Por: Júlio César Anjos
Sinopse:
O livro empenha-se tão somente a refutar Pangloss (Leibnitz) por ser otimista
demais. Portanto, em todo o curso da trama, haverá humilhações, despejos,
agressões, doenças, convulsões e até mortes. A vivência das personagens à
realidade da história chega à conclusão que a vida é desgraçada; por isso
comprava-se a contradição da filosofia positiva do Pangloss à perspectiva da
realidade nos tempos pré-revolução.
Capítulo I - De como foi
Cândido criado em um lindo castelo, e como dali o escorraçaram
Resumo: Cunegundes
deixou cair o lenço, Cândido apanhou-o, ela tomou-lhe inocentemente a mão, o
jovem beijou inocentemente a mão da moça com uma vivacidade, [...] Ora, o
senhor barão de Thunder-ten-tronckh passou junto ao paravento e, vendo aquela
causa e aquele efeito, correu Cândido do castelo, a pontapés no traseiro;
Cunegundes desmaiou; logo que voltou a si, foi esbofeteada pela senhora
baronesa; e houve a maior consternação no mais lindo e mais agradável dos
castelos possíveis.
Resenha:
Crítica sobre o conservadorismo e a sociedade de castas. A família nobre até
quer o bem de Cândido, por isso ofertou até mesmo abrigo, mas somente como
convidado, não como membro da família. Lenço caído, naquela época, significava
flerte.
Capítulo II - Do que sucedeu
a Cândido entre os búlgaros
Resumo: Cândido,
estupefato, ainda não atinava muito bem como poderia ser um herói. Por um belo
dia de primavera, lembrou-se de dar um passeio e seguiu direito em frente, na
crença de que era um privilégio da espécie humana. [...] Ainda não andara duas
léguas, quando quatro outros heróis de seis pés o alcançam [...] e o metem num
calabouço. Perguntaram-lhe juridicamente se preferia ser fustigado [...] ou
receber [...] trinta e seis balas de chumbo na cabeça. Por mais que Cândido
alegasse que a vontade humana é livre, teve de fazer a escolha; resolveu a
[...] liberdade, ser passado trinta e seis vezes pela vara. [...] rei tinha um
grande gênio, compreendeu, por tudo quanto soube de Cândido [...] concedeu-lhe
a sua graça com uma demência.
Resenha: Os
Búlgaros, vendo o porte físico de Cândido, até viram valor em fazê-lo um
“herói” (soldado raso, na verdade). E o Cândido, sem ter onde ir, aceitou o
convite. Só que Candido teve a infeliz ideia de sair andando das limítrofes do
acampamento, tal situação foi considerada uma deserção, uma fuga, tendo Candido
como pena escolher entre ser espancado quase até a morte ou morrer com tiro na
cabeça. Teve a “liberdade” para escolher a sentença. Apanhou muito, mas não
morreu porque o rei o achou um louco.
Capítulo
III - De como Cândido escapou aos búlgaros, e do que lhe sucedeu depois.
Resumo:
Acabaram-se-lhe as provisões ao chegar à Holanda; mas, tendo ouvido dizer que
nesse país todos eram ricos e verdadeiramente cristãos, não duvidou que o
tratassem tão bem como no castelo do senhor barão, antes de ser dali
escorraçado por amor dos lindos olhos da senhorita Cunegundes. [...] Pediu
esmola a vários personagens de ar grave e todos lhe responderam que, se
continuasse a exercer tal ofício, o mandariam encerrar numa casa de correção,
para ensinar-lhe a viver direito. [...] Um homem que ainda não fora batizado,
um bom anabatista, chamado Jaques, viu de que maneira cruel e ignominiosa era
tratado um de seus irmãos, um bípede implume, que possuía uma alma; levou-o
para casa, limpou-o, deu-lhe pão e cerveja,
Resenha:
Aqui, Voltaire critica a sociedade conservadora hipócrita. Enquanto via u homem
falar sobre caridade na assembleia, dando de ombros ao Cândido, a personagem
principal só consegue um pouco de humanidade nas ações de uma anabatista (não batizado)
chamado Jaques, que lhe dá comida, abrigo, possibilidade de ensinar ofício e até
um pouco de carinho (humano).
Capítulo IV - De como
Cândido encontrou o seu antigo mestre de filosofia, o doutor Pangloss, e do que
sucedeu
Resumo: —
Mas como? Não tenho um vintém, meu amigo; e, em toda a extensão deste globo,
não me pode nem fazer uma sangria, nem tomar uma lavagem, sem pagar, ou sem que
haja alguém que pague por nós [...] Estas últimas palavras decidiram Cândido;
foi lançar-se aos pés do caridoso anabatista Jaques e fez-lhe uma pintura tão
comovente do estado a que se achava reduzido o seu amigo, que o nosso homem não
hesitou em recolher o doutor Pangloss; mandou-o tratar à sua custa. Pangloss,
com a cura, só perdeu um olho e uma orelha. Como tinha boa letra e sabia
aritmética, o anabatista empregou-o como guarda-livros. Dois meses depois,
sendo obrigado a ir a Lisboa a negócios, embarcou consigo os dois filósofos.
Pangloss explicou-lhe como tudo marchava o melhor possível. Jaques não era
dessa opinião. [...]
—
Está visto – dizia ele – que os homens corromperam um pouco a natureza, pois não
nasceram lobos, e tornaram-se lobos. Deus não lhes deu nem canhões nem
baionetas, e eles fabricaram baionetas e canhões para se aniquilarem. Eu
poderia ainda levar em conta as falências, e a justiça, que se apodera dos bens
dos falidos para ludibriar os credores.
Resenha: Os
búlgaros “mataram” os nobres (Voltaire ressuscita as personagens todo instante,
que será explicado depois), numa espécie de ensaio à revolução francesa,
chegando ao ponto de Pangloss ir à sarjeta. O engraçado é que muita gente culpa
o capitalismo pela desigualdade, gerando desumanidade, mas, mesmo neste tempo
anterior ao capitalismo, a falta de sensibilidade era geral, o que mostra que a
desigualdade social é condição humana e não causada por um sistema econômico
qualquer. Candido também diz que Deus não fez os homens lobos, mas tornaram-se
com suas artificialidades, como fabricar armas e canhões para homens matarem
homens, com propósitos de causas menores.
Capítulo V - Da tempestade,
naufrágio, terremoto, e do que sucedeu ao doutor Pangloss, a Cândido e ao
anabatista Jaques
Resumo: Cândido
aproxima-se, vê o seu benfeitor que reaparece um momento à tona e é tragado
para sempre. Quer lançar-se ao mar, mas Pangloss lho impede, provando-lhe que a
enseada de Lisboa fora feita expressamente para afogar o anabatista. Enquanto o
provava a priori, o navio parte-se ao meio e todos perecem, com exceção de
Pangloss, de Cândido e do brutal marinheiro que afogara o virtuoso anabatista;
o facínora nadou até a margem, onde Pangloss e Cândido arribaram, agarrados a
uma tábua. [...]Turbilhões de chama e cinza cobrem as ruas e praças públicas;
as casas desabam; abatem-se os tetos sobre os alicerces que se abalam; trinta
mil habitantes são esmagados sob as ruínas. Assobiando e praguejando, dizia
consigo o marinheiro: – Muito há que aproveitar aqui. – Qual poderá ser a razão
suficiente deste fenômeno? – indagava Pangloss. [...]Mas Pangloss consolou-os,
assegurando-lhes que as coisas não poderiam ser de outra maneira: “Pois tudo
isto – dizia ele – é o que há de melhor. Pois, se há um vulcão em Lisboa, não
poderia estar noutra parte. Pois é impossível que as coisas não estejam onde
estão. Pois tudo está bem”.
Resenha: A
natureza é má. Com a tragédia causada pelos intempéries da natureza,
destroçando o navio, Cândido não não consegue salvar seu benfeitor e amigo
Jaques da morte, em que não tentou sacrificar a própria vida, em ato de
benevolência, para salvar o colega, não sendo um homem virtuoso por ser
vacilante, pelo egoísmo de salvar a própria pele. As condições da natureza fazem
o homem também se tornar mau.
Capítulo VI - De como se fez
um belo auto-de-fé para evitar os terremotos, e de como Cândido foi açoitado.
