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O Time Mais Moralizado do Mundo

Por: Júlio César Anjos

Havia lá pra longe além-mar uma cidade desconhecida, de um país em que não se sabe onde, que possuía um clube moralizado. Com o lema: moralize já!, este clube orgulhava-se de ser honrado, íntegro, ilibado, que não se corrompia jamais. E, embora disputando campeonatos aos trancos e barrancos, não ganhava título algum também. Mas ao menos existia para contar história. Ou seria estória?

Como este país em que não se sabe onde é muito extravagante, os mecanismos de investigação já tinham apurado quase todos os desportos nacionais, faltando apenas um: o futebol. E eis que o dia chega. Autoridades estouram um escândalo de corrupção no futebol que envolve quase todos os participantes desta modalidade, sendo exceção apenas o presidente do clube moralizado e os seus dois jogadores bem ruinzotes.

Para resolver esse problema, todos os clubes, com exceção do moralizado, deram somente penas pecuniárias em acordo ao Estado para absolver as agremiações e os atletas; enquanto que o clube moralizado resolveu tomar decisão.

Com a moralidade na berlinda, o clube moralizado da cidade desconhecida decidiu radicalizar: contratar atletas honestos, somente honestos, não importando de onde. Sendo assim, soube que de uns tempos pra cá houve outros casos de corrupção em outros desportos [natação, boxe, vôlei, handball, e até golfe], em que alguns atletas foram inocentados porque não se achou nada contra eles. Então, o clube de futebol decidiu inovar.

Chamou a imprensa, criou espetáculo, para divulgar a montagem do novo elenco para a próxima temporada: o goleiro é o jogador de vôlei; os zagueiros são os ruinzotes que não foram corrompidos; os laterais são da natação; os meias do handball; um atacante era do boxe, e o outro do golfe. Além disso, os reservas eram apenas rapazotes honestos, torcedores do time, que nunca viram futebol na vida. Está montado o time mais moralizado do mundo!

Perguntado a um repórter se esta configuração moralista não comprometeria o desempenho do clube, o presidente em exercício disse que são atletas acostumados com disputas, portanto já estão vivenciados com o mundo do desporto. E que também só a honestidade basta. O repórter gostou da reposta, mandou imprimir a reportagem, circulou a notícia e eis que estourou festa na cidade, todos felizes, cenário triunfante, por torcerem por um time honrado. Uau!

O campeonato, pós-corrupção, começa. E como esperado, caso alguém entenda o mínimo de futebol, o time moralizado começa a virar o saco de pancada da disputa. E a explicação é óbvia: ninguém se torna ótimo profissional em qualquer área que seja só por ser honesto. E também quem é muito bom em uma área não necessariamente é boa em outra – o que também não era o caso neste clube, todos já eram ruins nas suas próprias profissões.

Neste sentido, o time de notáveis honestos virou notadamente um time horrível em qualidade técnica. Nenhum se salvava. O que fazia muita gente desconfiar que estes atletas honestos só fossem honestos porque eram ruins em suas áreas de atuação, o que pode ser que ninguém chamou para corrompê-los porque não precisava. Então, pode ficar a lição: às vezes ninguém lhe chama pra corromper não porque é honesto, mas porque é tão ruim de serviço que não serve nem pra corromper. Mas divaga-se sobre isso.

A cidade desconhecida de um país em que não se sabe onde também tem pouca demografia, além de ter outro tipo de sentimentalismo que trava a contratação de estrangeiros, o que impede de fazer renovação de quadro de atletas por causa deste engessamento. Não havendo renovação, com o clube defendendo a sua convicção de moralidade, além do que todo mundo sabe que falta de qualidade é pior que a corrupção, o inevitável aconteceu: o clube caiu da divisão principal para as divisões inferiores; e das divisões inferiores para a inexistência.

Deste modo, como as pessoas gostam de futebol porque o esporte é de gosto de natureza humana, os torcedores deste clube moralizado extinto pulverizaram em outros clubes que vencem campeonatos, mas que no passado foram até mesmo corruptos, apesar de malfeito, tais agremiações continuam a manter a roda da competitividade sem parar. Para os torcedores do extinto time moralizado era isso, ou deixar de apreciar o futebol.

Deste modo, chega à constatação: triste fim do time mais moralizado do mundo.

Alguns dizem que esta história é lenda; tantos outros dizem que isso existiu, está escondido em alguma cidade desconhecida em um país em que não se sabe onde, com toda sua história contada em artefato de museu. Vai saber.

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