Por: Júlio César Anjos
Assim
como o ornitorrinco é considerado o fracasso de Darwin, já que o evolucionismo
cataloga os bichos em padrões – e nesse animal em específico há a dificuldade de ser
padronizado por causa de sua gama de diferenciações biológicas -, uma espécie
de bug na ciência oficial, a mesma coisa acontece com a Cracolândia e os
liberais, pois essa mazela social é a kryptonita dos libertários. Porque,
infelizmente, nesta sociedade alternativa das drogas não existem indivíduos, só
há o coletivo de zumbis, no campo de concentração chamada Cracolândia.
Os
liberais clássicos, ditos mais da centro-direita, acreditam que o mercado deva ser livre. Já os libertários, extremistas, além de serem liberais econômicos,
são favoráveis à liberdade do indivíduo como um todo. Como diz a expressão: “Meu
corpo, minhas regras”, embora uma frase de efeito da esquerda, tal conceito é
aceito – em partes – pelos anarquistas. E é nesses dilemas ideológicos que se
vê que essas duas vertentes de fluxos de pensamentos estão equivocadas, para
não dizer erradas, já que as duas apoiam a Cracolândia como liberdade e que não
há o que interferir.
Para
os libertários, o individuo pode tomar decisão sobre o que quer fazer com o próprio
corpo. O problema é que a droga já decidiu o que o viciado vai fazer, portanto,
a droga cassa o poder da pessoa ser um individuo e poder tomar decisão. Porque
se fosse verdade essa independência por autonomia, não haveria vício, a pessoa
poderia sair hora que quisesse deste malgrado, aí sim havendo lógica a regra do
veredito de o individuo não só ser proprietário do próprio corpo, mas também
pela própria vida. O Individuo não tem como decidir, pois já está decidido: ele
vai se drogar de 15 em 15 minutos (não por causa da escolha dele, mas por causa
da imposição da droga como vício) e ponto final. O químico da droga se arvora
do controle da mente perante o corpo, por isso que a frase certa para o drogado
é: “Meu corpo, regras da droga”.
Diante disso, quem fornece a droga acaba virando dono do viciado, indiretamente, pois dá o
comburente para que haja essa conexão. O traficante vira dono da “consciência”
deste viciado zumbi. É a escravidão moderna. É uma escravidão em que o coronel
(traficante) nem mesmo precisa fornecer abrigo, roupa, comida e lazer ao
escravizado. Só auferir lucro e nada mais. E, neste sentido, mais um bug para
os liberais: Onde está o tal do “capital social” nestas horas? Até porque uma
empresa legalmente constituída, em que precisa colocar o seu produto na gôndola
de supermercado, ao fazer algum agravo contra a sociedade será apenada pelo
dito capital social, caso faça algum malgrado. Mas essa regra não se aplica
para o traficante marginalizado, que, por estar ilegal, é considerado
criminalizado e, portanto, não respeita nada, nem norma nem “capital social”.
Mas
aí um liberal clássico dirá: “Está vendo, é só tornar a venda e o uso da droga
legal e pronto, acabará com isso”. Se for analisar que a cachaça e o tabaco não
fazem indenizações para os viciados em tais substâncias, não havendo essa regra
de “capital social” incutida nestas empresas fornecedora de tais produtos,
então já dá para desconfiar se liberar maconha, por exemplo, gerará essa
compreensão moral nos empresários de tal segmento. Mas esse não é o ponto
focal, pois o problema real é que algumas drogas são mais danosas que outras,
em que não faz sentido a sua liberação, nem pelo direito individual, muito
menos pelo anseio coletivo. O crack não é igual o álcool, ou tabaco, ou até
mesmo a cocaína, pois é uma droga que o efeito é devastador. Então, sem chance
de ver pedra de crack na gôndola do supermercado.
Diante
disso, quanto ao ponto geográfico da Cracolândia, deixar pessoas alheias ao seu
estado normal ficarem em um ponto específico para se definharem não é algo humano,
é desumano. Ver uma pessoa ir a passos largos à morte, sem que se faça nada, é
algo próximo à sociopatia coletiva. Sem falar que, além da questão emocional,
aquele microponto em específico é afetado de forma geral, em que ali não se
estabelece trocas voluntárias sadias, nem é aprazível para o bem-estar social,
muito menos é um lugar minimamente digno para uma pessoa frequentar (ou morar),
pois é insalubre [até animais de abate em alguns lugares do mundo possuem mais
humanismo que isso] e periculoso. É humana e racionalmente impossível defender
a Cracolândia, por maior boa vontade ou boa intenção que se tenha, tanto no seu
aspecto individual quanto pelo prisma coletivo.