Resumo: Assim
vestidos, marcharam em procissão, e ouviram um sermão muito patético, seguido
de uma bela música em fabordão. Cândido foi açoitado em cadência, enquanto
cantavam; o blacainho e os dois homens que não tinham querido comer gordura
foram queimados, e Pangloss enforcado, embora não fosse esse o costume. No
mesmo dia a terra tremeu de novo, com espantoso fragor.
Resenha: Até
as palavras são más. No capítulo IV, Pangloss foi querer inventar de convencer
os ignorantes de que o terremoto era para um bom propósito, em que tal tribo
primitiva usou Cândido e Pangloss como oferenda para um Deus qualquer, no
capítulo V, para saciar este ‘deus’ e também vingar da idiotice profanada pelo Pangloss. Se não tivesse falado o que o povoado não queria, não teriam sido
apenados como foram. Essa é a lição que fica.
Capítulo VII - De como uma
velha tratou de Cândido, e como este encontrou o objeto amado.
Resumo: Cândido
julgava sonhar, e considerava toda a sua vida como um pesadelo, e o momento
atual como um agradável sonho. [...]
—
Como! És tu? Estás viva?! E encontro-te em Portugal! Então não te violaram? Não
te fenderam o ventre, como me disse o filósofo Pangloss?
—
Sim – disse a bela Cunegundes, – mas nem sempre se morre desses dois acidentes.
—
Mas teu pai e tua mãe não foram mortos?
—
É verdade – disse Cunegundes em pranto.
—
E teu irmão?
—
Meu irmão também foi morto.
Resenha: A
vida é tão desgraçada que rever Cunegundes parece sonho. Neste momento, Voltaire, neste conto,
ressuscita Cunegundes. Cunegundes “garante” que todas as personagens principais
no castelo nobre estão mortos. Será?
Capítulo VIII – História de
Cunegundes
Resumo: —
Nisto entrou um capitão búlgaro, viu-me toda ensangüentada, e o soldado não se
arredava. O capitão ficou furioso com a falta de respeito que lhe testemunhava
aquele bruto, e matou-o em cima do meu corpo. [...] vendeu-me a um judeu chamado dom
Issacar, que traficava na Holanda e em Portugal, e que era louco por mulheres.
Esse judeu sentia grande atração por mim, mas não conseguia vencer-me; [...] grande
inquisidor me viu um dia na missa; não tirava os olhos de mim, e me mandou
dizer que precisava falar-me sobre assuntos secretos. Fui levada a palácio; revelei-lhe
a minha origem; fez-me ver o quanto estava abaixo da minha categoria pertencer
a um israelita. Propuseram, da sua parte, a dom Issacar que me cedesse a
Monsenhor. Dom Issacar, que é banqueiro da Corte e homem de grande influência,
não se demoveu. O inquisidor ameaçou-o com um auto-de-fé. Afinal o judeu,
intimidado, chegou a um acordo. Ficou combinado que a casa e eu pertenceríamos
a ambos, que o judeu disporia das segundas, terças e sábados, e o inquisidor
dos outros dias da semana. [...] Agitada, desvairada, umas vezes fora de mim,
outras vezes a morrer de abatimento, tinha eu a cabeça cheia do massacre de meu
pai, de minha mãe, de meu irmão, da insolência do meu maldito soldado búlgaro,
da facada que ele me deu, da minha escravidão, do meu ofício de cozinheira, do
meu maldito dom Issacar, do meu abominável inquisidor, do enforcamento do
doutor Pangloss, daquele miserere em fabordão durante o qual te açoitavam, e
principalmente do beijo que eu te dera atrás de um biombo, no dia em que te vi
pela última vez. Louvei a Deus que te reconduzia a mim depois de tantas
provações.
Resenha: Salva
somente pela beleza de objeto sexual. Cunegundes foi salva e conseguiu até
mesmo viver em um lugar confortável porque é bonita e poderia servir para
escrava sexual. Primeiro, quase foi abusada pelo guarda búlgaro, que não a matou de prontidão porque
queria a estuprar; Mas o capitão não deixou isso acontecer, pois queria tê-la
como sua concubina de prontidão; Todavia, Cunegundes resistiu aos búlgaros, ao
passo que fora vendida pelo capitão para o judeu, que só a comprou porque era
bonita e queria também desejá-la sexualmente; ao passo que o inquisidor ficou sabendo
de Cunegundes e da trama e também a queria como escava sexual. Ficou acordado
que o judeu e o inquisidor visitariam Cunegundes, cada um no seu dia
estipulado. Se fosse feia, não teria valor algum, e já estaria morta ou jogada
às traças. Não há bondade, apenas interesse.
Capítulo
IX - Do que aconteceu a Cunegundes, a Cândido, ao Inquisidor e ao judeu
Resumo: Esse
dia era do senhor Inquisidor, que entra e vê Cândido de espada em punho, um
cadáver no chão, Cunegundes como louca e a velha a dar conselhos. [...] e,
antes que o inquisidor tivesse tempo de refazer-se da surpresa, Cândido lhe
atravessa o corpo com a espada, e abate-o por terra, ao lado do judeu.
Resenha:
Por causa do instinto de defesa, assassinar não é uma opção. Cândido mata
facilmente os dois rivais porque tem uma desculpa de muleta para enganar a
consciência: eles não são bons e por isso merecem morrer. Cândido não tem mais
prisão de consciência
Capitulo X - Da situação em
que chegam os três a Cadiz e do seu embarque
Resumo: —
Quem me teria roubado as minhas pistolas e os meus diamantes? – soluçava
Cunegundes. – De que viveremos? Que faremos nós? Onde vou encontrar
inquisidores e judeus que me dêem mais jóias e dinheiro? [...] Ali se equipava
uma frota e reuniam-se tropas para chamar à razão os reverendos padres jesuítas
do Paraguai [...]Cândido fez os respectivos exercícios, diante do general do
pequeno exército, com tanta graça, presteza, agilidade e garbo, que lhe deram o
comando de uma companhia de infantes. Ei-lo capitão; embarca com a senhorita
Cunegundes, a velha, dois criados e os dois cavalos andaluzes que haviam
pertencido ao senhor inquisidor-mor de Portugal.
Resenha: O
conforto utilitário é maior que o sentimento humanitário. Mesmo que Cunegundes
tivesse defendido a sua honra, ao não ser presa fácil de objeto sexual dos
búlgaros, do judeu e do inquisidor, após perder o conforto de bem-estar que o
judeu e o inquisidor praticavam a ela, Cunegundes fica apreensiva mais com a
perda deste conforto do que triste em ver pessoas mortas, dando a entender que
Cunegundes era hipócrita. Cândido, quase
que magicamente, vira capitão da infantaria do inquisidor-mor de Portugal.
Capítulo XI - História da
velha
Resumo: Sou
filha do Papa Urbano X [...]Fiquei noiva de um príncipe soberano de
Massa-Carrara! [...]Aproximava-se o instante da minha felicidade, quando uma
velha marquesa que fora amante de meu príncipe convidou-o a tomar chocolate com
ela. Morreu em menos de duas horas, em terríveis convulsões. Mas isso não
passou de uma bagatela. Minha mãe, desesperada, e não menos aflita do que eu,
resolveu afastar-se, por algum tempo, de lugar tão funesto. Possuía uma bela
propriedade nos arredores de Gaeta. Embarcamos numa galera do Estado, dourada
como o altar de S. Pedro em Roma. Eis que um corsário de Sales nos ataca.
Nossos soldados defenderam-se como soldados do Papa: tombaram de joelho.,
soltando as armas, e pedindo ao corsário uma absolvição in articulo mortis. [...]
Soube logo que era para ver se não tínhamos ocultado ali alguns diamantes: é um
uso estabelecido, desde tempos imemoriais, entre as nações civilizadas que
exercem a navegação. [...] Quanto a mim, era encantadora, era a beleza, a graça
em pessoa, e era virgem; não o fui por muito tempo: essa flor que eu reservara
para o belo príncipe de Massa-Carrara me foi arrebatada pelo capitão corsário;
era um negro abominável que ainda por cima estava crente de que me fazia uma
grande honra. [...] Apenas desembarcamos, os negros de uma facção contrária à
do nosso corsário vieram arrebatar-lhe a presa. Depois dos diamantes e do ouro,
éramos nós o que ele tinha de mais precioso. [...] Os meus companheiros
cativos, os que os haviam aprisionado, soldados, marinheiros, negros,
trigueiros, brancos, mulatos, e o meu capitão, foi tudo assassinado, e eu ali
fiquei, agonizante, sobre um montão de cadáveres.
