Pular para o conteúdo principal

Prenda a Sua Cabrita Que o Meu Bode Está Solto

Por: Júlio César Anjos

Havia um ditado popular proferido pelos antigos que era o seguinte: “Menstruou casou”. A ideia era simples: A moça da família iria uma hora ou outra menstruar, os hormônios iram entrar em ebulição e aflorar, e a jovem procuraria amor e sexo [o que é normal, é necessidade fisiológica como beber água e se alimentar], com tal situação podendo acometer de a moça engravidar e gerar um bebê. Só que naquela época, ter bebê sem casar [mãe solteira] era algo de mais vergonhoso que uma família poderia suportar. Então, após menstruar, a própria família já começava a “se coçar” e a se preocupar em fazer a filha casar. Infelizmente essa era a realidade do tempo antigo.

Pela dada situação da época, qual era a solução da família para que a moça, após menstruar, não cometesse tal erro social considerado repugnante pela sociedade? Ora, era manter a moça em cativeiro, ficar reclusa até casar. Só que o casamento tinha algumas disposições. O costume dos mais antigos tinham como proeminência o dote e a lei da “filha mais velha casar primeiro”. O dote -- pelo amor de Deus! --, é o costume ridículo de o pai pagar uma quantia de valor para que casem com a sua filha [se fosse pobre e feia, a moça estava lascada]. E, também, coitada das filhas mais novas, pois, se a mais velha encalhava, todas encalhavam de forma igual. Coisas do mundo antigo.

Então, com a solução (im)posta pelo casamento, a igreja se encarregava de projetar a simbologia do ato “espiritual”. Deste modo, a cerimônia passaria pelos seguintes requisitos para a noiva matrimoniar: trajar vestido branco (que significava que a moça era virgem), usar véu e grinalda (simbolizava pureza), portar buquê de flores (na verdade tinha que ser a flor rosa, que exprimia o desabrochar – sexualmente); e ritualizar a lua-de-mel (que remetia “ao finalmente”, podia transar). Toda essa engenharia social para deixar a moça poder fazer um simples ato natural - sexo. Além disso, depois de casada, a mulher não podia sair de casa exibindo o ombro e as pernas desnudadas. Isso significava promiscuidade, não era coisa de mulher direita. E, também, na viuvez, o homem podia voltar a casar, a mulher tinha que devotar. Quer visualizar a situação? A viúva e beata Perpetua da novela Tieta.

Fugindo um pouco do assunto do texto, mas que é pertinente ao conservadorismo antigo, abram-se parênteses. Só por curiosidade, em 1929, o escritor William Empson foi expulso de Cambridge por, veja só leitor, portar um preservativo. Há também o Alan Turing que, embora tenha salvado o mundo com a criação do seu computador, foi preso por ser simplesmente gay. Fecham-se parênteses.

Voltando ao tema, a partir do momento que o mundo, para as mulheres, era essa opressão patriarcal – e não adianta criticar que isso é viés de discurso da esquerda, pois, neste caso, é verdade tal informação -, então, é notório compreender o fenômeno dessa liberdade desenfreada em relação sexual de forma geral que acontece nos dias atuais.  Reprimir o sexo no passado pariu essa promiscuidade desenfreada de hoje. Mas, certamente, estes dois polos estão errados, óbvio, tanto o tal do “proíbe tudo” quanto o “libera geral”. Porém, há indícios de que o costume do brasileiro seja direcionado para um maior estreitamento cultural daqui pra frente. Novas Perpétuas irão se multiplicar? É certo que já há muito fiscalismo conservador em voga no país.

