Por: Júlio César Anjos
A
música Sunday Morning, da banda inglesa The Bolshoi (acima), aborda no seu
enredo a crítica ao conservadorismo, em toda a sua contemplação, diante os
hábitos familiares dos anos 80 - e décadas anteriores - nos países ocidentais
cristãos. Embora muita gente saiba que esta canção seja uma critica religiosa,
o fato é que também faz ressalva quanto ao comportamento familiar como um todo,
em que os domingos de manhã são muito chatos por serem obsoletos.
Primeiro,
que o cantor narra a história dele jovem (adolescente), em que tem uma
recordação das rotinas de domingos de manhã em família, por isso que hoje não
quer mais fazer isso, já que continuar com tal hábito deixa o narrador “doente”
[I remember when I was young / Feeling sick on Sunday morning / I don't wanna
do it anymore].
Já
na segunda estrofe, o cantor/narrador diz que lá dentro da igreja (está
implícito isso) ele tinha que aguardar na fila para se confessar para limpar a
mente que estava suja, mas que hoje (veja o tempo verbal da letra) ele não quer
fazer mais isso [Standing in a line with a dirty mind / Clean it up on Sunday
morning / I don't wanna do it anymore].
No
refrão, o cantor/narrador critica a hipocrisia disso tudo, pois uma vez por
semana (somente uma vez) a família vira o rosto e enganam-se em serem boas
pessoas, pacíficas, acolhedoras e etc., pois vira a bochecha, seja para receber
um beijo ou virar o rosto para tudo, sendo duas caras, fingindo-se uma família
santa na manhã de domingo [One day a week we turn the cheek].
Na
terceira estrofe, o cantor/narrador ironiza o fato do rito de se ajoelhar e,
com isso, fazer com que as coisas mudem, pois ele diz que ficava de joelho,
quando jovem, e nada acontecia, a não ser a chatice de fazer aquela alegoria. E
os próprios religiosos hoje confessam isso, pois dizem: “fé sem obra, é morta”.
A questão de não haver luz pode ser no sentido de remeter o aspecto lúgubre das
igrejas ortodoxas, mais escuras que as “góticas”, pois as janelas eram pequenas
e de vitrais, o que prejudicava, na arquitetura, a incidência de luz na igreja.
Mas, enfim, só rezar e não agir não adianta, é o que a música quer passar como
mensagem nesta estrofe [Oh, how we'd kneel down / Oh, we were so quiet / Never
any light there / I don't care, it's not right there].
Na
quarta estrofe, o cantor/narrador lembra-se do rito de família conservadora,
acordar cedo no domingo de manhã, ao invés de estrem fazendo outra coisa, em
que a única atividade boa da manhã é a manhã de domingo, ou seja, só por
existir e nada mais, pois todo este ritual de domingo é desnecessário e não é
bom, por isso que o cantor/narrador toda hora se queixa não querer mais fazer
aquilo [Get up early, do your hair / Sunday best on Sunday morning / I don't
wanna see it anymore].
Na
quinta estrofe, é a mesma queixa da estrofe anterior, em que no domingo há até
chá com torradas, sendo que nos outros dias da semana não há essas
diferenciações, mostrando hipocrisia que o domingo de manhã traz nas
residências das famílias conservadoras. Chá com torrada é tradição de realeza,
em que a classe média mimetiza isso por causa da tradição conservadora. Há
outra tradução também, que é sobre o hall social da igreja, mas a ideia de
critica é a mesma, tendo essa diferenciação sem pé nem cabeça por causa de
tradição [Tea and toast in the social hall / We had it all on Sunday morning / I
don't wanna see it anymore].
No
sub-refrão, o cantor/narrador se queixa de que há tantas imposições, que o
jovem já ia rezar com medo na igreja, sendo que as regras da igreja católica naquela
época (hoje afrouxou um pouco) eram tão sufocantes, pois restringia a tudo, no
sentido de que: “se não for um bom menino, Deus vai castigar”, que chegava até
a assustar [We come in fear, to worship here].