Resenha: No
campeonato de sofrimento e amargura de vida, a velha ganha de goleada aos
demais. Viu mortes, foi estuprada por um negro corsário, perdeu tudo, desde
dinheiro até a dignidade, por homens vis que não possuem humanidade.
Capítulo XII - Continuação
das desgraças da velha
Resumo: Agradeci-lhe
com lágrimas de enternecimento; e, em vez de conduzir-me à Itália, levou-me
para a Argélia e vendeu-me ao bei dessa província. Mal fora vendida, quando
essa peste que deu volta à África, à Ásia e à Europa, se alastrou na Algéria
com furor. Meus amigos já viram terremoto. Mas e a peste? A senhorita nunca
apanhou peste? [...] E muito comum na África; fui atacada. Imaginem que
situação para a filha de um papa, que tinha apenas quinze anos de idade, e que,
no espaço de três meses, conhecera a pobreza, a escravidão, fora violada quase
todos os dias, vira esquartejarem a sua mãe, sofrera a fome e a guerra, e
estava para morrer de peste na Argélia. No entanto não morri. Mas o meu eunuco
e o bei pereceram, juntamente com quase todo o serralho da Argélia. [...] vendeu-me
a outro mercador, que me revendeu em Trípoli; de Trípoli fui revendida em
Alexandria, de Alexandria em Esmirna, de Esmirna em Constantinopla. [...]
—
Cortai – disse ele – apenas uma nádega a cada uma dessas damas, e com isso vos
regalareis. Se for necessário mais, tereis outro tanto daqui a alguns dias.
Deus recompensará tão caridosa ação, e sereis socorridos. [...]
Cem
vezes quis matar-me, mas ainda amava a vida. Essa ridícula fraqueza é talvez um
dos nossos pendores mais funestos: pois haverá coisa mais tola do que carregar
continuamente um fardo que sempre se quer lançar por terra? Ter horror à
própria existência e apegar-se a ela. Acariciar, enfim, a serpente que nos
devora, até que nos haja engolido o coração? [...]Vi, nos países que a sorte me
fez percorrer e nas estalagens onde servi, um número prodigioso de pessoas que
execravam a sua vida; mas apenas encontrei doze que acabaram voluntariamente
com a própria miséria: três negros, quatro ingleses, quatro genebrinos e um
professor alemão chamado Robeck. Terminei como criada do judeu dom Issacar, que
me encarregou de a servir, minha linda senhorita; [...] Quer distrair-se?
Convide cada passageiro a contar a sua história; e, se encontrar um só que não
haja amaldiçoado a vida muitas vezes e que muitas vezes não tenha dito consigo
que era o mais infeliz dos homens, pode então lançar-me de cabeça ao mar.
Resenha: Certamente,
a velha é a pessoa mais sofrida do conto até o momento. Passou desde a peste
até conflitos de homens matando homens por diversão; foi estuprada e vendida
como escrava de mão em mão; teve até mesmo a nádega cortada além de não
conseguir acabar com a própria vida, pois o suicídio é o cárcere desta prisão
da vida desgraçada.
Capitulo XIII - De como
Cândido se viu obrigado a separar-se da bela Cunegundes e da velha
Resumo: Cunegundes
lhe pareceu a criatura mais linda que já vira no mundo. A primeira coisa que
fez foi perguntar se não era esposa do capitão. O tom da pergunta alarmou
Cândido: não ousou dizer-lhe que era sua esposa porque de fato não o era; não
ousava dizer que era sua irmã, porque tampouco o era; e, embora essa mentira
oficiosa estivesse outrora muito em moda entre os antigos e pudesse ser útil
aos modernos, a sua alma era demasiado pura para trair a verdade. [...] Cândido
obedeceu; o governador ficou com a senhorita Cunegundes. [...] Bem adivinhara a
velha que fora um franciscano que havia roubado o dinheiro e as jóias de
Cunegundes, na cidade de Badajoz. O monge procurou vender algumas das pedras a
um joalheiro. O negociante reconheceu-as como pertencentes ao inquisidor-mor.
Antes de ser enforcado, o franciscano confessou de quem as roubara; indicou as
pessoas e o rumo que tomavam. A fuga de Cunegundes e Cândido era já conhecida.
Seguiram-lhes o rastro até Cádiz; sem perda de tempo, despacharam um navio em
sua perseguição. Esse navio já estava agora no porto de Buenos Aires. Logo se
espalhou que um alcaide ia desembarcar e que perseguiam os assassinos do
inquisidor-mor. A prudente velha viu num instante tudo o que se devia fazer.
Resenha: Não
há bem que tanto dure. A sorte dá um sorriso e Cunegundes recebe proposta de
casamento do Dom Fernando. Cândido nada pode fazer, pois está fingindo ser quem
não é: o inquisidor. O problema é que
descobrem que Cândido não é o inquisidor-mor, que o inquisidor está morto e
Cândido tem que fugir. Cândido foi vacilante e por isso perdeu mais uma vez a
amada para outro homem, sendo que Cunegundes, por querer bem-estar social,
aceita casar-se com Dom Fernando.
Capitulo XIV - De como
Cândido e Cacambo foram acolhidos pelos jesuítas do Paraguai
Resumo: Tanto
um como outro, enquanto pronunciavam tais palavras, se olhavam com grande
surpresa e uma emoção que não podiam dominar.
—
E de que região da Alemanha é o senhor? – indagou o jesuíta.
—
Da maldita província de Vestfália – disse Cândido.
—
Nasci no castelo de Thunder-ten-tronckh.
—
O Céus! Será possível! – exclamou o comandante.
—
Que milagre! – bradou Cândido.
—
Serás tu mesmo? – disse o comandante.
—
Impossível! – disse Cândido.
Recuam
de espanto, abraçam-se, vertem rios de lágrimas.
—
Como, és tu, meu reverendo Padre? Tu, o irmão da bela Cunegundes! Tu, que foste
morto pelos búlgaros! Tu, o filho do senhor barão! Tu, jesuíta no Paraguai!
Tem-se de confessar que este mundo é uma coisa estranha! Ó Pangloss! ó
Pangloss! Como não estarias contente agora, se não te houvessem enforcado!
Resenha: Novela Mexicana. No
Paraguai, Cândido descobre que o jesuíta da região é o irmão de Cunegundes, ressuscitando
mais uma personagem que estava morta nos capítulos anteriores. Com essa onda de
desdobramentos, os búlgaros, então, só mataram os pais de Cunegundes, o rei e a
rainha, pelo jeito.
Capítulo XV - De como
Cândido matou o irmão de sua querida Cunegundes.
Resumo: Bem
sabes, meu caro Cândido, que eu era bastante bonito; pois mais bonito fiquei
depois; de modo que o reverendo padre Croust, superior do convento, sentiu-se
tomado por mim da mais terna amizade; fez-me envergar o hábito de noviço; algum
tempo depois fui enviado a Roma. O vigário geral tinha necessidade de uma leva
de jovens jesuítas alemães. Os soberanos do Paraguai recebem o menos que podem
de jesuítas espanhóis; preferem os estrangeiros, de quem se julgam mais
senhores. Fui julgado apto pelo reverendo vigário geral, para vir trabalhar
nesta vinha. [...]
—
É o que mais desejo neste mundo – disse Cândido, – pois tencionava desposá-la,
e espero fazê-lo ainda.
—
Tu, insolente! – exclamou o barão. – Tens então a imprudência de querer
desposar a minha irmã, que possui setenta e dois quartéis?! O que me admira é o
teu descaramento em ousar falar-me de um desejo tão atrevido!
Cândido,
estarrecido, retrucou-lhe:
—
Todos os quartéis do mundo, meu Reverendo Padre, agora nada significam; tirei a
sua irmã dos braços de um judeu e de um inquisidor; ela me deve muitas
obrigações, e quer casar comigo. Mestre Pangloss sempre me disse que os homens
são iguais, e eu hei de casar com Cunegundes.
