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Clarice Lispector e a Literatura de Fluxo de Consciência

Por: Júlio César Anjos

Na literatura, em geral, o normal é o autor (escritor), por vezes utilizando de um narrador, inventar o imaginário da estória com a produção de três pilares de construções: Personagem; Ambiente; e Diálogo. Todavia, existe um quarto artifício, pouco utilizado, muitas vezes produzido em segundo plano na confecção da narrativa, um recurso chamado Fluxo de Consciência. E é nesse último aspecto que a Clarice Lispector soube manejar tal ferramenta literária com maestria, sendo considerada a “Virginia Woolf” brasileira.

Primeiro, que se compreenda o que significa fluxo de consciência.  Fluxo de consciência é quando o narrador ou a personagem começam a ter divagações sobre questões plurais, abstraem-se, pensam na vida, nos seus infortúnios, nas suas idiossincrasias. Geralmente este pensamento furtivo solapa o tempo, além de que, também, a personagem ou o narrador ficam presos a digressões gerais. Ou seja, filosofam sobre a vida, mas com ligações que fazem certo sentido ao enredo.

O recurso literário fluxo de consciência, quando mal utilizado, torna-se algo maçante. Por isso que o escritor que deseja ensejar por esta seara deve se atentar em saber utilizar bem as junções de palavras para que as orações fluam de forma suave, impedindo que a leitura se torne chata. Um exemplo é o livro Ulisses, de James Joyce, que, embora seja uma literatura considerada “cult”, o fluxo de consciência deste livro é cansativo, penoso, e maçante. É um trabalho muito bom, mas a dinâmica do livro não flui muito bem.

Diante disso, um livro “normal” geralmente possui a ambientação – que são as condições do tempo, clima, arquitetura, figurino, detalhes físicos, geografia e etc.; criação das personagens - psique, humor, comportamentos e estereótipos físicos; e os diálogos – a prosa não só entre personagens e narradores, mas também a comunicação entre os acontecimentos, diante o ambiente e a personagem. E em casos mais bem elaborados, as publicações, às vezes, vêm com fluxos de consciência envernizando a narrativa em questão. No caso da Clarice Lispector, o seu trabalho é composto praticamente só de fluxo de consciência. O que, por ser diferente, é uma experiência impar.

A Clarice Lispector abdica de aprofundar em detalhes as personagens, a ambientação e até mesmo os diálogos para focar somente no fluxo de consciência.  O livro, por exemplo, “A hora da Estrela”, em que a autora usa o pseudônimo Rodrigo S.M como o seu alter ego, esta criação, na verdade, faz a projeção do fluxo de consciência no narrador. Na publicação desta obra, são vários momentos de divagações para explicar os pormenores da personagem Macabéa, a figura anti-heroína da trama [Sem falar que a personagem “Olímpico de Jesus” é o Lula ‘esculpido em Carrara’. Mas isso aí é assunto para outra seara]. A Clarice Lispector é tão altiva neste recuso literário que a leitura flui positivamente bem, sendo aprazível o consumo desta obra em questão.

Já no livro de contos chamado “Laços de Família”, outro Magnum Opus da escritora, o fluxo de consciência recai mais nas personagens, em que a maioria delas são mulheres como protagonistas da trama, com os textos sendo mais voltados para o universo feminino; embora isso nada impeça que os homens não possam desfrutar dos escritos, pois, como já dito, o fluxo de consciência elaborada pela Lispector é aprazível. Um exemplo bem elucidativo pode ser visto no conto: “Amor”, em que a personagem principal Ana tem um fluxo de consciência ao ver um cego e, com isso, acaba dela “voltando à realidade” quando o bonde a faz perder o equilíbrio, gerando o problema de que as compras ficassem espalhadas no piso do veiculo de transporte. A ligação entre as orações vinculam um bom ritmo de métrica de silabas, tornando a leitura algo palatável de sorver.   

Portanto, as obras da Clarice Lispector, embora haja falta de aprimoramentos em ambientações, construção de personagens e falta de diálogos mais profundos em seus enredos, essas perdas são compensadas pela ótima produção de fluxo de consciência nas narrativas destas produções literárias. Clarice Lispector é uma escritora para o público feminino, mas homens podem usufruir da leitura porque a qualidade do escrito supera a barreira de segmento.  O fluxo de consciência realmente flui e a leitura torna-se aprazível desde o público adolescente até o mais longevo que queria somente abstrair e consumir uma produção de qualidade.

Recomendo.

  

  
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Clarice Lispector e a Literatura de Fluxo de Consciência de Júlio César Anjos está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em http://efeitoorloff.blogspot.com.br.

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