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Como as Democracias Morrem: Captura de Árbitros

Por: Júlio César Anjos

A maior regra de ouro da democracia, talvez, seja a busca pelo equilíbrio de forças, pois, a obviedade diz que a concentração de poder acaba com a soberania popular. Deste modo, a extrema-direita, embora ainda sem o legislativo, conseguiu tomar de assalto até a cadeira presidencial com o apoio de militares, da operação lava-jato, empresários em conluio com o Estado, todos estes que não mediram esforços para alçar um miliciano corrupto no topo político. Não obstante, para a direita tomar o poder de vez terá que fazer a maior e melhor jogada política que se conhece: a captura de árbitros. Deste modo, ao controlar tudo, quando forças contrárias e o povão reclamarem de hostilidades, não haverá a quem recorrer. É salutar, porém, lembrar-se da frase de efeito que este blog sempre diz: “Não dê mais poder pra quem já tem”. Enfim, a tal da “lava-toga”, é, na verdade, o fim da democracia porque a ditadura é o resultante do desiquilíbrio de forças atuantes na política bem como do enfraquecimento da oposição.

A regra é simples, se uma vertente ou um grupo estiverem em todos os campos de força, como a extrema-direita está encampando para conquistar, é óbvio que tal grupo terá a supremacia global. Estar na cadeira presidencial, ter empresários e militares alinhados, comprar a mídia para silenciá-los [talvez a mídia esteja divulgando de leve os malfeitos do Bolsonaro só pra dar ar de equilíbrio de poder – portanto, cuidado!], e capturar os árbitros ao aparelha-los, dissolver o congresso seria tão fácil quanto fazer uma simples caminhada no parque - porque todos os parlamentares seriam acossados, até mesmo de forma injusta, sem ter ninguém para defendê-los. Ao ir às ruas aos berros pedindo o fim da corrupção supostamente incutida no STF, o que é uma reivindicação popular legítima, a triste notícia, infelizmente, é que o sistema conseguiu colocar um miliciano corrupto no poder.  E o mais agravante é que, enquanto esse povo da extrema-direita preserva o Bolsonaro de criticas no seu status, uma parcela da população continua a repetir a cantilena que o STF é corrupto, fazendo aquele duplo-padrão conhecido, em que já dá para identificar que muitos extremistas já defendem corrupto de estimação. Porque a regra é clara: se o STF é corrupto, e por isso deve ser “limpado”, político que está envolvido com milícia e pratica corrupção também tem que ser escorraçado da vida pública. A lava-toga, por ora, não traz a reboque o impeachment de Jair Bolsonaro, o que é no mínimo estranho pela perspectiva moral.

Embora a esquerda tivesse no passado recente uma operação lava-jato pra chamar de sua, como no caso da fadada perseguição aos tucanos contida no livro: “Assassinato de Reputações” – do Tuma Jr., o fato é que o PT, mesmo ficando 14 anos no poder aparelhando a ponta do judiciário [STF], os socialistas nunca conseguiram obter este “alinhamento de planeta” que a direita consegue conquistar ao natural, pois, o PT nunca teve apoio de militares, nem apoio de massa popular, muito menos apoio de operadores do mercado. Isso significa que a esquerda e PT são menos nocivos que a Direita? Não. Só significa que a esquerda, por enquanto, não possui as condições para a tomada suprema do poder. Por outro lado, na Direita a pegada é diferente, já que tal vertente tem condições para obter poder total, por isso, é obvio que a Direita, no Brasil, é mais perigosa para a democracia de forma geral.

A Direita tem hoje como apoio: militares, igrejas evangélicas, grupos de pressão, empresários e mercado financeiro, milícias, uma parcela da mídia [ex: Gazeta do Povo] e uma considerável fatia de entusiastas de ideias fascistas. A direita não tem ainda: outra parte da mídia [mas para sequestrar essa parte, basta compra-la com anúncio], o judiciário [que estão querendo capturar os árbitros por causa de suposta corrupção – lava-toga], e o legislativo [que, caso os golpes avancem, será chantageado e fará tudo o que o poder quer, caso o judiciário caia por apelo popular]. Esse é o cenário atual.