—
É o que veremos, patife! – bradou o jesuíta barão de Thunder-ten-tronckh, ao
mesmo tempo que lhe desfecha no rosto um violento golpe com a folha da espada.
Cândido no mesmo instante puxa da sua e mergulha-a até a guarda no ventre do
barão jesuíta; mas, ao retirá-la úmida de sangue quente, põe-se a chorar: “Oh!
Meu Deus! Matei o meu antigo senhor, o meu amigo, o meu cunhado; sou o melhor
homem do mundo e já são três homens que mato; e, desses três, dois são padres!”
Resenha: A
beleza é finita, a ignorância não. O irmão de Cunegundes foi salvo pelos
jesuítas porque era muito bonito, sendo ajudado pela companhia de jesus, por
causa desta vantagem física. Porém, mesmo bonito fisicamente, continua com a
alma feia, pois ainda é ignorante no aspecto de castas, não deixando Cândido
casar-se com Cunegundes, mesmo mudando o status social de outrora. Cândido
acaba por “matar” o irmão da amada. Será que morreu ou ressuscitará lá na
frente?
Capítulo XVI - Do que
aconteceu aos dois viajantes com duas raparigas, dois macacos e os selvagens
chamados orelhões
Resumo: Cândido
encheu-se de piedade; tinha aprendido a atirar com os búlgaros, e seria capaz
de abater uma noz sem tocar nas folhas. Toma do seu fuzil espanhol de dois
tiros, faz pontaria e mata os dois macacos. [...] Ia continuar, mas o espanto
lhe paralisou a língua ao ver aquelas duas raparigas beijarem ternamente os
dois macacos, desatando em pranto sobre os seus corpos e enchendo o ar com os
gritos mais pungentes.
—
Eu não esperava tanta bondade de alma – disse afinal a Cacambo, o qual
replicou:
—
Bela coisa fez o patrão! Acaba de matar os amantes dessas moças.
—
Seus amantes! Será possível? Estás zombando de mim, Cacambo. Como vou acreditar
numa coisa dessas?
—
O senhor, meu caro patrão, anda sempre a espantar-se de tudo; por que acha tão
estranho que nalguns países haja macacos que obtém favores femininos? Eles têm
um quarto de homens, como eu tenho um quarto de espanhol. [...] O que eu temo é
que essas damas nos metam em maus lençóis. [...] Ao despertar, sentiram que não
podiam mover-se; era que, durante a noite, os orelhões, habitantes da região, a
quem as duas damas os denunciaram, os haviam amarrado com cipós. Estavam
cercados de uns cinqüenta orelhões nus, armados de flechas, maças e machados de
pedra. Uns punham ao fogo uma grande caldeira; outros preparavam espetos. E
todos gritavam:
—
É um jesuíta, é um jesuíta! Estamos vingados! Agora sim! Vamos comer jesuíta!
Vamos comer jesuíta! [...]Para verificar o que vos digo, tomai a sua batina e
levai-a à primeira barreira do reino dos Padres; informai-vos se o meu patrão
não matou um oficial jesuíta. Isso demandará pouco tempo; e podereis comer-nos
depois, se descobrirdes que estou mentindo.
[...]
ofereceram-lhes moças, serviram-lhes refrescos e os conduziram até as
fronteiras de seus Estados, gritando alegremente: “Ele não é jesuíta! Ele não é
jesuíta!” [...] Cândido não se cansava de admirar-se do motivo da libertação.
“Que
povo!” – dizia ele. – Que homens! Que costumes! Se eu não tivesse tido a
ventura de atravessar a espada o irmão da senhorita Cunegundes, seria comido
sem remissão. Afinal de contas, a pura natureza é boa mesmo, pois essa gente,
em vez de me devorar, cumulou-me de gentilezas ao saber que eu não era jesuíta!
Resenha:
Aqui, Voltaire denuncia a zoofilia e o canibalismo como algo normal nos povos
primitivos. Nota: Eles foram salvos porque ainda há um pouco de senso nos povos primitivos, que não fizeram os dois de iguarias porque não eram inimigos.
Capítulo XVII - Da chegada
de Cândido e Cacambo à terra do Eldorado, e do que ali presenciaram
Resumo: Toda
aquela região era cultivada tanto para o prazer como para a necessidade; por
toda parte o útil era agradável. Os caminhos eram transitados, ou antes,
ornados de viaturas de forma original e de um material esplêndido, que
conduziam homens e mulheres de singular beleza. Puxavam-nas grandes carneiros
vermelhos que ultrapassavam, em rapidez, os mais belos cavalos da Andaluzia, de
Tetuan e de Mequinez. [...]as pedras com que jogavam eram redondas, bastante
volumosas, amarelas, vermelhas, verdes, e lançavam um brilho singular. Os
viajantes sentiram desejos de as apanhar; eram pepitas de ouro e esmeraldas e
rubis, a menor das quais seria o maior ornamento do trono do Grão Mogol. Os
pequenos maltrapilhos abandonaram imediatamente o jogo, deixando no chão as
suas pedras e tudo o que lhes servira para o brinquedo. Cândido apanha-as,
corre ao preceptor, e lhas apresenta humildemente, dando-lhe a entender, por sinais,
que suas Altezas haviam esquecido o seu ouro e pedrarias. O mestre-escola,
sorrindo, jogou fora tudo aquilo, olhou muito surpreendido para o rosto de
Cândido, e continuou seu caminho. [...] Terminada a refeição, Cacambo achou,
assim como Cândido, que pagaria muito bem a sua parte deixando sobre a mesa
duas grandes pepitas de ouro que apanhara, o que provocou no estalajadeiro e
sua mulher uma explosão de riso, que não acabava mais. Afinal se dominaram: –
Senhores – disse o patrão, – bem vemos que são estrangeiros; não estamos
acostumados a vê-los todos os dias. Perdoem se começamos a rir quando nos deram
em pagamento as pedras da rua. Com certeza não possuem os senhores moeda
nacional, mas não é preciso dinheiro para almoçar aqui. Todas as estalagens estabelecidas
para comodidade do comércio são pagas pelo governo.
Resenha: O
Eldorado é o paraíso na terra. Um local de “impossível” acesso, que só foi
descoberto por mero milagre, inóspito, mas com riqueza natural imprescindível.
Nesta ignorância do Cacambo de pagar as custas de hospedagem (comida e leito) com
a pedra da rua, pois as pedras preciosas são meras pedras sem valor nenhum neste local, é
parecida com a passagem do filme Malevola, em que o Stefan vai roubar a pedra
preciosa e a Malevola toma dele e devolve para a natureza. Voltaire quer dizer
que a riqueza está na simplicidade, na singularidade do local, que dá valor ao
que é realmente importante, viver em comunhão e em paz.
Capítulo XVIII - Das coisas
que presenciaram na terra do Eldorado
Resumo: Os
espanhóis tiveram um confuso conhecimento deste país, a que chamaram Eldorado,
e um inglês, o cavaleiro Raleigh. chegou até a aproximar-se daqui há cerca de
cem anos; mas, como estamos cercados de rochedos inacessíveis e de precipícios,
conservamo-nos até agora ao abrigo da rapacidade dos europeus, que têm uma
inconcebível loucura pelas pedras e a lama da nossa terra, e que, para as
conseguir, são capazes de nos matar a todos, até o último. [...]
—
Como, os senhores não têm padres que ensinam, que disputam, que governam, que cabalam,
e que mandam queimar as pessoas que não são da sua opinião?
—
Só se fôssemos loucos- disse o velho. – Aqui somos todos da mesma opinião, e
não entendemos o que quer o senhor dizer com os seus padres.
Cândido,
a cada uma dessas palavras, cala em êxtase e dizia consigo: “Como tudo isto é
diferente da Vestfália e do castelo do senhor barão! Se o nosso amigo Pangloss
visse o Eldorado, não diria mais que o castelo de Thunder-ten-tronckh era o que
havia de melhor sobre a face da terra; não há dúvida de que é preciso viajar”.
[...] Cândido pediu para ver o palácio da justiça; disseram-lhe que era coisa
que não havia e que não pleiteavam nunca. Informou-se se havia prisões, e
disseram-lhe que não, o que mais o surpreendeu, e maior prazer lhe causou, foi
o palácio das ciências, no qual viu uma galeria de dois mil passos, cheia de
instrumentos de matemática e física. [...] Não me assiste o direito de reter a
estrangeiros; seria uma tirania que não está nem nos nossos costumes nem nas
nossas leis: todos os homens são livres; podeis partir quando bem quiserdes; a
saída, porém, é muito difícil. É impossível remontar a rápida torrente sobre a
qual chegastes por milagre e que corre sob as abóbadas dos rochedos. As montanhas,
que circundam todo o meu reino, têm dez mil pés de altura e são verticais como
muralhas; ocupam cada uma, em largura, um espaço de mais de dez léguas; e,
depois de galgadas, só é possível desce-las por perigosos precipícios. No
entanto, se quereis absolutamente partir, vou ordenar aos intendentes das
máquinas que construam uma que vos possa transportar comodamente. Depois de vos
conduzirem ao alto das montanhas, ninguém vos poderá acompanhar; pois os meus
súditos fizeram o juramento de nunca sair desse recinto [...] havia dois
grandes carneiros vermelhos para lhes servirem de montaria quando houvessem
franqueado as montanhas, – vinte -, outros carregados de viveres, trinta com
presentes do que o país possuía de mais curioso, e cinqüenta carregados de ouro,
de pedrarias e diamantes, o rei beijou afavelmente os dois vagabundos.
Resenha: O
Eldorado é o paraíso na terra. A dificuldade de entrar e sair deste local
inóspito talvez seja análogo à comunidade desconectada de qualquer outra
sociedade virulenta, só mantem-se paradisíaca justamente porque está longe das
regiões com culturas decadentes, que possuem problemas de tudo quanto que é
tipo. Essa aldeia inóspita é o que mais se assemelha ao bom selvagem, de
Rousseau. Candido e Cacambo saíram com tantas riquezas que viraram até barão.
Capítulo XIX - Do que lhes
sucedeu no Surinam e de como Cândido travou conhecimento com Martinho.
Resumo: Quando
trabalhamos nas usinas de açúcar e o rebolo nos apanha o dedo, cortam-nos a
mão; quando tentamos fugir, cortam-nos a perna: incorri em ambos os casos. É
por esse preço que os senhores comem açúcar na Europa. [...] Afinal o senhor
Vanderdendur, capitão de um grande navio, veio apresentar-se a ele.
—
Quanto quer – perguntou-lhe Cândido – para me levar diretamente a Veneza, com o
meu pessoal, a minha bagagem e estes dois carneiros?
O
capitão propôs dez mil piastras. Cândido não hesitou.
Oh!
Oh! – disse consigo o prudente Vanderdendur, esse estrangeiro desembolsa dez
mil piastras sem pestanejar! Deve ter muito dinheiro!
Voltando
logo depois, fez-lhe ver que não poderia partir por menos de vinte mil.
—
Por isso não haja dúvida – disse Cândido.
—
Sim senhor! – disse baixinho o comandante. – Com que então esse homem dá vinte
mil piastras com a mesma facilidade com que desembolsa dez mil!!
Voltou
de novo e disse que não podia conduzi-lo a Veneza por menos de trinta mil
piastras.
—
Bem, o senhor terá as suas trinta mil piastras – respondeu Cândido.
—
Oh! Oh! – pensou ainda, o holandês. – Trinta mil piastras não custam nada a
esse homem. Decerto os dois carneiros carregam tesouros imensos. Não
insistamos: agora é receber as trinta mil. Depois veremos. [...]
Cândido vendeu dois pequenos diamantes, o
menor dos quais valia mais que todo o dinheiro que exigia o capitão. Pagou
adiantado. Foram embarcados os dois carneiros. Cândido seguia num pequeno barco
para alcançar o navio na enseada; o patrão não perde tempo, põe o navio em
marcha; o vento o favorece. Cândido, estupefato e desvairado, perde-o logo de
vista. “Ela um golpe digno do velho mundo!” – exclama ele. [...] Isso acabou de exasperar a Cândido;
passara na verdade – por coisas dez mil vezes mais dolorosas, mas o sangue frio
do juiz e do comandante que o roubara lhe assanharam a bílis, mergulhando-o em
negra melancolia. [...] O referido sábio, que era aliás um excelente homem, for
a roubado pela mulher, batido pelo filho e abandonado pela filha, que se fizera
raptar por um português. Acabava de ser privado de um modesto emprego de que
vivia, e os pregadores de Surinam o perseguiam porque o tomavam por sociniano. Cumpre
confessar que os outros eram pelo menos tão infelizes quanto ele; mas Cândido
esperava que o sábio o distraísse durante a viagem. Os rivais acharam que
Cândido lhes fazia uma grande injustiça, mas este os sossegou, dando cem
piastras a cada um.
Resenha:
Candido ajuda um homem que não possui membros, em um ato de humanidade. Após
fazer isso, ele pede para que o levem até Veneza, e o navegante pede uma
quantidade de dinheiro, que nem fora contestada pelo Cândido. O navegante
entende que Cândido é rico e começa a extorqui-lo, fazendo um leilão de aumento
do preço de viagem até a chegada ao local. Com isso, o navegante separa Cândido
dos carneiros que estão com dinheiro, em duas embarcações, fazendo com que
Cândido perdesse certa quantidade de dinheiro ao cair em um golpe. Triste com
essa situação de armadilha e estelionato, Cândido resolve levar um homem a
tiracolo à viagem, com a condição de este homem ser sofrido e ter histórias sôfregas a
contar. Escolhe Martinho como companhia de viagem.
Capítulo XX – Do que aconteceu
a Cândido e Martinho durante a viagem
Resumo: O
capitão francês viu logo que o capitão do navio vencedor era espanhol, e o do
navio afundado um pirata holandês, exatamente o mesmo que roubara a Cândido. As
riquezas imensas de que se apoderara o celerado foram sepultadas com ele no
fundo do mar, e, do que vinha a bordo, só se salvou um carneiro.
—
Bem vê – disse Cândido a Martinho – que o crime é às vezes punido; esse patife
do capitão holandês teve a sorte que merecia.
—
Sim – disse Martinho, – mas era preciso que os passageiros que estavam a bordo
também perecessem? Deus puniu esse patife, o diabo afogou os outros.
Resenha: O
velho sábio chamado Martinho provou que era a mais desgraçada criatura da face
da terra, ainda mais com o agravo de ser maniqueu. Neste instante, há uma luta
no mar e, por coincidência de novela mexicana, o navio a afundar era o holandês
que tinha roubado Cândido em momento anterior (capítulo anterior). Cândido fica feliz em ver seu
desafeto destruído, mesmo sabendo que vidas inocentes foram vitimadas na
tragédia.
Capítulo XXI - De como
filosofam Cândido e Martinho ao avistar a costa francesa
Resumo: —
Com muito gosto – respondeu Martinho. – Dizem que Veneza só é boa para os
nobres venezianos, mas que no entanto recebem muito bem aos estrangeiros que
têm bastante dinheiro. Não o tenho, o senhor o tem, seguí-lo-ei por toda a
parte. [...]— Acredita – perguntou Cândido – que os homens se hajam sempre
massacrado, como o fazem hoje? – Que sempre tenham sido mentirosos,
trapaceiros, pérfidos, ingratos, ladrões, fracos, inconstantes, covardes,
invejosos, glutões, bêbedos, avarentos, ambiciosos, sanguinários, caluniadores,
debochados, fanáticos, hipócritas e tolos?
Resenha:
Aqui, Cândido e Martinho filosofam sobre a condição humana e os defeitos de caráter dos homens que nunca irão mudar.
Capitulo XXII - Do que
aconteceu na França a Cândido e Martinho
Resumo: Cândido
sarou e, durante a convalescença, nunca lhe faltou companhia à mesa. Jogavam à
grande. Cândido muito se espantava de que nunca lhe viesse um ás; Martinho não
se espantava nada. [...]havia um padre do Périgord, um desses sujeitinhos
expeditos, sempre alerta, sempre serviçais, descarados, aduladores,
complacentes, que espiam a chegada dos forasteiros [...]Quantas peças de teatro
há. em França? – perguntou Cândido ao padre.