Neste
aspecto, se os liberais – tanto o clássico quanto o revolucionário – acreditam na
lógica conceitual do “princípio de não agressão”, o que os sociais-democratas
(cunhada primeiramente por John Stuart Mill) entendem como “princípio do dano”,
é sabido que a Cracolândia é uma agressão danosa para qualquer um do mundo que
seja minimamente sensato e veja a maldade que se faz neste seleto grupo
fragilizado que implora por ajuda, sem saber como pedir. Nem precisa entrar na
lógica do direito de ir e vir, ao ocupar uma rua, para falar que isso agride
outros, pois é o de menos. O fato é que, assim como um manicômio a céu aberto
seria impensável e haveria saraivada de críticas neste lugar que fizesse isso,
deixar ao relento as pessoas vulneráveis como as viciadas em drogas é tão
repugnante como deixar doentes mentais à revelia. A Cracolândia é uma agressão
danosa que machuca a todos de forma visível a quem quer olhar e enxergar o
óbvio: a Cracolândia é o campo de concentração dos zumbis do crack.
Então
qual é a solução da Cracolândia? A resposta é uma só: tem que ajudar. A Ajuda
pode vir daquilo que até agora não se concretizou, com a iniciativa privada ou organização
de grupos dispostos a cooperar com a salvação destas pessoas; ou por meio do
estado, pela internação compulsória – o que está a ser feito. Como o primeiro
caso não se concretizou e, se existiu, fracassou, então que se tente a segunda
solução: a intenção compulsória. Esse tipo de ato forçoso do estado perante o individuo
irá funcionar? Talvez não. Talvez até piore a situação. Mas o fato é que hoje,
entenda: hoje, aquilo que se diz e que se faz humanitário, que é tentar ajudar
as pessoas a se salvarem não só delas mesmas, mas dos outros também (deixar de
ser escravo de traficante), é o que se tem a oferecer como resolução no
momento. Se o estado fracassará, como fracassa em tudo, só o tempo dirá. Mas há
de concordar que se deve sim dar um voto de confiança ao governo, pois nesta
implicação chamada Cracolândia os liberais fracassaram.
Portanto,
a Cracolãndia é o fracasso dos liberais. Porque, a menos que a sociedade
brasileira seja doente ao ponto de gostar de ver pessoas se destruindo ao ar
livre, a corrosão social das drogas é algo que é responsabilidade do coletivo,
sim! Ainda mais nesta situação do crack, em que tais indivíduos perdem totalmente
o senso de autopropriedade, ao virarem escravos de traficantes, sem humanidade nenhuma,
apenas ao léu de uma nação que mostra, de forma até mesmo visual, que perdeu a
guerra para as drogas de forma humilhante. Como não há solução perfeita, pois,
se existisse, já teria sido feita, infelizmente o mais sensato é a internação
compulsória destas pessoas vulneráveis que não possuem nem mais identidade, sem
nem conhecerem mais quem elas são ao se tornarem zumbis da nação brasileira.
Deixar como as coisas estão é fazer com que a Cracolândia seja o campo de Concentração
dos zumbis do Crack. Que como se sabe, a peregrinação deste povo é andar a
passos largos ao destino da morte. Em que a solução será o ciclo infinito de
destruição humana, sem ter um fim.
Obs:
Para o engraçadinho do “leva pra casa”: Olhar tudo isso e não fazer nada é
extremamente doentio. Eu não tenho como leva-los pra casa. Por isso que delego
este problema para o estado ou para qualquer grupo que consiga resolver isso, ou
pelo menos tente mudar esta situação. Pior que tá fica sim. Traga solução.
Cracolândia – O Fracasso dos Liberais de Júlio César Anjos está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em http://efeitoorloff.blogspot.com.br.
Comentários
Postar um comentário
Comente aqui: