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Eutanásia

Por: Júlio César Anjos

Como falar da morte assistida sem parecer insensível? É um tema realmente complexo, em que qualquer utilização de expressão inadequada pode gerar interpretação errada. Mas a eutanásia tem que ser debatida. Até porque muita gente tem uma percepção errada de tal prática, por ser erroneamente compreendida, pelos cristãos, como um assassinato - no sentido de que só Deus pode tirar uma vida. E é justamente neste sentido que é preciso esclarecer para saber que a lógica não é bem essa que se apresenta.

Antes de falar da morte é preciso falar da vida.  A evolução tecnológica está a proporcionar mais avanços para a longevidade de um modo que o homem primitivo jamais conceberia. Remédios, intervenções cirúrgicas, tratamentos e acompanhamentos fazem o ser humano que pode obter acesso pela condição financeira, e com isso possa obter plena qualidade de vida, tenha condições para abreviar a morte, desde que a doença ou o infortúnio não seja irreversível [como câncer terminal ou acidente muito grave]. Esse tipo de conhecimento a serviço do homem faz com que a artificialidade atrase a morte considerada precoce. Porém, uma coisa é certa: a morte é inevitável. O que o homem faz é só tapear pelo tempo a eutanásia vinda pela natureza.

 O problema é que este mesmo avanço tecnológico de aumentar a expectativa de vida pode ser um problema para uma pessoa extremamente enferma ou que queira morrer porque chegou a hora. A partir deste momento, prolongar a vida, ao ver este desafortunado ou moribundo sofrendo pelo emocional, e não somente pela dor física, tal condição só gera a confusão entre a possibilidade de prolongar a vida com a concretização da tortura. Impedir uma eutanásia mesmo sabendo que o ente agonizado pede pra morrer, além da família também concordar com tal decisão, manter todo essa família proibida de deixar a pessoa passar para outra dimensão - seja ela o céu, o paraíso ou qualquer coisa que seja -, só faz aquele que impede tal situação inevitável da morte ser um agente indigno que promove desumanização. Ou seja, impedir a eutanásia só faz a tecnologia agir a serviço da tortura.

A morte não é um tabu. E por não ser um tabu, ela deveria ser mais bem planejada para que as pessoas tenham uma melhor qualidade de vida no momento de passagem. E, deste modo, é inevitável fazer um parâmetro entre os conceitos filosóficos dos utilitaristas que entendem que a eutanásia é aquilo que o nome dela observa: o prefixo grego “eu” igual a bom; e o radical “tan” traduzido como thanatos – a morte. Portanto, eutanásia significa o que é: boa morte.

Um dos ramos que trata a eutanásia é a bioética. Na bioética há calorosos debates sobre a questão da eutanásia, como, por exemplo, se a eutanásia tem que ser impedida porque ninguém tem o direito de tirar a vida alheia ou se o individuo tem o direito ao corpo e por isso pode fazer o suicídio assistido. Ou seja, até mesmo nesses lugares há a polarização entre os conservadores religiosos e os liberais anárquicos sobre a questão. E, pela lógica utilitarista, os dois estão errados e certos ao mesmo tempo, pois o rito de passagem tem que determinar bem-estar e a própria decisão do enfermo e seus familiares.

Muitas correntes confundem, ao bel prazer, a eutanásia como a possibilidade do individuo ser ajudado em um suicídio de forma banal, como, por exemplo, se uma pessoa estivesse triste, pedisse ajuda para morrer e perdesse a vida só porque há permissão. A eutanásia, pela perspectiva utilitarista só pode ser realizada se não causar dano a terceiros, em que até familiares e a sociedade estão inseridos no processo.

Neste sentido, há alguns relatos que hospitais do SUS, no Brasil, já fazem a eutanásia de forma arbitrária, só para desocupar o leito, quando o sujeito está vivendo só por aparelhos. Esta forma de fazer a passagem também é errada porque atropela o consentimento familiar e não gera o debate social que deve acontecer. Se a proibição da eutanásia prevalecer na decisão nacional, então que se discuta a aplicação dos custos, mas sempre deve haver um entendimento geral sobre questões sensíveis à sociedade. A arbitrariedade nesta questão é um erro.

Com a aceitação da eutanásia definida, há de pensar também em qual tipo de eutanásia a utilizar. São 5 tipos de eutanásia: 1) Ativa – injeção letal; 2) Passiva – interrupção de tratamento [a pessoa sente dor]; 3) Não Ressuscitar – o nome já diz tudo; 4) Suicídio assistido – meios para que a pessoa desfalecida possa se matar; 5) Eutanásia de duplo efeito – a mesma droga que alivia a dor pode acelerar a morte, ou provocá-la.

   Tirando a eutanásia passiva [que este sim é considerado tortura porque causa dor], as outras eutanásias devem ser aplicadas dependendo do consequencialismo de cada doença que o individuo está a indispor.

Além dos enfermos, os idosos são uma parcela social que, dependendo das condições estabelecidas, pedem eutanásia, mesmo não havendo doença terminal, seja porque o longevo foi abandonado pela família e/ou é pobre e não tem condição de se sustentar, sendo um ser humano descartado pela sociedade de forma geral. Neste caso, a sociedade tem que discutir essa condição, pois não se pode negar zelo a este grupo sensível que está inserido no país. Acondicionar uma pessoa viva, sendo que não há condição nenhuma desse ser conseguir manter-se sustentável, isso também pode ser considerado tortura, pois, este idoso morrerá da mesma forma, mas tendo o fim com requintes de crueldade. Tem que debater, não tem jeito, não dá mais para postergar isso.

E por fim, tentar defender a proibição da eutanásia somente pela perspectiva religiosa também não é uma boa opção. Até porque quando a bíblia foi desenvolvida, os povos viviam de forma primitiva, sendo que os enfermos não dispunham dos dispositivos de hoje, como estudos, máquinas e equipamentos voltados para a saúde. E na natureza, também, ninguém vê um leão ou um macaco preso e um leito e com soro preso no seu braço, para se curar de alguma doença. Assim como a vida é natural, a morte também é – e nada tem a ver somente com religião.

Portanto, a eutanásia é uma instrumentação útil para exterminar a aflição dos familiares e a atribulação ao qual o doente terminal está inserido. A tecnologia ajuda a postergar a vida, assim como pode postergar a tortura caso o enfermo sinta muita dor. O avanço tecnológico também pode de forma consentida abreviar o inevitável, gerando uma qualidade de vida ao cidadão que gozou de bem-estar enquanto passou pela Terra ao receber injeção letal. Porque a morte não é um tabu. Neste sentido, a “boa morte” pode ser uma solução como canal de boa passagem para o além. E também não se pode confundir a possibilidade de prolongar a vida com tortura. Há de se pensar, sim, em fazer ritos para que a pessoa que está chegando à morte, mas passa por momento de angústia, tenha como liberação a possibilidade de aplicar a eutanásia para dirimir a atribulação. Isso também é nobre, é um gesto humano. A eutanásia não é o que as pessoas pensam de forma preconceituosa. A eutanásia, em uma grande maioria de casos, é a solução para um belo fim: uma morte sem dor.

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