—
Cinco ou seis mil.
—
É muito – disse Cândido. – E quantas peças boas existem entre estas?
—
Quinze ou dezesseis – replicou o outro.
—
É muito – disse Martinho.[...] O padre ofereceu-se para fazer as apresentações.
Cândido, educado na Alemanha, perguntou qual era a etiqueta e como se tratavam
na França as rainhas da Inglaterra.
—
Cumpre distinguir – disse o padre. – Na província, levam-nas à estalagem; em
Paris, respeitam-nas quando são belas, e lançam-nas ao lixo depois de mortas.
—
Rainhas no lixo! – exclamou Cândido.
—
É verdade – confirmou Martinho. – o senhor padre tem razão: estava eu em Paris
quando Mademoiselle Monime passou, como se diz, desta para melhor;
recusaram-lhe o que chamam, aqui, as honras da sepultura, isto é, de apodrecer
com todos os mendigos do bairro em um mau cemitério, foi enterrada,
inteiramente só, ao fim da. rua de Borgonha; [...]
—
É um pobre diabo – respondeu o padre – que ganha a vida falando mal de todas as
peças e de todos os livros; odeia a todos os que triunfam, como os eunucos
odeiam os que estão no gozo de seus atributos: é uma dessas serpentes da
literatura que se alimentam de lama e veneno: é um foliculário. [...]
O
padre achegou-se ao ouvido da marquesa, que se ergueu a meio, honrando a
Cândido com um gracioso sorriso e a Martinho com um nobre aceno de cabeça.
Mandou dar uma cadeira e um baralho a Cândido, que perdeu cinqüenta mil francos
em duas paradas; depois do que, cearam alegremente, e todos se admiravam de que
Cândido não se houvesse impressionado com as suas perdas; os lacaios murmuravam
entre si, na sua linguagem de lacaios; “Deve ser algum milorde inglês”. [...]
Suponho
– disse o padre – que a senhorita Cunegundes tem muito espírito e deve escrever
cartas encantadoras...
—
Nunca recebi nenhuma carta da sua parte – confessou Cândido. – [...]
o
dia seguinte, ao despertar, Cândido recebeu uma carta concebida nos seguintes
termos:
Meu
querido, já faz oito dias que estou enferma nesta cidade, [...]
Tendo
recuperado o seu sangue frio, Martinho declarou que a dama que se dizia
Cunegundes era uma tratante, que o senhor padre do Périgord era um tratante que
abusara da inocência de Cândido, e o esbirro um outro tratante de que seria
fácil desembaraçar-se. [...]
—
E por que prendem todos os estrangeiros? – perguntou Cândido. O padre do
Périgord tomou então a palavra e disse:
—
É porque um vagabundo de Atrebácia deu ouvido a tolices, o que bastou para
levá-lo a um parricídio, não como o de maio de 1610 [...]
O
normando que, por obra e graça de três outros diamantes, se tornara o mais
serviçal dos homens, embarca a Cândido e seu pessoal no navio que ia zarpar
para Portsmouth, na Inglaterra.
Resenha:
Aqui, Cândido, o padre e Martinho conversam sobre a cultura francesa, em que a
atriz jovem e bonita tem todo tipo de adulação, mas quando ficam velhas e feias
são jogadas na sarjeta, sem nenhuma atenção. A diversão dos franceses, vista no
padre e também no ator “crítico”, é criticar tudo, odiar tudo, mas com sorriso
no rosto, falsidade vinda do caráter. Indo para uma casa de repouso, Cândido
recebe uma atenção extra, tudo isso porque tem um pouco de dinheiro consigo.
Assim como qualquer lugar do mundo, o dinheiro abre portas, e na França não é
diferente. A madame anfitriã, cortesã, sensualiza Cândido, pois está de olho
nos diamantes portados pela personagem principal. Cândido, ao ficar com a
cortesã, “trai” Cunegundes. O padre, que está com eles pergunta se alguma vez
Cândido recebera carta de Cunegundes, eis que responde que nunca. E por um
milagre da coincidência, Cândido recebe uma carta de “Cunegundes”, dizendo que
ela estava numa cidade próxima a dele. Eles vão até este local, mas a polícia
estava a prender estrangeiros, o qual Cândido fora preso por tal razão. O crime
em averiguação era de parricídio (filho que mata pai). Cândido, após saberem que
ele está com boa quantia de dinheiro, é tratado muito bem, sendo solto em seguida,
diante tal pagamento de vintém. Na verdade Cândido caiu num golpe, pois não
tinha Cunegundes e também a policia queria passar um estelionato e ganhar um
agrado, tudo para tirar um pouco de dinheiro do Cândido.
Capítulo XXIII - Do que
viram Cândido e Martinho na costa da Inglaterra
Resumo: quatro
soldados, alinhados à sua frente, meteram-lhe cada um três balas no crânio, com
o ar mais tranqüilo deste mundo; feito o que, todos se retiraram muito
satisfeitos.
—
Que significa tudo isso? – disse Cândido. – E que demônio exerce por toda parte
o seu império?
Perguntou
então quem era aquele homem que acabavam de matar com toda a cerimônia.
—
É um almirante – responderam-lhe.
—
E por que matar esse almirante?
—
É – disseram-lhe – porque não matou bastante gente; travou combate com um
almirante francês, e acharam que não se mantivera suficientemente perto deste
último.
—
Mas – objetou Cândido – o almirante francês estava tão longe do almirante
inglês como este daquele.
—
Isso é incontestável – replicaram, – mas neste país é bom matar de vez em
quando um almirante para estimular os outros.
Resenha:
Assassinar por esporte. Aqui, Voltaire mostra toda a virulência do homem no
homem ao mostrar uma execução como lição de “vida” e motivação militar. A vida
não tinha valor naquela época, não sendo respeitada nem a patente elevada de um
soldado até mesmo almirante. O almirante foi morto por ser ineficiente
[entende-se nas entrelinhas que tal soldado é muito sentimentalista, por isso
teve que ser exterminado].
Capítulo XXIV - De Paquette
e do Irmão Giroflée
Resumo: A
rapariga era bastante linda e cantava; olhava amorosamente para o seu teatino e
de vez em quando lhe beliscava as polpudas bochechas.
—
Ao menos me há de confessar – disse Cândido a Martinho – que esses dois são
felizes. Até agora, em toda a terra habitável, só encontrei infelizes, exceto
no Eldorado; mas, quanto a essa rapariga e a esse teatino, aposto que são
criaturas venturosas.
—
Aposto que não – disse Martinho.
—
É só convidá-los para cear – respondeu Cândido – e verá se não tenho razão.
[...]
Tal
entrou no quarto de Cândido, lhe disse:
—
Como! Então o senhor Cândido não conhece mais a Paquette?! [...]
Minha
inocência de nada me teria servido se eu não fosse um pouco bonita, o juiz
absolveu-me sob a condição de que sucederia ao médico. Fui logo suplantada por
uma rival, escorraçada sem recompensa, e obrigada a continuar nesse ofício
abominável que parece tão divertido aos homens e que para nós não passa de um
abismo de misérias.
Resenha:
Cândido e Martinho viram uma espécie de caçadores de tragédia, pois avistam
dois enamorados “felizes” e resolvem convidá-los para saberem dos seus
passados, que mostra mais e mais desgraça como lição de vida. E por “coincidência”
da trama, estes dois cidadãos são Paquete e Geroflée, antigos criados da Mansão
do início do conto. Eram para estarem mortos, pois os búlgaros “mataram” todos.
Mas o fato é que quase ninguém morreu naquela ocasião, pois Voltaire ressuscita
as personagens para castiga-los mais e mais em vida, dando a entender que a
morte, naqueles tempos, era até mesmo um presente para acabar com o infortúnio do
viver. Paquete conta que só ficou viva graças à beleza [todas as mulheres do
conto sobrevivem por terem certa beleza e ser motivo de objeto sexual] e que
teve que virar meretriz para ganhar pão. Geroflée é um “noviço” que odeia a
igreja, por ser mais pecadora que os pecadores que os consultam.
