Por: Júlio César Anjos
Eis
que: “Alegria, Alegria”, do Caetano Veloso é a música mais famosa do período da
ditadura de regime militar. Mas o ouvinte sabe o significado da letra? Com uma
cifra cheia de metáfora, o certo é que, em tempos de censura, o escritor tinha
que se virar. E nesta música, em especial, Caetano conseguiu tapear o aparato
estatal muitíssimo bem. Porque tudo depende de traduzir o significado “Sol”
nesta partitura. Descobriu a mensagem, decifrou a decodificação. O resto é
proselitismo da música.
O
planeta Terra é regido pelo sistema solar. Diante desta informação, agora,
substitua-se o “Sol” por “Sistema”, mas com o intuito de ”sistema opressor” da
política. A partir deste ponto, com essa informação dá para decifrar a música
tranquilamente. Porque o “Sistema” é perverso. Além deste detalhe, outro ponto
importante é que toda vez que aparecer “eu vou” (ou por que não?), significa
que o Caetano irá contra o Sistema (contra toda critica que fora feita nos
versos anteriores). Portanto, tal agravo
dividir-se-á em estrofes a análise para ficar mais ilustrativo o conceito.
Segue:
Primeira
estrofe: “Caminhando contra o vento / Sem lenço, sem documento / No sol de
quase dezembro / Eu vou”. Neste ponto, caminhar contra o vento significa opor-se
ao sistema, um regime que prendia parasita social que estivesse sem documento, em
que mesmo que a repressão seja a mais severa (sol de quase dezembro é a época em
que o sol está a pico – verão escaldante), tal indivíduo irá contra tudo isso
(este sistema perverso). Sem lenço nem documento também significa liberdade.
Segunda
Estrofe: “O sol se reparte em crimes / Espaçonaves, guerrilhas / Em Cardinales
bonitas / Eu vou”. Ou seja, o sistema se
divide em: milícia (estado criminoso); em mídia, que faz distração com
espaçonave e na narrativa de espetacular a “guerra” nas guerrilhas; e também em
reger a cultura vulgar e estrangeira (Hollywood) – Cardinale era uma mulher linda e do cinema (crítica ao liberalismo
que torna a mulher objeto). Traz a crítica do sistema perverso, que maltrata o
liberal e distrai o povo com tais ferramentas.
Terceira
Estrofe: “Em caras de presidentes / Em grandes beijos de amor / Em dentes,
pernas, bandeiras / Bomba e Brigitte Bardot”. Nessa estrofe, basicamente é uma
critica da mídia cupincha da ditadura. Aqui, se faz crítica à mídia, propriamente
dita, conivente com o sistema repressivo. “Em caras de presidentes”, por
exemplo, traduz-se como a bajulação da mídia aos homens da bota; “beijos de
amor”, significa utilizar da “felicidade” como instrumento político (de que
está tudo bem); Na parte “Em dentes”, quer dizer sobre os sorrisos falsos nas fotos;
“pernas”, significa vulgaridade; “bandeiras”, tem o tom do patriotismo; “Bomba”,
configura-se à versão do conflito da guerrilha contada pelo viés dos militares;
“Brigitte Bardot”, cultura de Hollywood abarcando a cultura brasileira. Essas
são as críticas desta estrofe.
Quarta
Estrofe: ”O sol nas bancas de revista / Me enche de alegria e preguiça / Quem
lê tanta notícia / Eu vou”. Como já é sabido, o sol é o sistema repressivo. Mas
o que essa estrofe leva a crer, de forma errada, é que se enche de alegria e
preguiça o sistema, dando a entender, erroneamente, que talvez o sistema dê
alegria ao Caetano. Todavia, é justamente ao contrário, é quem lê tanta notícia,
ou seja, o leitor desta revista que o enche de alegria e preguiça, e não o “sol”.
Caetano fica feliz em ver que muita gente pratica a leitura; porém, desanima
quando vê que a pessoa está lendo “porcaria”.
Quinta
Estrofe: “Por entre fotos e nomes / Os olhos cheios de cores / O peito cheio de
amores vãos / Eu vou Por que não, por que não”. Continua a crítica às culturas
fúteis, como as revistas com mulheres maquiadas, com depoimentos rasos,
relacionamentos por conveniência no mundo da “arte”, e etc. E Caetano vai
contra tudo isso, pois não tem nada a perder.
Sexta
Estrofe: “Ela pensa em casamento / E eu nunca mais fui à escola / Sem lenço,
sem documento / Eu vou”. Se nas rodas de
grife fashion havia futilidade, na sociedade há conservadorismo considerado demasiado.