Porque assim como o movimento anterior a 1964 - desembocando na ditadura militar, ao suprimir a democracia em 1968 - tal ato realizou o impedimento do povo de auferir eleição direta e conceber a escolha natural para votar, o mesmo acontece com o movimento eleitoral de 2018, criando até uma dúvida se haverá eleição democrática em 2022. As condições são semelhantes: o fundo de mais de R$ 2,5 Bilhões de Reais que a operação lava-jato quer operar é parecido com o fundo secreto do caso IPES/IBAD; movimentos de rua e sociais alinhando-se contra inimigos pontuais como comunismo e corrupção [mas preservando os aliados]; e aquela vontade visceral de querer aparelhar, o quanto antes, o judiciário, ao querer, antes de tudo, fazer a captura de árbitros.

A voracidade que a extrema-direita brasileira avança contra o judiciário, especialmente o STF, sob a justificativa de “limpar o Brasil dos corruptos” [sendo que de forma antagônica não perseguem o miliciano corrupto], dá a impressão de ser uma espécie de fusão entre Fujimori e Hugo Chávez – dois ditadores canalhas da América Latina. Fujimori porque pode ser que alguns membros do STF estejam sendo coagidos a votar a favor daquilo que a operação lava-jato deseja porque estes estão chantageando aqueles. E é Hugo Chávez porque as forças da direita atuam desde aumento de cadeiras no STF até impeachment de ministros.  E se o leitor quer recorrer a este fato a uma fonte, vale a pena ler o capítulo 4 [pg.: 76]: Subvertendo a Democracia, do livro: Como as Democracias Morrem, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt. No livro, os argumentos são parecidos aos contidos neste artigo.

A extrema-direita, na verdade, nem esconde mais a vontade que tem em dar o golpe de vez. Basta lembrar que recentemente a hashtag: umcaboeumsoldado, rememorando a fala de Eduardo Bolsonaro sobre como fechar o STF, é fator probatório para entender que o buraco é bem mais em baixo diante o pensamento dessa turminha que subiu ao poder. E o triste é ver o movimento MBL [Movimento Brasil Livre] sendo utilizado, sem parar, como um mero instrumento para o fim da democracia. Se o movimento social se dá conta disso ou não, é irrelevante, pois, por causa das suas ações concretas, o fato é que o “L” do grupo não tem nada de liberal - assemelha-se mais a Lacaio.

Deste modo, infelizmente há a necessidade de ter que manter este STF nesta condição que aí está, para equilibrar as forças ao chegar até 2022, a fim de preservar a democracia. Numa democracia sadia, um país realmente não teria este STF. Mas também nunca elegeria um miliciano corrupto. Embora a democracia brasileira seja demasiadamente falha, ao menos ela dá a condição do povo poder ir às ruas protestar contra um STF corrupto; o que na ditadura isso é impossível de realizar. É preciso, contudo, preservar os ministros para defender a instituição, sem que haja captura de árbitros por meio de golpe, que desembocará, com certeza, em um estado de exceção.

Portanto, por mais que o STF tenha de fato ministro[s] corrupto[s] em seus quadros, só por haver miliciano corrupto no poder – e com o alinhamento de planeta, com apoio desde militar até movimentos sociais -, tal cenário pede bom senso para que se mantenham as forças atuantes em equilíbrio, sem que haja desiquilíbrio, pois, não se pode dar mais poder para quem já tem. Porque se a extrema-direita raptar o judiciário, a ditadura instaura-se, não há como reverter isso no curto prazo, já que o fechamento político [até mesmo com verniz democrático] fará com que todos os atuantes políticos sejam da Direita, impingindo que não exista liberdade de imprensa, acabando a corrupção não pela limpeza, mas por causa da falta de transparência e de forças de oposição. Ou seja, sob o argumento de "fim da corrupção", a validação pode direcionar para um estado de exceção. Ou seja, é assim que as democracias morrem.


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Eu posso até concordar com o lava-toga, por mais golpista que seja, mas antes tem que chamar novas eleições. Dissolver o STF com presidente envolvido com milícia e corrupção não dá.





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