Capítulo XXV – Da visita que
fizeram ao senhor Pococurante, nobre veneziano
Resumo: Cândido,
ao ver um Homero magnificamente encadernado, elogiou o ilustríssimo quanto ao
seu bom gosto.
—
Eis – disse ele – um livro que fazia as delícias do grande Pangloss, o maior
filósofo da Alemanha.
—
Pois não faz as minhas – disse friamente Pococurante. [...]
—
Vossa Excelência pensa o mesmo de Virgílio? – perguntou Cândido.
—
Convenho que o segundo, o quarto e o sexto livro da sua Eneida são excelentes;
mas quanto ao seu pio Enéias, e o forte Cloanto, e o amigo Achates, e o pequeno
Ascânio, e o imbecil rei Latinus, e a burguesa Amata, e a insípida Lavínia, não
creio que haja nada de mais frio e desagradável [...]Os tolos admiram tudo em
um autor estimado. Leio apenas para mim; só gosto do que está na minha medida.
[...]h! eis aqui um Cícero – disse Cândido. – Quanto a esse grande homem, penso
que Vossa Excelência jamais se cansa de o ler.
—
Nunca o leio – respondeu o veneziano. [...]
—
Quantas peças de teatro vejo aqui! – disse Cândido, – em italiano, em espanhol,
em francês!
—
São três mil ao todo – disse o senador, – mas não há três dúzias que prestem.[...]
Cândido, descobrindo um Milton, perguntou-lhe se não considerava esse autor
como um grande homem.
—
Quem? – explodiu Pococurante. [...]
—
Oh, que homem superior! – continuava Cândido a murmurar. – Que gênio esse
Pococurante! Não lhe agrada coisa alguma.
Resenha: Aqui,
na figura de Pococurante, uma espécie de contraponto intelectual de Pangloss,
Pococorante não vê beleza em nenhum livro clássico, mesmo tendo lido todos
eles. E isso faz com que Voltaire o considere um grande homem, pois vai ao encontro com a filosofia de vida sofrida de Cândido e as personagens do conto.
Ao fazer essa leva de critica, Voltaire ao menos mostra todo o seu arsenal de
sabedoria no campo da literatura clássica mundial. Pococorante não vê beleza
nem magnitude nos escritos, pois as grandes obras são superestimadas.
Capitulo XXVI - De uma ceia
que Cândido e Martinho fizeram com seis estrangeiros, quem eram estes
Resumo: amo
de Cacambo tomou então a palavra e disse gravemente em italiano:
Não
estou brincando, chamo-me Achmet III. [...]
Falou
depois um jovem que estava ao lado de Achmet:
—
Chamo-me Ivan; fui imperador de todas as Rússias; [...]
Disse
o terceiro:
—
Sou Carlos Eduardo, rei da Inglaterra; meu pai cedeu-me seus direitos ao reino
[...]
O
quarto tomou então a palavra e disse:
—
Sou rei da Polônia; a sorte da guerra privou-me de meus Estados hereditários;
meu pai sofreu os mesmos reveses; resigno-me à Providência, como o sultão
Achmet, o imperador Ivan e o rei Carlos Eduardo, a quem Deus conceda longa
vida, e vim passar o carnaval em Veneza.
Falou
então o quinto:
—
Também sou rei da Polônia. Por duas vezes perdi meu reino, mas a Providência
deu-me outro Estado [...]
Faltava
falar o sexto soberano:
—
Não sou tão grande monarca como Vossas Majestades – disse ele. – Mas afinal fui
rei como qualquer outro. Sou Teodoro; elegeram-me rei da Córsega; chamaram-me
de Vossa Majestade e agora apenas me chamam de Senhor. [...]
Os
cinco outros reis ouviram tais palavras cheios de nobre compaixão. Cada um
deles deu vinte sequins ao rei Teodoro, para comprar vestuários e camisas.
Cândido presenteou-o com um diamante de dois mil sequins. “Quem será esse
simples particular – diziam os cinco reis – que pode dar (e dá) cem vezes mais
que cada um de nós?” [...]
No
instante em que se levantavam da mesa, chegaram à mesma hospedaria quatro
altezas sereníssimas que também haviam perdido seus Estados pela sorte das
armas e que vinham passar o resto do carnaval em Veneza. Mas Cândido não deu a
mínima atenção aos recém-chegados. Só se preocupava em ir ter com a sua querida
Cunegundes em Constantinopla.
Resenha:
Aqui, Voltaire faz uma alegoria, em cima de um carnaval de Veneza, ao fazer o
encontro entre os reis e imperadores “caídos”, provando a todos que a desgraça
não recai somente nos menos afortunados. O que Voltaire quer defender é que a
vida é desgraçada e que os poucos tempos bons são exceção da regra. Com os
imperadores e reis caídos, Voltaire sustenta que nada é pra sempre, nada é
certo, qualquer um pode cair em desgraça, basta ter azar de acometer-se de
algum mal, seja guerra, golpe, intriga e etc. Voltaire, também exibe todo o seu
conhecimento em história.
Capítulo XXVII - Da viagem
de Cândido a Constantinopla
Resumo: —
Na verdade – disse ele a Cacambo, – se eu não tivesse visto enforcar mestre
Pangloss e se não me houvesse acontecido a infelicidade de matar o barão, julgaria
que são eles que estão remando nesta galera.
Ao
nome do barão e de Pangloss, os dois forçados soltaram um grito, estacaram e
deixaram cair os remos. O levantino acorreu, e redobraram os golpes de nervo de
boi.
Basta!
basta! – exclamou Cândido. – Eu lhe darei todo o dinheiro que quiser.
—
Como! É Cândido! – bradava um dos forçados.
—
É Cândido! – bradava o outro.
—
Estarei sonhando? Estarei acordado? Estou mesmo nesta galera? – indagava
Cândido. – É este o senhor barão que eu matei? É este Mestre Pangloss que eu vi
enforcar?
—
Somos nós mesmos, somos nós mesmos – respondiam eles.
—
Como! É esse o grande filósofo? – dizia Martinho.
—
Escute, senhor patrão levantino -- disse Cândido, – quanto quer pelo resgate do
senhor de Thunder-ten-tronckh, um dos primeiros barões do Império, e do senhor
Pangloss, o mais profundo metafísico da Alemanha? [...]
Como
foi que eu não te matei, meu caro barão? E tu, meu Pangloss, como é que estás
vivo depois de ter sido enforcado? E por que estão os dois em galés na Turquia?
—
É verdade que a minha querida irmã está nesse país? – indagava o barão.
—
Sim – respondia Cacambo.
—
Com que então torno a ver o meu querido Cândido! – exclamava Pangloss.
—
Cândido lhes apresentava Martinho e Cacambo. Todos se abraçavam, todos falavam
ao mesmo tempo.
Resenha:
Voltaire ressuscita mais os personagens do que o Dragon Ball Z. Aqui, vão duas críticas:
a primeira, já batida, de que ele volta à vida dos personagens para surrar um pouco mais no conto, para mostrar que a vida é doída de se viver; e no
segundo, é que, tirando Eldorado, parte nenhum do globo dá valor para pessoas
com estirpe, com nome a zelar, ou intelectual (como Pangloss), sendo que os tiranos,
quando querem, tomam à força o poderio e jogam no lixo a história e tudo que se
possa aprender com ela. Lembrando que toda essa saga de Cândido é feita somente
para reencontrar Cunegundes, o amor “eterno” dele.
Capítulo XXVIII - Do que
aconteceu a Cândido, a Cunegundes, a Pangloss, a Martinho etc
Resumo: —
Pois bem! meu caro Pangloss – disse Cândido, – enquanto eras enforcado,
dissecado, espancado e remavas nas galeras, sempre achavas que tudo ia o melhor
possível?
Mantenho
a minha primitiva opinião – respondeu Pangloss, – pois afinal sou filósofo: não
me convém desfazer-me, visto que Leibnitz não pode incorrer em erro, e a
harmonia preestabelecida é a mais bela coisa do mundo, bem como o todo e a
matéria sutil.
Resenha:
Voltaire, aqui, mostra o quanto que Pangloss é obtuso, pois só é convicto e teimoso
como uma mula porque é filosofo e, sendo pensador positivista, pois a dissonância
cognitiva entre a realidade e a convicção mostra um Pangloss derrotado tanto
pela vida quanto pela filosofia, que não é verdadeira. Voltaire já denunciava a dissonância cognitiva neste conto muito antes de Festinger fazer o estudo.