Diante disso, voltando aos tempos perversos para as mulheres, como fazer com que o costume de encarcerar as moças em período de idade de tenra flor fosse algo legal (direito)? Ora, pelo Estado. Como sabido, leis e salsichas é melhor não saber como são feitas, o governo aprovou numa época longeva, a “sedução” como crime no código penal. Segue o artigo da lei: “Art. 217 - Seduzir mulher virgem, menor de dezoito anos e maior de quatorze, e ter com ela conjunção carnal, aproveitando-se de sua inexperiência ou justificável confiança: Pena - reclusão, de dois a quatro anos“.  Não bastasse isso, o mais assustador: essa lei só foi revogada em 2005 (!), pelo ex-presidente Lula (pra ver o atraso que é esse país). Agora, imagine como seria uma conversa familiar, nesta época, quando a moça estava na ebulição sexual, e o pai antes da lei, dizendo: “-- Filha, não faça fornicação porque Deus não quer”. Depois da lei: “--Filha, não faz fornicação porque Deus não quer e também porque arranja problema para o papai”. Sem falar que, após essa ação penal sancionada, homens bons respeitavam leis e não flertavam com as moças para evitar também confusão. Conclusão: mulheres enclausuradas em suas casas, pois não podiam fazer algo que naquela época era repugnante, e que hoje é natural: o simples ato fisiológico chamado sexo.

Sabe a expressão: “prenda a sua cabrita que o meu bode tá solto” (?). Pois então, Esse pensamento machista vem desta turminha aí das antigas, muito preocupada com crime de “sedução”. E é bem próximo do tal: “menstruou casou” também.  Porque se a mulher não fosse virgem naquela época, perdia o direito desta lei [poderia ser "seduzida" à vontade por outros marmanjos] porque era mal falada na sociedade. Além, é claro, de não poder casar de branco na igreja. Fico a imaginar a falta de respeito que a mulher tinha na rua por não ser mais virgem e, por isso, poder ser "seduzida" (mexerem com ela sem pudor). 

Portanto, fica estabelecido o seguinte: A moça, na tenra flor da idade, com os hormônios à flor da pele, com a cronologia biológica pronta [já menstrua], e com os instintos aflorados porque a natureza impõe para que se gere prole, diante de tudo isso, a mulher tinha que renegar as suas necessidades fisiológicas porque o estado e a religião não queria arredar o pé sob um costume cultural de um patriarcado perverso com as mulheres. E é bom lembrar também que camisinha existe desde 1929, época em que William Empson foi expulso de Cambridge por portar a camisa de vênus consigo. E há quem queira que essa engenharia social volte ainda. É realmente de se assustar.

__________________________
Aproveitando o gancho, sobre a polêmica envolvendo o Caetano Veloso. Segue o dilema:

1º Dilema: Veloso é "pedófilo" de fato. Mas está casado com a Paula Lavigne até agora, respeita a esposa como poucos homens fazem hoje em dia, teve sucesso na carreira [com a ajuda dela], e tem hoje uma vida confortável, em que poderá legar herança para a menina que [não foi] violentada na infância, mesmo todo mundo sabendo que o sexo foi consensual, graças ao amor que mantiveram vivo em seus corações.

2º Dilema: Suponha que houve possibilidade de voltar no tempo e que no momento que o Caetano faz sexo com Paula Lavigne, a justiça fica sabendo e condena à prisão o Veloso por ser pedófilo. A primeira coisa que aconteceria, de fato, é que a justiça separaria duas pessoas que se amam. Depois, a vida dos dois seria arrasada [ele porque foi fichado e agora é criminoso repugnante e ela por ser promíscua diante dos olhos da sociedade]. Os dois não gerariam patrimônio. Os dois não lutariam por causas de libertações individuais e não trariam criações e evoluções no ramo do entretenimento. Talvez, o Brasil seria diferente, pois perderia um dos apoiadores de causa de direitos individuais, fazendo com que o Brasil, hoje, fosse mais atrasado do que já é.  

Reflexão: O linchamento virtual é justificável, sendo que poderá destruir a vida dos dois, só porque a Lavigne tornou público algo que é de foro íntimo e natureza personalíssima? É justo dar o mesmo peso ao ato de Veloso com mesma intensidade a de um pedófilo de verdade que abusa e é estuprador?

   


Licença Creative Commons
Prenda a Sua Cabrita Que o Meu Bode Está Solto de Júlio César Anjos está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em http://efeitoorloff.blogspot.com.br.


Comentários