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1964 – O Ano que Nunca Acabou

Por: Júlio César Anjos

A convenção lógica destaca normatividade que nas narrativas históricas em muitos casos o vencedor é quem faz o roteiro da crônica; só em casos de exceção que acontece o contrário – o derrotado cria o conto -, porque o vitorioso possui a dominação em áreas do conhecimento e dissemina o relato que melhor o convir, embora essa contextualização final tenha que estar cimentada diante alguns paradigmas de fatos. Os exemplos são crassos: Na guerra Fria os EUA são os bonzinhos e os sovietes são os vilões; na segunda guerra mundial a Inglaterra é heroica e os alemães (nazistas) são os malvados; e por aí vai. No aspecto de exceção, a guerra do Vietnã é um bom exemplo de subversão do conto histórico, pois os EUA estavam a capitular o Vietnã do Norte completamente e, por pressão do próprio povo norte-americano (além de decisões partidárias e de eleitorado), os ianques tiveram que sair do combate de forma apressada por deserção, mesmo os vietcongues sem força para contraofensiva, os americanos foram considerados “derrotados” porque abandonaram o conflito antes da hora. Enfim, toda essa explicação é mera introdução para dizer ao leitor que 1964 foi o ano que não acabou, pois os dois lados da seara política trouxeram/trazem versões diferentes sobre o ocorrido em dada época, diante a ofensiva dos militares ao poder e todo o seu desdobramento histórico que se desenvolveu em curso nacional. Essa quebra de paradigma foi, de certa forma, traumática.

Ao tentar compreender 1964, o assistente tem que observar esse acontecimento histórico tanto pela luneta quanto pela lupa. Pela luneta, no aspecto macro, em que se deve enxergar todo o aspecto geopolítico mundial, diante uma guerra fria em voga, pela conclusão de que o país teria que escolher um lado do conflito; Pela lupa, por questão de micro, o fato é que o povo é soberano para decidir o que melhor queira como futuro, mesmo que a escolha seja a destruição, em que não é natural nem saudável, muito menos plausível, que a escolha da ruptura seja feita pela bota, em que cassar o poder do voto popular não foi algo benéfico como um todo, pois as pessoas devem decidir o seu futuro; e não um iluminado de exército seja alguém que traga solução instantânea como o golpe militar e supressão de direitos individuais para salvar o brasileiro de qualquer questão que não seja beligerante. No aspecto global, a história fez valer a vitória de que os militares, de certo modo, fizeram a coisa certa, diante o colapso e o fracasso do lado comunista da cortina de ferro. Já no aspecto local, cassar o direito do povo de votar, em que a sociedade não tinha o direito de escolher o próprio futuro, foi golpe ditatorial sim e não tem como negar isso.

Todavia, o mais curioso é que o ano de 1964 mostra, de forma empírica, que Maquiavel funciona: O fim justifica o meio, sim! Os militares fizeram o que achavam o que era certo (por coerção), contra aquilo que é considerado popular (aquilo que o povo quer), pois tinha na cabeça a convicção de que estavam certos e que a régua histórica iria salvaguardar tal ação empregada pelos homens da bota diante ações em benefício da pátria, no longo prazo, por isso fizeram o que fizeram. Se os militares não tivessem essa convicção, vacilariam e não fariam a ruptura que estabeleceu a era ditatorial. Simples assim. Porque, veja bem, qual é a linha de defesa da direita diante a decisão dos militares em golpear a democracia? Justamente o maquiavelismo de que os militares estavam certos em estarem no lado capitalista da cortina de ferro da guerra fria. Mas, observe a doideira: a menos que o direitista tivesse o Delorean (carro do filme De Volta para o Futuro) na garagem, como saberiam que naquela época -1964! – que aquilo era o certo a fazer? Naquele momento, pela práxis geral, o que se sabia era que os EUA era potencia mundial; mas a União Soviética também era potência, já que 3 anos antes (1961) o Iuri Gagarin tinha viajado ao espaço e visto que a terra era azul. Não tinha como saber que décadas depois o sovietismo fracassaria do jeito que fracassou. Portanto, Maquiavel funciona sim.