Capítulo XXIX - De como Cândido encontrou Cunegundes e a
velha
O primeiro espetáculo que se apresentou a seus
olhos,foi Cunegundes e a velha, a estender toalhas no coradouro. [...]barão
empalideceu. E o enamorado Cândido, ao ver a sua bela Cunegundes com a pele
tisnada, os olhos empapuçados, os seios murchos, as faces enrugadas, os braços
vermelhos e pelancudos, recuou três passos, horrorizado, mas em seguida
avançou, por delicadeza. Ela abraçou Cândido e o irmão; abraçaram a velha;
Cândido resgatou as duas. [...] Cunegundes não sabia que tinha ficado feia [...]
Disse, pois, ao barão, que ia desposar a sua irmã.
—
Jamais consentirei – disse o barão – tal baixeza da parte dela e tal insolência
da tua parte; essa infâmia nunca me será exprobrada: os filhos de minha irmã
não poderiam entrar nos cabidos da Alemanha. Não, a minha irmã só se casará com
um barão do Império.
Cunegundes
lançou-se-lhe aos pés e banhou-os de lágrimas; ele foi inflexível.
—
Louco varrido – disse-lhe Cândido, – eu te salvei das galés, eu paguei o teu
resgate, eu paguei o resgate da tua irmã; ela aqui lavava pratos, ela está
feia, tenho a bondade de desposá-la, e tu ainda queres opor-te! Por minha
vontade, eu te mataria de novo.
—
Podes matar-me outra vez – disse o barão, – mas, enquanto eu for vivo, não
desposarás minha irmã.
Resumo: De
novo, Voltaire faz uma critica ao conservadorismo de castas, pois, mesmo
Cunegundes ter mudado de padrão social, a convicção arraigada no barão é inflexível:
não deixa Cunegundes “casar” com qualquer um. Aqui, Voltaire marca território
ao garantir que o conservadorismo não está ligado ao status em si, mas na
convicção errônea feita pela tradição, passada de geração em geração, que é
difícil de ser quebrada. Cunegundes está feia, o que seria uma tendência, pela
moral vigente na época, abandoná-la, pois não possui a vantagem da beleza.
Porém, Cândido é relutante, reluta pois criticou várias situações semelhantes e
agora tem que dar amostra que não é hipócrita. Será que Cândido ficará com Cunegundes?
O último capitulo dirá.
Capítulo XXX – Conclusão
Resumo: Cândido,
no fundo do coração; não tinha o mínimo desejo de casar com Cunegundes. Mas a
inaudita insolência do barão o decidiu a efetuar o casamento, e Cunegundes
instava tão vivamente que ele não podia desdizer-se. [...] Martinho propôs lançar o barão ao mar.
Cacambo opinou que deveriam devolvê-lo ao capitão levantino e às galés,
enquanto não o mandavam para Roma, ao vigário geral. A proposta foi considerada
excelente; a velha aprovou-a; nada disseram à sua irmã; a coisa foi efetuada
com algum dinheiro, e tiveram o prazer de enganar um jesuíta e punir o orgulho
de um barão germânico. [...] Nada mais natural do que imaginar-se que, após
tantos desastres, Cândido, casado com a sua amada, e na companhia do filósofo
Pangloss, do filósofo Martinho, do prudente Cacambo e da velha, e ainda com os
diamantes que trouxera da pátria dos antigos incas, levava agora a vida mais
agradável deste mundo. Mas foi tão explorado pelos judeus, que afinal só lhe
restou a pequena granja. A mulher, cada dia mais feia, ficara rabugenta e
insuportável. A velha estava inválida e tornou-se ainda pior de gênio que Cunegundes.
Cacambo, que trabalhava na horta e ia vender legumes em Constantinopla, andava
exausto de trabalho e amaldiçoava o seu destino. Pangloss desesperava-se por
não poder brilhar nalguma universidade da Alemanha. Quanto a Martinho,
achava-se firmemente persuadido de que se está igualmente mal em toda parte, e
encarava tudo com paciência. [...]
—
Desejaria saber qual é o pior: ser violada cem vezes por piratas negros, perder
uma nádega, receber açoites dos búlgaros, ser batido e enforcado num
auto-de-fé, ser dissecado, remar numa galera, experimentar enfim todas as
misérias por que já passamos, ou ficar aqui sem. fazer nada?
Eis
uma grande questão – disse Cândido. [...]
Tais
palavras provocaram novas discussões; e Martinho concluiu que o homem nascera
ou para viver nas convulsões da inquietude ou na letargia do tédio. Cândido não
concordava, mas também não afirmava coisa alguma. Pangloss confessava que
sempre sofrera horrivelmente; mas, tendo uma vez afirmado que tudo ia às mil
maravilhas, continuava a sustentá-lo, mas não o cria. [...]
É
que viram chegar um dia à granja, e na mais extrema miséria., a nossa Paquette
e o Irmão Giroflée. Tinham em três tempos devorado as suas três mil piastras;
separaram-se, juntaram-se, brigaram, foram para a cadeia, fugiram, e afinal o
Irmão Giroflée tinha virado turco. Paquette continuava, por toda. parte, a
exercer o seu ofício, que não lhe rendia mais nada. [...]
o
trabalho afasta de nós três grandes males: o tédio, o vício e a necessidade.
[...]
—
As grandezas – disse Pangloss, são muito perigosas, conforme o testemunho de
todos os filósofos: pois, afinal, Eglon, rei dos moabitas, foi assassinado por
Aod; Absalão, suspenso pelos cabelos, foi varado com três dardos; o rei Nadab,
filho de Jeroboão, foi morto por Baasa; o rei Ela, por Zambri; Ochosias, por
Jeú; Atalia, por Joiada; os reis Joaquim, Jecofias, Sedécias foram
escravizados. Bem sabem como morreram Creso, Astíages, Dario, Dionísio de
Siracusa, Pirro, Perseu, Anibal, Jugurta, Ariovisto, César, Pompeu, Nero, Otão,
Vitélio, Domiciano, Ricardo II da Inglaterra, Eduardo II, Henrique VI, Ricardo
III, Maria Stuart, Carlos I, os três Henriques da França, o imperador Henrique
IV. Bem sabem que...,
—
Também sei – disse Cândido – que é preciso cultivar nosso jardim. [...]
—
Todos os acontecimentos – dizia às vezes Pangloss a Cândido – estão devidamente
encadeados no melhor dos mundos possíveis; pois, afinal, se não tivesses sido
expulso de um lindo castelo, a pontapés no traseiro, por amor da senhorita
Cunegundes, se a Inquisição não te houvesse apanhado, se não tivesses
percorrido a América a pé, se não tivesses mergulhado a espada no barão, se não
tivesses perdido todos os teus carneiros da boa terra do Eldorado, não estarias
aqui agora comendo doce de cidra e pistache.
Resenha:
Cândido, de Voltaire, têm elementos de sobra de outra obra clássica, chamada: Os Miseráveis,
de Victor Hugo. Voltaire, em Cândido, mostra toda a sua capacidade de
conhecimento técnico, seja na história e/ou literatura, mas peca na
inabilidade de desenvolvimento do conto, ao fazer o circulo vicioso das
possíveis mortes e os renascimentos das personagens principais. Conclui a obra
com o quadro de um grupo de pessoas fracassadas, muito delas doentes e inabilitadas,
pobres e fisicamente feias, que estão unidas pela atratividade de Cândido, que,
no final, pouco tem a oferecer a elas. Finaliza dizendo: “Temos que cuidar do
nosso jardim”. O primeiro passo para a felicidade é estar em harmonia com o que
já tem, sem querer desbravar o mundo para obter futilidades. Se cuidar do
próprio jardim tiver êxito, talvez vire, quem sabe, um Eldorado particular.
Voltaire refuta Cândido com maestria, pois não existe causa e efeito, o que
existe é viver.
Conclusão: Não gostei do conto.
Resumo/Resenha Livro: Cândido – Voltaire de Júlio César Nunes dos Anjos está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em http://efeitoorloff.blogspot.com.br.
Muito obrigada!
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