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Ditadura Militar – O Recolhimento à Insignificância

 Por: Júlio César Anjos

Todo mundo que se aprofunda sobre a ditadura militar acha que o fechamento do regime teve como pontapé inicial só na era de Costa e Silva, ao promulgar a constituição de 1967 e o malfadado AI-5 (Ato Institucional Cinco). Errado, a linha-dura começou mesmo já na era do Castelo Branco, no momento em que o ditador mostrou as asinhas e promulgou o decreto do “toque de recolher*” em 1966, que não tinha campainha nenhuma, pois a ditadura não dispunha de infraestrutura. Era um toque de recolher sem campainha. Porém, havia o recolhimento: seja “espontaneamente” para a casa ou coercitivamente para a delegacia.

Neste mesmo ano de 1966, a banda chamada The Lovin' Spoonful lança o sucesso Summer in the city (música logo abaixo do parágrafo). A canção trata sobre a tese de que a estação mais quente do ano tem nos seus dias [manhãs e tardes] um calor infernal, e por isso é algo ruim, mas as noites quentes são atrativas para fazer festas em geral. Ou seja, enquanto o norte-americano vibrava em poder fazer confraternização noite adentro, o brasileiro se fechava em vigília. A casa grande fazia a festa enquanto que a senzala adormecia. Fruto de um país colônia que se sujeita ao império ao natural.
The Lovin' Spoonful - Summer In The City (1966)
Rogério Chequer com cabelinho de Beatles mandando ver 
Todavia, este não é um caso isolado de contradição do regime. Enquanto que o presidente norte-americano Nixon, em 1972, até mesmo visitou a Cidade Proibida, o Brasil, em 1975, se recusava em apenas abrir conversa com a China. Ou seja, o País da Proibição não podia nem dialogar ou negociar com a Cidade Proibida. Estas incongruências só evidenciam o óbvio: o Brasil sempre foi um país fechado e atrasado. Na ditadura militar isso só se aprofundou.

Neste sentido, se no governo ianque houve uma era macarthista [entre a década de 50 e 60], em que realmente o norte-americano tinha que se preocupar com uma possível invasão de destruição cultural vindo do exterior, pelas artes, em seu país, já no Brasil via-se macarthismo em tudo. Na era Geisel, por exemplo, a delinquência dos quarteis chegou a tal ponto que os próprios militares acusavam outros companheiros de serem conspiracionistas, criando uma bagunça sem igual. Isso pode ser visto no episódio da boataria em que se distribuíam textos apócrifos nos quarteis, cartas chamadas de “Novela da Traição”, que apontava Golbery, Geisel entre outros, por não serem mais totalitários do que já eram, de serem comunistas. Tempos em que a cobra engolia o próprio rabo. O que o Elio Gaspari chamava de revolução dentro da revolução.

Deste modo, numa era em que um fardado qualquer poderia ser igual ou maior que o presidente, por causa da psicologia do sentimento de pertencimento da categoria, então qualquer tenente poderia ser a autoridade máxima da própria vila. E isso pode ser observado em um acontecimento diante a própria família deste que vos escreve. Para isso, precisa-se de licença para escrever em primeira pessoa. Segue o relato:

Abram-se aspas. O meu tio gostava de uma moça sobrinha de um tenente. Só que o meu tio era pé-rapado, não tinha posse nem nome, e o tio desta moça queria que sua sobrinha casasse com um pequeno empresário japonês. Queria que a sobrinha casasse com “alguém”. Coisas do conservadorismo. Então, esse tenente perseguiu o meu tio até chegar ao ponto de chantageá-lo, ameaçá-lo, invadir o seu patrimônio [invadiram casa da minha avó – o direito à propriedade privada foi para os ares], e até mesmo o deteriam na delegacia por motivos torpes [como estar sem documento na rua e etc]. Quando a minha família foi até às autoridades fazer reclamação sobre estes episódios, o superior deste tenente disse que isso era invenção porque não acreditava que o tal tenente, por ser honrado, faria tais coisas. Fecham-se aspas.

Voltando ao assunto, esse sentimento de pertencimento é muito perigoso mesmo. E o mais engraçado é que há situações de defesa de corporação até mesmo nos dias atuais, em que o melhor ranqueado em pesquisas presidencial, vindo de carreira militar, ao ver o documento da CIA que constata que os desaparecimentos na era Geisel eram genocídios, fez o “mito da extrema-direita” tentar defender a ditadura militar com uma comparação esdrúxula em que uma coisa nada tem a ver com a outra. O “mito da extrema-direita” também adora dizer o bordão: “que o PMDB quer roubar a carteira, enquanto que o PT quer roubar a liberdade”. Só que este sujeito esquece-se do passado, em que a ditadura militar roubou vidas porque matou para se manter no poder. E aqui vai o aviso novamente: não dê mais poder para quem já tem.

