Por: Júlio César Anjos
Só
há duas formas de estabelecer uma lei: 1) A Norma faz a Regra; 2) A Regra faz a
Norma. No primeiro caso, aquilo que já está normatizado na sociedade só é
formalizado, tornando-se legal. Já na segunda questão, a burocracia legisla
algo para modificar a normatividade de tal sociedade, forçando, pelo aspecto
legal, a sua mudança comportamental. Dito isto, em países democráticos
liberais, geralmente a norma se materializa em regra, com o inverso sendo
exceção, pois a lei imposta tem que “pegar”, por isso que no Brasil algumas
pessoas indagam se tal lei impositiva “vai pegar”, pois está querendo regrar
algo que não é normativo ao país como um todo. E é nesse último caso que as
ditaduras fazem o que é chamado de três camadas de censura, que é um mal
terrível para a sociedade conduzir.
Antes de tudo, abram-se parênteses. Com
a observância das duas alternativas de se estabelecer uma lei, seguem exemplos.
O da norma que faz regra: O Home Office que foi aprovado no congresso para que
as pessoas possam trabalhar em casa. Tal situação já estava empregada no meio social,
os trabalhadores já labutam em casa, ou seja, a lei só regrou o que a norma já
se estabelecia na sociedade. Agora, o da regra que faz norma: O Proibido
Estacionar nas cidades. As pessoas estacionam em um local que por alguma razão
afeta algum terceiro, então se faz legislação a respeito para normatizar aos
cidadãos a não estacionarem mais naquele lugar, até que, embora por imposição
coercitiva de multa, o espaço fica vago, mas por causa da educação de cidadão estar regrado e não
estacionar naquele lugar. Mas, afinal, o que tem a ver essa lição sobre criação
de leis com censura? Tem tudo a ver, pois a censura não satisfaz nenhuma das
duas questões, pois tanto a regra quanto a norma são oriundas da “mente
iluminada” do ditador. A censura é aberração. Fecham-se parênteses.
Então,
para avaliação de estudo, descartam-se as observações inseridas por meios
democráticos, em que o texto só focará na confecção de leis elaboradas em
ditaduras. Pelo critério de empirismo, que se estabeleça a observação nos
problemas ocorridos nas censuras criadas na ditadura militar. Desde o AI-1 até
o AI-17, muita coisa se perdeu no Brasil, seja a liberdade do dia-a-dia seja a
capacidade de criatividade que se esvai diante o impedimento de fazer aquilo
que está fora do radar da coerção, com o agravante de imobilizar um povo pela
impossibilidade de evoluir. Lembrando que os Atos Institucionais não são muito
diferentes, por exemplo, dos “plenos poderes" de Maduro, tais situações sempre
despertam ira e reação da população contra a tirania, portanto, assim como no Brasil dos milicos quanto na Venezuela bolivariana, a ditadura cria movimento de guerrilha. Primeiro, como movimento de indignação, o povo luta pela libertação; depois, ao perder a guerra, fica bovino diante de
uma protoditadura violenta. Lembrando que: ”A Mãe Ditadura sempre gera duas
filhas insaciáveis: a Censura e a Tortura. Alimentam-se da fraqueza do povão”. Descartando a tortura, pois não é o objetivo do
estudo, o foco deslumbra a censura, que possui três camadas, a saber: A censura
por lei; A Censura nos meios (mídia, e publicações de livros e periódicos); e a
Autocensura.
A
censura imposta por lei tem a característica de exibir aspecto legal diante atos
que são ilegais por não serem democráticos. A censura tem, portanto, um ar legítimo,
de ter legitimidade. Sem a censura criada por lei, o povo de antemão reagiria
contra as ações do ditador na largada, na saída. Portanto, a censura como forma
de lei amortece o povo, pois, em primeiro momento, é só um escrito no papel e o
papel aceita tudo: “e se é legal, é bom”. Com essa ferramenta à disposição, o
antidemocrático poderá fazer a norma virar regra e a regra virar norma, diante
de uma forma legislativa que satisfaça o ditador. Porque o iluminado sabe o que
o povo quer, então o fim justifica o meio. Esse aspecto legal traz o arcabouço para
que venham padronizações ao país, para a nação se comportar como gado, a
obedecer de forma servil o autoritário em questão. Com essa ferramenta em "mãos", a censura por lei
faz o “cala a boca” da mídia.
A
censura “dos meios” se dá por uma via de mão dupla. Quem trabalha no meio, seja
editorial ou de comunicação em geral, e colaborar com censura prévia, tal
pessoa ou grupo será beneficiada não só por manter-se “livre”, ficar em paz,
como também obtém ganhos em cima desta “contribuição ao país”. Quem for
desobediente, a lei constituída se encarrega de fazer-se valer. Como diz o
ditado: “Para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei”. Neste sentido, na época da ditadura militar, os
veículos de comunicações e as editoras que fizessem filtros, a censura prévia,
ganhavam ajuda do próprio estado, diante os patrocínios estatais. Por exemplo:
o jornal que fizesse a censura prévia, em que perderia, de certo modo, uma
maior abrangência de venda de exemplares no varejo, conseguiria reverter o problema financeiro, desde que entrasse no jogo do poder. Neste sentido, embora os detentores dos meios arcassem com
essas perdas, o lucro das publicidades era muito vantajoso, que valia a pena
entrar no jogo da ditadura. Como os militares faziam o desenvolvimentismo na economia, as
empresas que se beneficiavam com o estado faziam a baldeação de recursos para
os veículos de comunicação, por meio de publicidade e propaganda, com pagamentos provenientes das empresas
beneficiadas pelo desenvolvimentismo. Caso não cooperasse, a TV, o jornal, e/ou
a editora perderiam a concessão e tudo seria pior, o sistema iria contra o empresário proprietário dos meios. Portanto, essa é a segunda
camada.
A
autocensura é a terceira camada; e é a pior de todas. Essa acaba de fato com o
país, pois destrói de fato o campo de liberdade do povo. Sem liberdade, o homem
não consegue se aprimorar. Além, é claro de ficar entristecido e resignado por
não poder fazer “fato novo”. Sem
conseguir se desenvolver, não consegue também ter criatividade; e sem liberdade
nem criatividade, acabou desde a alegria de viver até a capacidade de fazer
gerar riqueza. É por isso que nesta terceira camada que os militares afrouxaram
a repressão, fingindo pane no sistema, para não engessar o povo pela servidão
da imposição legal, com apoio dos meios ao aderirem este sistema nefasto de
poder. É neste sentido que o Olavo de Carvalho, de forma equivocada, afirma que
não houve censura no Brasil porque o censor [que ficava esperando o que seria
publicado no jornal, revista e afins] normalmente não fazia mudanças drásticas
naquilo que iria ser publicado. E nem precisava, pois já havia censura em forma
de lei e censura prévia nos meios, além do indivíduo (o jornalista ou
cartunista e etc.) incutir autocensura para não sofrer represálias, como perder
emprego no meio ou ser acossado por governo tirânico. Diante disso, para criar
um pouco de liberdade de expressão, o governo, observando de lupa, deixava a pequena
circulação do Zine Pasquim, por exemplo, com certa autonomia, além de deixar nas mãos o
cinema para a esquerda poder fazer aberturas criativas com o que tinha e o que
dava pra fazer.
Portanto,
essas são as três camadas de censura: Censura em lei; Censura prévia nos meios;
e Autocensura. Porque, como canta a banda Hanói-Hanói, na música Fanzine: “A
ditadura justifica o bem, praticando o mal / Um dia as palavras não vão mais
deslizar pela boca / A utopia vai ser a loucura de um guru-porra-lôca” (Para
quem defende ditadura). Sempre lembrando
que a ditadura é a concentração dos três poderes de Montesquieu na figura de
uma só pessoa: o ditador. Portanto, na época militar, os cinco presidentes eram
protoditadores (Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo). Por
fim, na democracia há o estabelecimento de regra/norma e norma/regra. Já na
ditadura, há a regra/repressão/norma e norma/ repressão/ regra ao criar leis. Censura nunca mais!
Obs: Por ora, não falarei nada sobre tortura. Mas os militares estão defendidos pelo acordo de anistia (internacional). Vou esperar mais asneiras aos que defendem a ditadura militar pelo tal: não houve tortura".

As Três Camadas de Censura de Júlio César Anjos está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em http://efeitoorloff.blogspot.com.br.
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