Por: Júlio César Anjos
Choque
de civilizações é uma teoria criada pelo cientista politico Samuel Huntington
que atentou sob o aspecto de que, após a guerra fria, as divergências
civilizacionais seriam o comburente de desunião entre povos - contra a
globalização! -, por causa das diferenças entre culturas, seja ela pelo prisma
de religião, costume, tradição, ideologia e etc. Embora seja uma obra que
evidencia impossibilidade de união por antagonismos, o pensador não chegou ao
ponto de prever uma “guerra cultural”, como a possibilidade disto acontecer nos
dias atuais. Porque o choque de civilizações é até algo natural, já houve tais
casos na antiguidade; mas guerra cultural é algo artificial, inoculado, por isso
é bom explanar mais sobre tal assunto em questão.
A
guerra fria cessou e o que se evidenciou foi o fato de que o capitalismo,
embora cheio de falhas, é um sistema econômico superior ao socialismo, pois é uma
matriz econômica menos nociva e mais abrangente por ser utilitária – porque funciona
de fato. Após a vitória empírica nesta batalha de tensão, a ideia era que os
países começassem a aderir aspectos mais liberais economicamente, com posturas
de derrubada de fronteiras e de queda da cortina de ferro de limítrofes
nacionalistas, o que se acreditava que a globalização viria triunfante e,
dominante, seria o maestro da evolução mundial. Hoje, por inoculação, o “globalismo”
esbarra em um exacerbado nacionalismo religioso, em que a animosidade de
diferenças está em voga nos dias atuais, após Bush endossar o terrorismo como
bandeira ideológica como parâmetro a seguir, objetivo a alcançar. Há retrocesso
em vigor.
A
utilização da expressão “terrorismo” usada de forma exacerbada serviu para
confundir a real essência do choque de civilizações, que existe desde que
mundo é mundo, a sobrepor a um novo conceito artificial chamado “guerra
cultural”. Pois bem, a guerra cultural é dividida em duas vertentes: a primeira
é a questão conceitual de doutrinação, em que se ataca o ensinamento
tradicional pela subversão; a segunda é a declaração de guerra de fato, com países
se atacando por causa das claras diferenciações e a impossibilidade de
convivência pacífica em um mesmo lugar. No campo de doutrina, a luta é
benéfica, senão sadia, pois amplia a gama de aprendizado e faz com que, pelo
molde da evolução, alguns aspectos culturais estrangeiros sejam mimetizados e
até mesmo implantados porque funcionam de fato; ao passo que as ideias não
ideais sejam refutadas, pois não são bons para o bem estar social de dada
comunidade, de tal região. Já a guerra
cultural é apelação.
Por
isso que o choque de civilizações não é sinônimo de guerra cultural. Porém, o
uso indiscriminado da guerra cultural, atentada pela falta de respeito entre
diferenças, pode inocular desavenças, chegando ao ponto de parir até mesmo uma
guerra civilizacional. E que não se confunda também dominação geográfica com
dominação cultural, pois são duas coisas distintas. Um exemplo disso é o império
romano, em que dominou o mundo, mas não conseguiu impor nem mesmo a mitologia
romana (copiada da grega) como “religião”, nos povos dominados pelo império. Se
for buscar na história, Cesar até “casou” com Cleópatra, mas o Egito não aderiu
à mitologia de Roma, assim como Roma não aderiu o antropomorfismo egípcio como
religião. Essa evidência está devidamente publicada na música “Al Capone”, de Raul
Seixas, nos seguintes refrãos: “Ei! Júlio Cesar / Vê se não vai ao senado / Já
sabem do teu plano / Para controlar o Estado”. Cesar morreu por causa de
intriga palaciana e não por “guerra civilizacional”. O máximo, no império
romano, de guerra civilizacional se deu na dispersão dos judeus, pois os hebreus
queriam tomar território, manter tradição cultural dado pelo purismo étnico
(sangue), além de fazer exércitos para defender: “o povo escolhido da terra
prometida”. Aí o império romano mandou os judeus circularem, fazendo a diáspora
judaica.
Neste
sentido, entretanto, houve, sim, guerras civilizacionais ao longo da história.