Desta forma, como já sabido, com o início da ditadura pelo toque de recolhimento, sabe-se agora que a ditadura brasileira começou caçando notívagos. Porque são justamente os notívagos que tendem a gostar de artes como músicas e festas dançantes em geral. E a teoria de que militar é rabugento tem amparo nos acontecimentos históricos, como também já fora evidenciara na literatura, como no livro do Lima Barreto, em que os militares achavam o professor de música de Policarpo, a personagem “Ricardo Coração dos Outros” como sendo um vadio só porque ganhava a vida por cantarolar. E como já dizia Raul Seixas: “a formiga só trabalha porque não sabe cantar”. A comprovação histórica disso vem do AI-5, após a música alegria-alegria estourar e parar de ser tocada, além de utilizar desta ferramenta para censurar a música “Para dizer que não falei das flores”, mostrando que o trecho “perigo na esquina”, da canção: Como os Nossos Pais, ao saber que no parágrafo anterior em que o tio deste escritor fora perseguido, era real.

Sem falar que a censura, burra por sinal, fazia o esvaziamento da criação de produção cinematográfica nacional, além de proibir produções estrangeiras, como no caso da censura do filme: “Último Tango em Paris”, por ser supostamente subversiva, subversão em que ninguém encontrou e nem entendeu o porquê da interdição desta película de entretenimento em questão até hoje. Isso é o maior exemplo de que o liberal não pode ser conservador porque o conservadorismo extingue a atividade econômica/capitalista de um setor por causa do fiscalismo radical. Outro fato curioso é que, como toda regra há exceção, como na revolução dos Bichos, uns animais são mais iguais que os outros, então, alguns oficiais de alta patente chegaram a encomendar rolo de filme para que os seus pudessem assistir o Último Tango em Paris. Em suma, manda quem pode; obedece quem tem juízo.

Portanto, a ditadura foi tão retraída que chegou ao ponto do regime recolher-se à sua insignificância. Desde o toque de recolher sem campainha até mecanismos de censura de artes mais bruscas que nos países que enfrentavam de verdade o comunismo, como a norte-americana, com a incrível lógica de que os brasileiros tinham menos diálogo com a China do que os ianques, passando pela constatação de que qualquer tenentinho poderia ser a grande autoridade da pequena vila em que morava, o fato é que a ditadura militar se apequenou porque os fardados achavam serem onipotentes, onipresentes, e oniscientes. Não eram. Porque são humanos, e humanos são falhos. São tão falhos que se juntam pelo sentimento de pertencimento até o ponto da corporação negar os fatos, mesmo que tais acontecimentos fossem hediondos, porque militar tem que proteger militar. E são tão rabugentos que não ouvem e não admitem entender a canção: vai ter festa no verão. O verde-oliva terá que aceitar festa no verão querendo ou não.


***Brasil Toque de recolher Castelo Branco:
*   No Wikipédia está errada a informação de que o toque de recolher  era somente para menores de 16 anos, pois era um decreto “universal” (porque se o indivíduo não estivesse com documento, levava cana. Se comportasse estranhamente, caia na delegacia de costumes. Se fizesse muita algazarra, a polícia poderia ser hostil). E assim como na época do PT o Wikipédia era remexido pró-PT/esquerda, hoje o Wikipédia está sendo remexido pró-militares/direita. Por isso que Wikipedia não é fonte.


Obs1: O poder e os holofotes andam juntos. Se os militares querem ascender ao poder, saibam que haverá projeção sobre suas ações, tanto as perspectivas para o bem quanto para o mal. Haverá notícias circulando em meio aos quarteis. Não quer holofote? Não se meta com política.

Obs2: Os militares são o poder moderador do Brasil. Se este “poder moderador” quer fazer fusão com o executivo, que este poder moderador saiba que no conflito de interesse, o executivo (civil) é preponderante. Ou seja, que se acabe com esse sentimento de pertencimento dos fardados que poderá gerar autoritarismo e/ou totalitarismo  num futuro não muito distante.  

Obs3: Eu tenho um conhecimento vasto sobre a ditadura. Nunca bati na extrema-direita porque esta vertente até pouco tempo tinha lepra política e porque o PT se aproveitava para bater num espantalho. Só que agora é inexorável oposição que terei que fazer à direita, até pra fazer contraponto à possível tirania em ascensão. E os indícios já mostram que a extrema-direita, assim como a extrema-esquerda, não gosta da oposição. Vão ter que gostar, pois é a democracia.
  





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