Por: Júlio César Anjos
O
lugar é uma simples área de pós-guerra. Cenário distópico. Terra devastada, região desolada, em que só se
observa no entorno aumento de escombro e empilhamento de cadáver; mais nada.
Neste
instante, aparece um homem maltrapilho, com passada claudicante, desgastado
pelo infortúnio, querendo somente um pouco de abstração para fugir da realidade
sufocante.
Este
senhor, com voz embargada, ao encontrar uma sombra como conforto, senta-se numa
pedra, começa a lembrar de uma música. E, devagar, inicia o cantarolar:
Vai
tua vida
Teu
caminho é de paz e amor
O
sol ofusca os olhos do senhor que apenas quer olhar para o horizonte que nada
há. Tentando recordar algo extravagante, o senhor prossegue:
A
tua vida
É
uma linda canção de amor
Com
um pouco mais de ânimo, com reflexões furtivas, e numa transe delirante internaliza sensações, então, o senhor começa a se levantar, abrindo os braços,
e retoma o canto:
Abre
os teus braços e canta
A
última esperança
A
esperança divina
De
amar em paz
Neste
momento, um pouco mais irradiado, a felicidade começa a contagiar como uma
comoção, e por um instante, um instante somente, transporta-se em pensamento ao oásis criado por si mesmo. Então, numa reminiscência, recorda-se da sua maravilhosa
e doce senhora já falecida que era cheia de amor, carinho e luz. E continua:
Se
todos fossem
Iguais
a você
Que
maravilha viver
E girando como uma criança, dançando sozinho na região, mesmo com fome, com frio e sem abrigo, sem
encontrar nem mesmo um amigo, transcende a outro patamar, começa criar cenários
na cabeça, pelas lembranças vãs daquele lugar, remonta um quebra-cabeça paradisíaco
em sua imaginação, ao cantarolar em voz alta:
Uma
canção pelo ar
E
neste momento o senhor rememora-se de como era aquela cidade sem bombardeios,
com atividade econômica e social pujante, pessoas felizes, a vida pulsante, uma
terra vivida que cativava pela vibração de uma área sem visita militar. E
prossegue feliz:
Uma
mulher a cantar
Uma
cidade a cantar, a sorrir, a cantar, a pedir
A
beleza de amar
E
entre lembranças e devaneios, criando ainda mais beleza na região,
transpassando agora para o lírico, ao gerar um paraíso na sua cabeça, monta em
detalhes este momento único. E avança:
Como
o sol, como a flor, como a luz
Amar
sem mentir, nem sofrer
Mas
como tudo tem um fim, e como este senhor não é uma exceção neste mundo repleto
de desumanização, ele desacelera suas abstrações e começa a parar de dançar. E,
ao tartamudear as palavras, vai chegando ao término da música resignando-se:
Existiria
a verdade
Verdade
que ninguém vê
Por
fim, voltando-se ao abatimento constante, agoniza por um instante, lamenta-se e finaliza a canção:
Se
todos fossem no mundo iguais a você
Eis
que então a sua senhora e os cenários somem, toda a alegria de uma cidade
vivida, cheia de flores, com a vibração de uma região feliz desaparece dos
pensamentos deste senhor, trazendo consigo a única verdade incontestável: que a
linguagem militar nunca será a solução.
O
senhor olha para os escombros e os cadáveres. Sem poder fazer nada, dá de
ombros e volta a divagar. Mais um dia se passou. E, ao olhar para o céu, emenda:
Minha querida e doce senhora, nem todos são iguais a você.
____
A
música “se todos fossem iguais a você”, de Tom Jobim, não se trata de amor,
trata-se de lamentação.
Se Todos Fossem Iguais a Você de Júlio César Anjos está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em http://efeitoorloff.blogspot.com.
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