O
segundo refrão faz uma analogia com a forma como os padres impõem os sermões,
que, pelo aspecto da doutrina, parece até mais censores fiscais da vida alheia,
em que obrigam a fazer aquilo que se é sujeito a fazer, mostrando-se um ditador
(repare que a voz da canção muda), com o padre falando o que não se pode e ou
não se deve fazer [It's wrong to feel, It's wrong to care / You must not steal,
you must not swear].
Quanto
ao sofá do clipe, tal móvel representa o conforto (e o vermelho é só para
destacar). Ou seja, o sofá está em vários lugares para demonstrar que qualquer
lugar é melhor do que estar na igreja. Aliás, na igreja o lugar para sentar é
sempre de madeira (desconfortável). Por que será?
Portanto,
essa música critica o conservadorismo de uma forma geral, mas focando na igreja
católica, com os seus ritos e suas simbologias maçantes, no qual um jovem tem
dificuldade para se adaptar por ser difícil de tragar. Essa música é um
instrumento sim de engenharia social, para fazer o jovem ir contra os pais,
pois “empodera” o jovem pelo aspecto que ele tem direito de não querer ir para
igreja por ser um lugar chato, impondo a esse adolescente esse crivo em que ele
não quer fazer. As músicas que mais se parecem inofensivas e perigosas são as
mais vis, pois são implícitas, em que instigam o imaginário perante o real.
Esperar o quê de uma banda inglesa que batiza o grupo com o nome de uma escola
de ballet russa?
[Eu é que não quero mais ver isso]
Crítica ao Conservadorismo na Música: Sunday Morning – The Bolshoi de Júlio César Anjos está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em http://efeitoorloff.blogspot.com.br.
Acho que as críticas, nesse caso, não devem ser refutadas com tamanha veemência, até porque há razão em boa parte do que é dito, principalmente quanto à fraqueza de fé, hipocrisias e a ideia de que ser cristão limita-se a comparar à igreja aos domingos, sem esforço algum para melhorar como pessoa ao longo dos outros dias, tendo em mente ser digno de habitar nos céus. Se houve prática de engenharia social devido à mensagem, tenho minhas dúvidas... Afinal, o livre arbítrio é algo que recebemos de Deus, portanto, por que privar o jovem de saber que ele pode fazer o que bem entende? Um dia, o mesmo pode se tornar um devoto que faz muito mais por Deus que a classe conservadora, pois servirá de coração (isso pode ser inaceitável para católicos, mas creio na liberdade como o melhor caminho para a luz). Vejo a crítica do compositor como construtiva e reflexiva, muito mais do que algo que estimule o ouvinte a se rebelar.
ResponderExcluirConcordo com sua visão da crítica na música. Fui educada dentro dos dogmas católicos e sei da dificuldade em reverter o pensar católico da época (e não sei se mudou tanto assim), para um pensar mais filosófico da situação! Fé sem ação tem serventia? Para quê? O melhor exemplo a um filho é a atitude dos pais! Penso que os padres e pastores deveriam ser modelo para seus fiéis por isso admiro pé. Lancelotti, porque não é fé gratuita, é fé ação.
ExcluirFico grato pela sua opinião.
ResponderExcluirEu que tenho a agradecer pela análise, há muito tempo ouço a música e não havia sacado do que se tratava, e, pelo visto, somente este blog se deu ao trabalho de publicar a respeito.
ExcluirÉ engenharia social no sentido de que na época que essa música foi lançada havia a guerra fria em curso e o ocidente tinha mais de 90% da população adepta aos cristãos. Ser ateu era raro nessa era em questão. Como havia uma espécie de censura oculta, os revolucionários da época construíam músicas implícitas, ao invés de explicitas, que continham muita informação revolucionária.
ResponderExcluirMas, de todo modo, compreendo aonde vocês quiseram chegar. E fico grato pelas opiniões divergentes.
