revertida. Assim como não se
pode voltar o cigarro após ser queimado a partir das cinzas, também não há
volta sobre o que aconteceu no passado. As cinzas destroem o que é material,
embora o que fica registrado na história não se consome jamais.
Foi
desta maneira que Rafael Cardoso¹, grande escritor da área do design, mostrou
que o saudosismo amparado pelo “pregressismo” [aquilo que é pregresso] tem
também valor por fazer uma bricolagem entre artefatos criados no passado e
contemplados no presente, para gerar outros artefatos no futuro, ao ter um
leque sem fim de opções de manufaturas.
Segue a linha de raciocínio de evolução:
“o
consumo de artefatos e comportamentos processa-se hoje numa espécie de não
tempo, ou “tempo em suspensão”, em que todas as épocas passadas convivem em
simultaneidade com o contemporâneo. Nada mais atual do que constituir a própria
identidade por meio da combinação estratégica de referenciais diversas ao
passado - tatuagem dos anos 1990; roupa dos anos 1980; música dos anos 1970;
filosofia dos anos 1960; penteado dos anos 1950; quadrinhos dos anos 1940; e
assim por diante - numa colagem contínua e sempre em mutação”.
Então,
vocês do futuro terão todo esse carregamento histórico materializado, como também
a tecnologia dos anos 2000 [smartphones], além daquilo que ainda será criado
neste gap entre 2019 até 2061, somando-se a outras inserções de dispositivos e
artefatos para uso geral. Com certeza vocês terão uma vida muito melhor que a
dos que vivem nos dias atuais!
Mas
haverá sempre a corrente político-filosófica que se arrogará de saudosismo regressista
para impor o retrocesso. A busca pelo reich é algo muito forte nos dias atuais –
assim como também foi no passado. Então pode ser que este fenômeno aconteça com
vocês também aí do futuro. Esses grupos extremistas tentarão convencê-los que a
entropia pode ser revertida, que o passado pode voltar, sendo que este efeito
só servirá para retardar os avanços criados no presente, impedindo o
melhoramento geral se concretizar. E será justamente esse povo que pensa de
forma atrasada e equivocada que tentará forçar vocês a buscarem a resposta
errada para a pergunta errada: a entropia pode ser revertida? Os preguessistas
são o estanque do progresso.
E,
aproveitando a dica, caso vocês do futuro queiram recorrer a alguma mídia de
vídeo, assistam ao filme Meia-Noite em Paris, de Woody Allen, que demonstra o fenômeno
de que sempre há pessoas saudosistas que desejam viver num passado idealizado.
Neste filme, o escritor Gil [Owen Wilson] que vivia nos dias atuais [século
XXI] voltou exatamente na era da história em que mais idealizava como sendo culturalmente
perfeita - o período entreguerras [século XX] -, e lá conheceu a Adriana
[Marion Cotillard], que vivia neste período [entreguerras], mas que queria, na
verdade, voltar ao passado, ao querer viver na era da Belle Époque [século XIX].
O filme tenta explicar que as pessoas não estão satisfeitas em viver no
presente e, portanto, podem querer resgatar o passado que, na verdade, nunca
existiu.
Com isso, vocês viventes de 2061 poderão ter o mesmo dilema que todas as eras já enfrentaram:
regredir em todos os aspectos para tentar retornar algo que não pode ser
resgatado porque já passou. Ou seja, uma entropia histórica.
Além
disso, vejam vocês que os regressistas conseguiram convencer uma boa parte da
população mundial, neste exato momento, de que vacinas são instrumentos de
controle mundial, que a terra é plana, que há até refrigerantes feitos com
fetos abortados! É um absurdo atrás do outro, o que mostra que os regressistas
possuem força de convencimento porque a humanidade sempre está em evolução – e com
isso aceita novidade, mesmo que o novo seja ruim, démodé, ou falseado da realidade.
Deste
modo, como em 2061 a pergunta: “a entropia pode ser revertida?” estará
formulada de forma errada, os robôs darão respostas com imprecisão. Eles
informarão: “dados insuficientes para resposta significativa”. Pois, a pergunta certa é: como fazer para a
humanidade não ser extinta? Aí sim o robô responderá que a entropia não pode
ser revertida, pois uma árvore queimada não pode voltar a ser a árvore de
outrora; mas a árvore que fora queimada gerou frutos, que pode crescer e
multiplicar, impedindo o fim das arvores no mundo [lembrem-se da parábola do grão de mostarda]. Ou seja, cuide da natureza,
aplique tecnologia a favor da humanidade, trate de tal forma o ambiente para
que não entre em desordem e que evite gerar o caos, e, com isso, o seu fim.
Ah,
antes que se esqueça, e para finalizar, como o avanço tecnológico já estará tão
elevado que deverá haver inteligência artificial em robôs, é muito importante
colocar na constituição as três leis da robótica de Isaac Asimov: 1) um robô
não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal; 2) os robôs
devem obedecer às ordens dos humanos, exceto nos casos em que tais ordens
entrem em conflito com a primeira lei; e 3) um robô deve proteger sua própria
existência, desde que não entre em conflito com as leis anteriores.
Sim,
Asimov foi um gênio visionário. Outro gênio foi o Rubem Alves, com o texto:
“Sobre computadores e o Universo”, mas isso é assunto pra outra hora. Esses
pensadores progressistas estão dando dicas para salvar a humanidade. Então, cabe
a vocês, viventes de 2061, escutá-los para não repetir erros do passado.
E
se vocês não colocarem tais ideias em prática, haverá um regressista no tempo
de vocês a dizer que os robôs não poderão causar mal porque não possuem senciência;
ou que robôs devem ser extintos porque roubam empregos. Todo cuidado é pouco.
Portanto,
internalizem o passado e olhem para o futuro. E não levem utópicos e/ou
regressistas a sério. Com isso, a humanidade não terá com o que se preocupar. A
entropia pode ser revertida? Vocês viventes de 2061 já sabem o que fazer.
Carta aos Viventes de 2061 de Júlio César Anjos está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em https://efeitoorloff.blogspot.com.
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