Diante disso, há algumas evidências sobre o porquê dos militares terem agido deste modo. O primeiro motivo é a questão do investimento soviético de subversão ideológica, em que tal levante bate de frente no aspecto de “soberania nacional”. A segunda razão é a questão de aliar-se ao país com maior similaridade em questão cultural, além da proximidade em quesito geográfico, ou seja, os EUA eram mais “irmãos” que os russos. A terceira lógica é questão de inteligência. E é o terceiro ponto o mais importante, pois é o que realmente importa. Como se sabe, naquela época não havia a informação na palma da mão, como hoje na era da internet, tudo era muito moroso e as informações podiam ser até mesmo conflitantes, senão falsas. O Brasil sempre foi um país amigável a todos, tendo livre trânsito internacional.  Então, é crível saber que a aeronáutica brasileira tinha permissões para até mesmo sobrevoar e pousar em vários países do globo. Neste caso, é palatável crer que a aeronáutica, vendo que a união soviética era só marketing, resolveu fazer a ruptura e estender a ditadura até o fim da guerra fria [que aconteceu já na virada dos anos 80 (o muro de Berlim em 89 e a capitulação da União Soviética em 91 é só uma confissão de um sistema que havia sido deteriorado há anos)]. Por isso da convicção, em 1964, dos militares estarem ao lado dos americanos na guerra fria.

Mas os militares deram golpe e destituíram o presidente legítimo que era o Jango do poder. Embora João Goulart fosse o vice que assumiu a cadeira do Jânio Quadros, que tinha pedido renúncia em 1961, o vice também era votado, em que o povo elegeu Goulart para ser substituto na cadeira presidencial na eleição de 1960 pelo voto majoritário. Neste ano fatídico de 1964, Goulart fica um mês fora da presidência, deixando o cargo presidencial em estado de vacância. Motivo? Os militares “meteram um loko” no Goulart. Os militares fizeram bullying com o Jango, não sendo possível a sua continuidade no comando do país. A caneta ficou sem tinta. O problema nem era 1964, na verdade, pois a ação dos militares tinha apoio das manifestações populares, além de todo o amplo amparo de instituições de base (desde igreja até empresariado). O problema mesmo foi 1968, em que, na teoria os militares tinham aprovação pela manutenção do comando nacional, mas mesmo assim os homens da bota cassaram o direito do povo votar. Se os militares tinham apoio popular para manterem-se no poder, então por que impediram o escrutínio popular? Lógico que a popularidade dos militares já estava esvaziada e já não tinham apoio em 1968, piorando a cada ano, até chegar ao ponto que o feitiço virou contra o feiticeiro, e a população clamou por Diretas já! A Esquerda queria a eleição nem que o povo surrasse pelo voto os comunistas na urna. Neste ponto, a esquerda tem razão, pois eleição direta nunca será o problema, sempre será a solução. Como dizia Ulysses Guimarães: “O que o povo quer, a casa vota”. Voto é vontade popular e os militares deram golpe porque se achavam os iluminados da nação.

Portanto, quem ganhou a narrativa de 1964? Ninguém. É título dividido, igual ao que ocorreu no futebol em 1987, em que ambos (Flamengo e Sport) foram campeões e eliminados ao mesmo tempo. Fatores históricos iguais a este provocam ruptura na cronologia dos fatos, em que tal vácuo pode ser preenchido até mesmo por factoides e defesas agressivas por mero apelo emocional, diante a defesa ideológica de tais acontecimentos. 1964 é o ano que não acabou, terá sempre essa fenda, essa ferida aberta, que nunca terá uma conclusão consensual porque os dois lados conflitantes não arredam o pé sob tal narrativa e ilustração desta biografia nacional. Os anais de 1964 só concluem que a ruptura desta época não propiciou heróis nem vilões, mocinhos nem bandidos, bons nem maus. Apenas diferentes que, cada um a sua maneira, ansiavam pelo poder. Nada mais. 1964: Nem direita nem esquerda tem razão.


Obs: "Nunca acabou" esteticamente está errado, o certo é não acabou.  
   

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1964 – O Ano que Nunca Acabou de Júlio César Anjos está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
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