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Hanói-Hanói: A Melhor Banda de Rock Brasileira do Punk Tardio

Por: Júlio César Anjos

É realmente decepcionante ver uma banda do quilate do Ultraje a Rigor fazer abertura de talk show, no estilo sexteto do Jô, para o programa do Danilo Gentli. Mais triste ainda é ver que Hanói-Hanói, a melhor banda brasileira do punk tardio, no final dos anos 80, foi totalmente esquecida pelo desprezo do mainstream musical do rock nacional por causa do seu ativismo anarquista e a sua postura estilo “abaixo o sistema”. A banda tem a sua qualidade e esperava-se que ela tivesse sucesso maior e melhor do que a música “principal”, a mais conhecida, chamada “Totalmente Demais”. Como já ironizava os Raimundos: “Pois se eu ganhar ‘din din’ / cê vai gostar de mim / Se eu tocar no seu ‘radin’”. Hanói-Hanói não era banda de rádio, portanto só durou uma década (1985-1995).  

Pois bem, essa banda era anarquista, portanto, naquela época de travessia de ditadura para “democracia”, era um grupo com viés comunista. Essa banda é o empirismo de que nem todo “comunista” se deu bem com a redemocratização, mesmo tendo talento, pois o mainstream tende a sempre fornecer ao meio àquilo que é chamado de popular, o que é mais tragável a todos, o que é mais “água com açúcar”. Ou seja, é compreensível a banda ser “comunista” em 1985! Hoje, por exemplo, os anarquistas estão mais voltados ao anarcocapitalismo, que é totalmente antagônico ao socialismo. O que remonta a uma lei: O anarquismo de uma era é determinado de forma inversa ao sistema em vigor – seja ela qual for.  Enfim, a ditadura militar da direita pariu vários comunistas; assim como o regime socialista de hoje está parindo os liberais. Nada de diferente do habitual.

Agora, pra você que não conhecia a banda, saiba que há várias faixas músicas que são pérolas valiosíssimas, os quais criticam tudo de forma ácida, com capacidade intelectual elevada e um ritmo que se denota apraz [pelo menos para mim]. As melhores músicas são (não necessariamente nessa ordem): Fausto; Plic-Plic; O Saber; O Sofisma; Jovem; e Utopia. Fanzine e “Totalmente Demais” são modinhas.

Jovem: Sabe a tese do filósofo Pondé sobre a “civilização dos mimados”? Pois então, essa música mostra essa civilização sobre os moldes de outra arqueologia/antropologia, diga-se assim. “Jovem / Você ta muito avançado / Seus amigos desconfiam / Que você é viado [...]Jovem / Você também votou errado / Porque não viu que o futuro às vezes / Repete o passado”. Essa música foi gravada em 1990, após o povo eleger o Collor.

Sofisma: A música que retratava sobre as diretas já, que de direta não tem nada, pois, no final, a elite continua no poder não importa o que aconteça. Lembrando que o sofisma é uma lógica que condiciona a uma falsa verdade, então é crível entender que as Diretas já não dariam poder ao povo coisa nenhuma. “Voto de maçon, voto de banqueiro / Voto evangelista, voto de empreiteiro / Voto despedido, voto nomeado / Vota todo mundo que vai pagar o pato / Quem é o presidente, quem é o delegado? / Me diga qual dos dois é o mais abandonado? / Quem tem que dar certo, quem vai dar errado / Quem vota num país rico e esfomeado? / Quem quer votar? / Diretas já”.

O Saber: Está faixa musical faz critica basicamente ao “sistema”. Atira para todo lado, seja igreja, política, mídia, governo e etc. “Eu sei que o vício da moda é o excesso de informação / Enquanto o caos organiza a natureza, ecologia vira religião / Será que está no futuro o sentido da contradição / Que quer resolver o mundo na base de talento e paixão”.  

Fausto: A música é o inferno de Dante adaptado à realidade brasileira. Essa música é o “melô” do Alberto Yousseff [doleiro de mensalão, petrolão, de traficantes, e tudo mais]. Quem leu Assassinato de Reputações II, um crime de Estado sabe o que a Meire Poza confessou.  Segue trecho: “Abriu falência fraudulenta / Faz contrabando e estelionato / Com seu whisky paraguaio / Só come pra cuspir no prato  / Informante de polícia / Candidato a deputado / Sua ficha foi notícia / Era bem pago pelo Estado / É assim com os homê... Civil e Federal / É assim com os homê... Seu passe é do diabo”.
  
Plic-Plic: Essa música a banda descreve a vida penosa do brasileiro em geral.  Como é desgraçada a vida do brasileiro médio (ontem, hoje e, talvez, sempre, se nada mudar drasticamente). A banda critica a falta de educação (sabedoria) como ferramenta para tornar o povo escravo de tudo. “A comida custa caro / Desemprego é normal / Na escola não tem vaga / Não tem hospital / Você culpa todo mundo / Mas não sabe fazer nada / A preguiça te perturba / Como uma piada [...] Se tivesse educação / Tua vida tava a mil / Tua fome tinha nome / Tua guerra era civil”.

Utopia: Como o nome já diz, uma crença difícil de concretizar.  “Os rejeitados vão ter outra chance / Os impotentes vão sentir tesão / Até loucura vai fazer sentido / Quando alguém for feliz / Porque é!”.

Fanzine: A música trata sobre os entusiastas fãs de magazines e critica a “geração xerox” de RPG dos anos 80. Além, é claro, de criticar o fato de que papel aceita tudo, por isso que desde a ditadura até gurus utilizam deste instrumento para fazer reforço mental.  “No país da Xuxa os vampiros usam fio dental / A ditadura justifica o bem, praticando o mal / Um dia as palavras não vão mais deslizar pela boca / A utopia vai ser a loucura de um guru-porra-lôca”  (“O mínimo que você precisa saber?”).

E, por fim, a música mais pop deles é a que critica a mulher “bonitinha mas ordinária”, aquela que fica com homens ricos por interesse. “Sabe sempre quem tem / Faz avião, só se dá bem / Se pensa que tem problema / Não tem problema / Faz sexo bem”.  

Portanto, Hanói-Hanói é uma banda Antifas (Antifascista) que tinham qualidade musical, mas não tiveram sucesso, pois o mainstream não aceita extremista em geral [tanto da direita quanto da esquerda].


Mais: Sabe a música: "O Tempo não Pára" do Cazuza? Pois então, essa música na verdade foi composta pelo Arnaldo Brandão, letrista da banda Hanói-Hanói. E Rádio Blá do Lobão? Também composta pelo Brandão em parceriaArnaldo Brandão foi uma espécie de Belchior do rock Punk brasileiro.

Se o extremista não compreende porque não decola, achando que isso é perseguição, terá que aceitar que os antifas Hanói-Hanói foram perseguidos nesta nova redemocratização, pois, embora talentosos, não decolaram, já que  as portas foram fechadas para eles.

Quem vingou nesta época foram os Titãs, bandinha meia-boca água com açúcar, perfeita para o mainstream fornecer para o povão.     

Nada é por acaso nada é em vão.

Hanói-Hanói, a melhor banda de Rock brasileira do punk tardio.

Hanói-Hanói - Sofisma


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Hanói-Hanói: A Melhor Banda de Rock Brasileira do Punk Tardio de Júlio César Anjos está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em http://efeitoorloff.blogspot.com.br.

    

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