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Vereadora do PSOL: Fato Histórico x Fato Social

Por: Júlio César Anjos

Muita gente está a comparar a morte da vereadora do PSOL, Marielle Franco, do Rio de Janeiro, com pessoas comuns que morrem no dia-a-dia e até mesmo com prefeitos em momentos anteriores que foram executados de forma não convencional. Essa comparação está errada porque não atende a premissa do fato histórico, que deve ser singular, de repercussão e que tenha impacto social de maneira geral. Todo o contexto de data e local vivido naquele momento está em jogo para definir se algo é escandaloso ao ponto de virar fato histórico ou somente algo que determine um problema de fato social. Dependendo do tamanho da turbulência em dada região, estes vários outros acontecimentos determinam o tamanho do escândalo que causa comoção até mesmo de maneira total, por meio de autodefesa popular de psicologia de massa. Nada é por acaso nada é em vão.

Antes de tudo, que se defina o que é fato histórico x fato social. Segundo Osvaldo de Souza, do livro História Geral [pág., 5], fato histórico é:

“Fato histórico: nem todos os acontecimentos interessam à História. Constitui objeto de estudo apenas o fato histórico, que é singular, irreversível, de repercussão social, influindo de algum modo, nos eventos posteriores, e é estudado através de vestígios de documentos. O assassinato de John Kennedy, por exemplo, é um fato histórico. Fosse ele um simples cidadão e não um chefe de Estado, seria apenas um fato social. Todo fato histórico é social, mas nem todo fato social é histórico.”.

Primeiro, que se veja o contexto todo de forma holística, pela data, pelo local e pela razão. O momento [data] é 2018, época em que a região [local] Rio de Janeiro passa por uma intervenção federal na segurança [intervenção militar], pelo motivo [razão] de falta de controle da explosão de violência no Estado. E, diante deste cenário atual, não só as mortes não cessam na cara dos agentes de segurança do Estado, como também chega ao cumulo de haver assassinato a uma vereadora militante e fortemente atuante como oposição. Portanto, o fato histórico é definido assim: há intervenção Militar no Rio de Janeiro; mas uma vereadora de oposição morreu. O resto, é narrativa e ilustração.

Este conceito, também, quebra completamente a comparação, infundada, da morte desta vereadora do rio com a morte no caso Celso Daniel. Porque as circunstâncias que orbitavam no prefeito de Santo André eram diferentes dos dias atuais, pois os acontecimentos de data, local e razão não coadunavam para uma repercussão a nível global. É questão de sinergia [o todo é maior que a soma das partes]. Naquela época, não havia explosão de violência descontrolada como agora, embora a criminalidade fosse grande no passado, não havia intervenção Militar em Santo André, e, mesmo o PT tendo este prefeito morto, esta execução impulsionou um pouco mais o Lula para a sua vitória na eleição naquele momento [mesmo todo mundo sabendo hoje que a morte do Celso Daniel foi queima de arquivo, pelo próprio PT]. Enfim, naquela época, o CONTEXTO histórico era muito diferente aos dias atuais. Por isso que a comparação da morte da vereadora Marielle Franco com o Celso Daniel, ou qualquer outro político é burra, por causa das circunstâncias que definem este fato histórico.

Comparar a morte da opositora Marielle Franco com qualquer outra morte de uma pessoa normal também não é certo, diante aquilo que é determinado entre fato social x fato histórico, caso utilize-se somente do conceito da disciplina de história. Mas há casos, sim, em que uma pessoa comum choca ao ponto de virar fato histórico, que são os casos de barbárie [escândalo grande] ou de região sem violência que experimenta tal mal pela primeira vez [em longo período de paz]. No primeiro caso [serial killer], não há o que contestar. No segundo, cabe observação. Em uma comunidade pacífica, por exemplo, em que não há registros de assassinatos por anos, a morte de um cidadão comum choca e vira fato histórico. E isso explica de forma antagônica o Brasil, em que a morte do cidadão comum, infelizmente, não vira fato histórico, porque há milhares de mortes por ano que fazem o crime ser considerado “normal”. É a banalização do mal.

