Por: Júlio César Anjos
“A Abolição é a aurora
da liberdade; esperemos o sol; emancipando o preto, resta emancipar o branco.” (Paulo,
p.71).
Com
essa exposição, alguém ainda tem dúvida que Machado de Assis é um realista com
verniz romancista? Se o leitor não entendeu, calma, a explicação virá logo como complemento. Segue:
A lógica é simples, Paulo, que era o revolucionário republicano, ironizou o fato de a
princesa Isabel ter assinado a abolição da escravatura; porém, não podendo ir
contra esse decreto bem quisto popularmente, o gêmeo de Pedro resolveu enviar
um teleguiado, uma ameaça, ao dizer que, se os republicanos não pegaram os
monarquistas nesta questão, pegarão os desafetos políticos de outra maneira.
Dito e feito, após a abolição, não deu dois anos da sanção da lei e a monarquia
caiu.
É
sabido, também, que na capa constam os irmãos Esaú e Jacó, mas na narrativa aparecem
os gêmeos Pedro e Paulo. Os dois são progênitos de Natividade, que possui esse nome não
por acaso, pois é o ventre do nascituro dos irmãos, mas também é o nascimento da disputa política em
questão. Perpétua, a tia que deu o nome para os dois gêmeos, é quem eternizou a
denominação dos dois rapazes, pois o motivo é simples: até hoje a obra do Machado de Assis é lida e se
fala sobre o conto e a seara entre os dois irmãos. Santos é o nome do pai, que, não obstante, protege os dois filhos. E Flora é a moça cobiçada pelos gêmeos. Flora merece um
parágrafo em especial.
Flora
significa florescer. Mas florescer o quê? Desabrocha tanto o aspecto de revanche entre os
irmãos quanto à disputa politica entre monarquia e república. Pelo lado romântico,
quando Flora aparece, acirra os ânimos dos gêmeos; ao passo que quando ela
morre, os irmãos arrefecem pelo ardil da animosidade. E no aspecto político, Flora
é a analogia do florescimento da república, que aparece como jovial, bonita,
saudável, revigorante, linda! Mas Flora morre, falecendo também esse entusiasmo,
já que o sistema republicano surgiu natimorto, nasceu de umbigo roxo. Até porque quem deu o “golpe” na monarquia foi
o tal do Flor(iano) [Deodoro foi o primeiro presidente, mas quem mandava mesmo
era o Floriano – os maçons sabem muito bem disso]. Até o conselheiro Aires,
para deixar uma ambiguidade na trama, tanto no aspecto amoroso quanto político,
afirmou que Flora era inexplicável.
O
mais interessante da obra é que Machado de Assis mantém fiel e fiável a
premonição da cabocla, no primeiro capitulo, ao dizer que haveria briga no
ventre, mas que, no fim, os gêmeos seriam grandes. Eles brigaram no ventre, no seio, na
loja, no quarto, na rua e até na política, mas, no final, viraram homens
grandes, um médico e o outro advogado, ambos respeitáveis nomes dentro do
parlamento. Outro fato curioso, também, é o conselheiro Aires atentar que é da
essência do Pedro ser mais governista, ao passo que Pedro é revolucionário de
coração. Pedro aceita a República e vira até político da situação, enquanto que
Paulo, entusiasta outrora republicano, vira oposição da república por
concepção. Ou seja, é da natureza de Pedro ser sempre da base, enquanto que Paulo
sempre será da turma da indignação.
Houve outros quiproquós no conto, como no caso
da tabuleta, que tinha como nome Império, mas estava a mudar o regime, sendo
que o dono ficava reticente em mantê-lo com nome de teor politico, temendo até
que as vidraças fossem quebradas, decidindo, no fim, colocar na tabuleta o nome
“Confeitaria do Custódio”, designação do dono do estabelecimento que todo mundo
conhecia e que não dessagraria ninguém. Mas isso é o de menos.
Todavia, o clímax do conto, por incrível que se pareça, se dá na coprotagonista da
estória, na morte da Natividade. Pela construção da personagem, diante de tudo
o que passara na obra, a morte de Natividade vira uma projeção do falecimento
da própria mãe, com o leitor se colocando no lugar dos protagonistas, ao virar
um drama até mesmo pesado naquele momento de pesar dos gêmeos da trama. A morte
da Flora é chocante; já a morte da Natividade é triste.
Por
fim, Machado de Assis não pôde ser mais específico, pois o escritor poderia ser
detido pelo regime republicano, virando um preso político naquela época. Mas a
clareza desta obra literária já ilumina àqueles que querem ver a verdade:
Mudou-se da monarquia para a república, mas “tudo continuou como dantes no
quartel de Abrantes”. Pouco ou nada foi alterado de efetivo, a não ser quem comandaria
o Brasil daquele momento em diante.
Portanto,
Esaú e Jacó, de Machado de Assim, é um realismo com plumagem de romantismo. Há
analogias que explicam a situação política/histórica daquele momento em
questão. A percepção do leitor é de um tom de crítica, de forma suave e com
eufemismo, da quebra de paradigma deste curso histórico. Enfim, por ser um trabalho impecável, este livro deveria ser o Magnum
Opus do Machado de Assis, pois é a melhor obra literária do escritor. Pena que poucos entendam assim. Mas fica a dica no ar.
Adendo 15/03/17: Os gêmeos nasceram em 1871, o mesmo ano em que Dom Pedro II conferiu o direito ao "Vente livre" aos escravos (liberta filho de escravos que nasceram a partir deste ano). Machado de Assis deu pista que foi aí, nesta aprovação legal, que começou a briga entre monarquia e república, com a queda da coroa. Agora tudo faz sentido.
Resenha Livro Esaú e Jacó – Machado de Assis de Júlio César Anjos está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em http://efeitoorloff.blogspot.com.br.
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