Então, enquanto a sua namorada pensa em matrimonio, coisa conservadora, Caetano
até mesmo abandonou a formalidade dos estudos, por ser muito revolucionário.
Porque ele é livre pra fazer o que quiser (sem lenço nem documento). O que é irônico,
pois, hoje, os revolucionários fazem da escola uma prisão, um cativeiro.
Sétima
Estrofe: “Eu tomo uma Coca-Cola / Ela pensa em casamento / E uma canção me
consola / Eu vou”. Naquela época,
docinho de amendoim era caro, imagina uma Coca-Cola; por isso não se tomava o
refrigerante como água, na hora de almoço de firma, como hoje, só se apreciava
o “néctar” na hora de lazer. E bem nessa hora a namorada o cobra responsabilidade
cultural (casamento), que o incomoda, sendo consolado por uma musica. “Ninguém
o entende”. [Coca-Cola pode ser também uma crítica à cultura americana no Brasil]. É o momento também de calmaria da repressão.
Oitava
Estrofe: “Por entre fotos e nomes / Sem livros e sem fuzil / Sem fome sem
telefone / No coração do Brasil”. Aqui, é basicamente Brasília (planalto), em
que fazia a repressão ao arquivar rebeldes por fotos e nomes, num lugar sem
cultura nem violência, que não há fome nem contato (até hoje Brasília é
desconectada do Brasil), mesmo estando no meio do país.
Nona
Estrofe: “Ela nem sabe, até pensei, / Em cantar na televisão / O sol é tão bonito
/ Eu vou”. Aqui, Caetano tem um lapso de vontade de fazer parte do sistema
opressor, pois na televisão o sol (sistema opressor) é encantador. A namorada de Caetano, que está com ele por ser revolucionário, nem imagina que ele chegou a ter essa vontade. Mas o lapso
passa e Caetano irá contra o sistema, justamente por causa da 10ª e última
estrofe.
Décima
estrofe: “Sem lenço, sem documento / Nada no bolso ou nas mãos / Eu quero
seguir vivendo, amor / Eu vou / Por que não, por que não...”. Porque Caetano
prefere ser livre a ser famoso e/ou rico. Prefere abster das opulências do
sistema a perder a dignidade da luta.
Essa
música é linda e seria honesta se, e somente se, Caetano Veloso não tocasse na Rede
Globo, para servir de distração para os petebas saquearem a nação. A criatura
engoliu o criador.
Um ano depois desta música foi baixada a lei AI-5.
O leitor pode também achar que o sol nesta letra refere-se ao sol dos Teletubbies. Fique à vontade.
Se houve algum equivoco, favor leitores, corrijam-me.
Análise: Alegria Alegria Caetano Veloso de Júlio César Anjos está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em http://efeitoorloff.blogspot.com.br.
ditadura
ResponderExcluir:(
ExcluirEXCELENTE.
ResponderExcluirPerfeito
ResponderExcluirInteressante seu comentário, mas existe duplo sentido na música toda. Além do que foi citado por você a música fala sobre estar sobre o efeito de LSD - Lenço Sem Documento (sem lenço sem documento), por isso o nome da música Alegria Alegria. O sol nas bancas de revista
ResponderExcluirMe enche de alegria e preguiça - Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos - Eu quero seguir vivendo, amor
Eu vou Por que não, por que não?
É interessante notar que o título da canção não aparece em nenhum instante na letra. "Alegria Alegria" era um dos bordões do apresentador de TV Chacrinha, um dos símbolos do Tropicalismo e que também foi homenageado por Gilberto Gil em "Aquele Abraço".
ResponderExcluirA canção, como foi gravada em estúdio e apresentada ao vivo no Festival da Record em 1967, era uma marcha-rancho, com ritmo psicodélico ditado pelo acompanhamento da banda The Beat Boys. "Os olhos cheios de cores" era uma referência ao psicodelismo em voga naquele tempo.
Quantos estrofes e versos tem na canção alegria alegria
ResponderExcluirNa verdade "Alegria, alegria" foi produzida mais como uma sátira a esquerda brasileira nacionalista, que no campo cultural desprezava influências internacionais. Não foi uma crítica tão direta a ditadura militar, pois a repressão começou agir fortemente no final de 1967 início de 1968. O compositor fala no livro Verdade tropical (1997) sobre as influências que utilizou quando compôs "Alegria, alegria".
ResponderExcluir