A mais notória são as cruzadas, na idade média. O fato curioso deste conflito
em específico se dá na observação que Thomas Hobbes fez no estudo do seu livro chamado:
“O Leviatã”, escrito muito bem explicativo ao conceito de Estado maquiavélico,
monstruoso o bastante até para manipular o povo de maneira geral. Hobbes
sentenciou que os Castelos eram criados por um propósito, porém o uso era
explicado à população por outro motivo. Os reis faziam os castelos com fortes
em que na teoria diziam para o povo que era para defendê-los de ameaças
estrangeiras, mas o fato era que tais lugares eram criados para gerar
arcabouços a fim de escravizar as pessoas para que elas fizessem o que os reis
queriam. Sob o jugo de terrorismo psicológico, os reis faziam guerras entre as colônias
[e até entre civilizações (vide as cruzadas)] para obterem o poder por serem
reis déspotas e não pela coerção da tirania, fazia com que a população inoculasse
a própria escravidão por causa de ameaças externas. Sob ameaça de agressão,
aumentavam o poder de estado; sob a ameaça cultural, eram ungidos por deus cristão
para salvaguardar os valores ocidentais.
Então,
analisando os dias atuais, com esses choques civilizacionais, sendo comparado
às guerras culturais, o que se vê hoje é o neologismo “neohobbeliano”, é o novo
Hobbes em curso, em que as “cercas embandeiradas que separam quintais” criam o
medo do forasteiro, do estrangeiro, do diferente, e, com essa premissa
conceitual, absorve, seja por um nacionalismo extremado, ou uma religião
exacerbada, uma bandeira de defesa e de luta do povo contra um inimigo além-fronteiras.
Isso gera o tal malfadado isolacionismo.
Essa tática foi usada pelo Bush, na época do ataque de 11 de setembro,
exacerbando patriotismo, que só foi quebrado com a crise de 2008; ao passo que
o Trump faz exatamente a mesma coisa, ao fechar fronteiras para “terroristas”,
inoculando raiva e animosidade contra o exterior. Ou seja, “neohobbelianismo”.
Esse
novo leviatã dá tão certo que o haver ataque dos “terroristas” islâmicos no
ocidente, ao invés da culpabilidade ir para o extremismo religioso, ou à ignorância do nacionalismo radical, a responsabilidade vai para o pseudo
afrouxamento cultural, colocando na conta dos multiculturalistas essa despesa social, que até mesmo
são pacíficos e possuem livre trânsito com quaisquer diferenciações. Ou seja, o
“islâmico da sharia” solta uma bomba no ocidente, mata muita gente, gera uma “vitória”
de batalha para o os países fechados do oriente, ao passo que o ocidente também
se fecha, e fica mais sedicioso ainda contra o oriente, fazendo com que
fundamentalistas religiosos e nacionalistas estridentes ganhem margem no campo
político, por defenderem cultura e soberania nacional. Portanto, o extremista
da direita do oriente joga uma bomba no ocidente, e quem ganha força política é
a extrema direita do ocidente, esvaziando as esquerdas, sendo que notoriamente
os conflitos são por causa de religião e nacionalidade, além do modo de viver
em geral. Simplesmente surreal. Hobbes funciona mesmo!
Portanto,
o normal e natural choque de civilizações não é sinônimo de guerra cultural. O
reger vivencial divergente pode ser suportado de forma comunitária, sem
conflitos, pela garantia da respeitabilidade entre as diferenças. A partir do
momento que se inocula o ambiente sedicioso, a afabilidade fica em escanteio e
o rancor, o ódio, a desagregação se apoderam da racionalidade e a torpeza da cólera
ganha alçada de sustentação. O choque de civilizações sempre existirá por ser
inerente no mundo. Mas a guerra cultural, que poderá gerar até mesmo guerra
civilizacional, é opcional. Basta o ocidente escolher o que quer para (com)viver
em paz. Por ora, há o tal “caos controlado”, as nações fazem essas
animosidades artificiais, ao mesmo tempo fazem controle de danos, mas caos
sempre é algo que sai do controle, e brincar com fogo não é uma boa opção. Querem
fazer o ocidente grande de novo? Basta não se apequenarem ao malgrado do segregacionismo,
do isolacionismo que não leva a lugar nenhum.
Obs: Para ficar mais ilustrativo o entendimento de que choque de civilizações é
até mesmo antagônico ao conceito de guerra cultural, basta ver o reger
vivencial dos Amish. Se Amish não aceita
o que o estado o impõe, então é mero choque civilizacional (porque transpassa
aspecto cultural); Mas o Estado força o Amish a aceitar o que o impõe pela
doutrinação, aí é guerra cultural. O Amish vai pra luta porque não querem mudar
o seu jeito de viver, além do pedantismo do estado em forçar a mudança, aí é
guerra civilizacional.

Choque de Civilizações não é sinônimo de Guerra Cultural de Júlio César Anjos está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em http://efeitoorloff.blogspot.com.br.
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