Olá Júlio. Existe um contra senso nesta colocação: "As músicas que mais se parecem inofensivas e perigosas são as mais vis." Ser inofensivo é exatamente o oposto de ser perigoso. Talvez uma sentença correta fosse: "As músicas que mais parecem ser inofensivas são as mais vis."
ResponderExcluirEstava procurando músicas em inglẽs que citassem dias da semana, e então lembrei-me de "Everyday is like sunday (Morrissey)", "Friday I'm in love (The Cure), e esta, "Sunday Morning". Minha intenção era somente baixar estas músicas para fazer uma brincadeira com meus dois filhos. No entanto, internauta curioso como sou, acabei chegando a este blog.
ResponderExcluirE fiquei surpreso ao ler esta interpretação, muito bem elaborada, deste sucesso de 1986, época em que reinava o estilo "new wave", quando eu ainda era estudante secundarista e viajava na sonoridade desta canção...
Parabéns pela análise. Gostei muito de entender o significado da letra.
ResponderExcluirBoa tarde , parabéns pela análise. VocÊ tem informação do que são as pessoas gritando no meio da música e o que elas falam? Em todas as letras que tem na internet só aparecem as partes em que são cantadas, mas aqueles gritos me deixaram curioso. Valeu obrigado.
ResponderExcluirSe desprendendo do sistema religioso... interessante.
ResponderExcluirO fato é realmente a Fé sem sua obra em prática realmente é morta. Não adianta participar de ritos dominicais ou a qualquer outro dia e não colocar em pratica o que se aprende e não passar para nossos rebentos as lições e exemplos ai sim os domingos e todos os outros dias não terão sentido algum e qualquer sofá será um lugar melhor que as igrejas... e sabemos que existem vários sofás por ai querendo acolher pessoas sem propósitos com a vida espiritual ... pensamos nisso ...
ResponderExcluirCurti muito essa música em 1987/88 gosto ate hoje comprei um sofá vermelho por causa da música e hoje em dia domingo pela manhã vou a igreja SUNDAY MORNING!
ResponderExcluirA análise foi muito precisa,porém,não entendi mesmo o final.Me pareceu muito contraditório.Amúsica é vil por denunciar o que o próprio Cristo pregava? Como já foi dito,que fé sem obras é inutil e rituais sem sinceridade de coração não agradam a Deus.Não entendi a intenção do autor do texto.Ficou bem contraditório!!!
ResponderExcluirAdoro essa música. Ela fala bem fundo para qualquer um que foi cristão e viu a hipocrisia dessa religião de perto.
ResponderExcluirSei que o post é antigo, mas como alguns aqui, só agora me toquei. Gostaria de acrescentar que o "turn the cheek" se refere ao perdão cristão (dar a outra face).
ResponderExcluirLi a análise hoje e ia dizer isso mesmo, rsrsrsrs
ExcluirSempre gostei dessa música e, não sei porquê, prestei atenção em sua letra hoje. Achando estranho, procurei a letra na internet e me assustei com a mensagem passada na canção. Não tenho (nem preciso) fazer uma apologia à Santa Igreja Católica aqui, nem explicar como ela salvou o ocidente. Mas preciso dizer que as pessoas não odeiam a Igreja Católica, mas um espantalho dela. Entender o rito da missa nos mostra nossa pequenez perante a misericórdia de Deus. Eu, minha esposa e minha filha (5 anos) adoramos a missa dominical. Leio Nárnia para minha filha, e, por conhecer várias passagens bíblicas, ela consegue entender (com uma pequena ajuda minha) as entrelinhas que CS Lewis passou em sua obra. Por fim, parabéns pela análise imparcial, colocando apenas no fim sua opinião.
ResponderExcluirJúlio César Anjos, estás corretíssimo na sua análise! Meus sinceros parabéns! Ter ciência disso é a base para não mais cair em tantas narrativas muito mais explícitas, nos dias de hoje, não somente na música!!!
ResponderExcluirForte Abraço! Alexandre A
Essa Música só fala verdades, quem foi criado dentro do sistema religioso cristão sabe da hipocrisia e da vida de aparencias de boa parte das pessoas e líderes
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