 Todavia, o que era para estar em foco, e não está, é a questão de indagações quanto às funções e utilidades dos militares de nível federal em ação no Rio de Janeiro, após não impedirem até mesmo a morte de uma opositora do atual governo presidencial. Deste ponto, desde que este assassinato não seja de caráter político, presume-se que: 1) O Exército é braço fraco; 2) a intervenção é uma farsa; 3) o crime organizado é forte. Essas premissas colocam em xeque até mesmo a essência da intervenção no Rio de Janeiro, já que se conclui, de forma concreta, que a violência tanto no Rio quanto no Brasil todo não está direcionado só em favela [o pobre não é vilão]. E isso também ensina quem quiser aprender que um simples despacho presidencial, por si só, não resolve problema de crime e violência no país. Em questão de crime no Brasil, o buraco é mais embaixo.

Quanto às narrativas por partes dos agentes políticos, cabe ressalva e explicação. Da parte da esquerda, a vereadora não morreu por ser de origem pobre e de pele negra, isso é besteira, porque se tivesse acontecido isso com o Freixo, por exemplo, a comoção seria a mesma, ou talvez maior; e da parte da direita, o PSOL não está usando do cadáver para se promover, pois, a indignação está vinda mais das pessoas de bem do país que estão vendo que o crime passou do limite e nem a intervenção consegue resolver porque o militar não é esse herói iluminado como propagam por aí. PSOL surfa, mas não consegue fazer a comoção.

A psicologia da massa, ao defender esta vereadora, faz da comoção popular objeto de autodefesa, pois, se aconteceu esse crime bárbaro contra uma vereadora de oposição, neste momento de intervenção, seja lá quem está matando ao conseguir fazer isso com facilidade e liberdade, então o povo defende-se deste mal ao escandalizar esta tirania desde já. E isso nada tem a ver com esquerda x direita, e nem com defesa da vereadora em questão, mas na vereadora como símbolo semiótico social.

E o mais aterrador é que há ainda presidenciável com grande quantidade de votação que queira para este cenário atual o tal “excludente de ilicitude” para os agentes de segurança, que, no jargão militar, significa licença para matar. É realmente de se assustar. Porque o povo submete-se à seguinte reflexão: que o exército, infelizmente, deixou passar esta insegurança, seja ela por incompetência ou porque está expurgando a oposição, mesmo com a intervenção militar em exercício. Por isso tudo, a pergunta que fica é: os agentes de segurança são heróis ou vilões? Fica a indagação no ar.

Portanto, o assassinato da Marielle Franco é um dos maiores fatos históricos dos últimos tempos no Brasil, devido ao contexto geral em que vive o país, diante do momento [local, data, e razão] em que acontece esse fato, que, com certeza, ficará marcado na memória da sociedade, sendo contada esta repercussão nos livros de História nos anos vindouros. Por isso que não cabe comparar este caso com o de outros políticos na história recente, nem também, infelizmente, equiparar a morte desta vereadora com a morte de milhares de anônimos inocentes da violência acometida no país. E, diante a grandiosidade de crimes, a psicologia da massa determina que o povo faça uma espécie de autodefesa, ao comover-se perante a morte desta vereadora, que, diante das circunstâncias, virou uma espécie de vitima do sistema.

Obs: Só uma indagação: Ao aflorar o debate sobre a morte desta vereadora, houve hipótese de que o crime poderia ter sido cometido por "policial mau". Se existe policial bom e policial mau, como confessa a extrema-direita, como então esta mesma gente defende o tal "excludente de ilicitude" [licença para matar] proposto pelo "mito"?
É óbvio que não se pode dar excludente de ilicitude justamente porque este direito excessivo poderia ser utilizado pelos policiais para outros fins.
Está claro que há um movimento extremista totalmente doente em curso no Brasil. E estes doentes estão ganhando espaço, por incrível que pareça.
Estamos vivendo tempos de incertezas.

Fica o aviso: Não dê mais poder para quem já tem.



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