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Resenha do Livro: Triste Fim de Policarpo Quaresma

Por: Júlio César Anjos

Observação: Antes de tudo, que fique bem clara a questão: só entenderá o texto quem já leu o Livro: Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto. Quem não apreciou a leitura, não compreenderá o que fora escrito nesta resenha. Isso não impede a leitura, só dificulta a interpretação. Fica o aviso prévio.

Lima Barreto, embora utilize sempre em seus textos de deveras troças, nesta obra específica, intitulada: Triste Fim de Policarpo Quaresma, tal trabalho tendeu a uma rota mais inebriante. Doravante à estilística, o escritor ao menos foi fiel aos preceitos, possuiu a mesma linguagem coloquial que sempre executou de forma impecável em seus trabalhos de literatura. O foco principal desta escritura se deveu à crítica sobre os moldes da república que já nascia doente, ao passo que denunciava certos problemas sociais à época, como desigualdade de gênero, hierarquia militar e o comportamento dos brasileiros em geral. Como é rotina neste blog, esta resenha não será mais do mesmo, pois tenderá a focar mais na psique do protagonista do livro, além de algumas curiosidades mais.

O protagonista, de ficção, Policarpo Quaresma foi um homem dedicado ao patriotismo. Isso o cegou de tal forma que não conseguiu nem ao menos interpretar os sinais oriundos de suas crenças, em que o triste fim do homem da bota foi ser destruído por aquilo que mais acreditava. Ao menos, [parece-me], morreu decepcionado, pois, não sofreu de amores nem pode legar herança para um rebento, o homem esteve muito ocupado, a vida toda, a executar ordens de diligências torpes, do órgão militar. Com a fé na careira, perdeu o foco de como o viver. O problema nem foi na questão de repelir o gozo da vida mundana, mas de ter sido um idiota útil a vida inteira; morrendo como se fosse um descarte qualquer.

Policarpo Quaresma é uma fusão entre Joana D’Arc e Trotsky. Assemelha-se à guerreira, ao agir a defender uma colônia pela bandeira do cristianismo, na guerra dos 100 anos, sendo morta pela inquisição; e ao pensador bolchevique, que, após o grupo politico conseguir tomar o poder através da revolução, foi sentenciado à morte pelos mesmos sovietes. Enquanto homem de ação, Policarpo até matou um insurgente na revolta da armada; ao passo que, pela questão de intelectual, foi apenado ao hospício por ter feito um requerimento em tupi guarani.  Mas ao contrário das duas personagens de fato histórico, Policarpo tinha a chance de fugir do seu triste fim. Não o quis por convicção.

E a convicção de Quaresma levou à projeção psicológica, além da dissonância cognitiva, que gerou destruição. Ao analisar o processo que se gerou da criação do requerimento pela língua mãe do Brasil, o Tupi Guarani, a audácia fez com que Policarpo tivesse como sentença a sanidade duvidada, chegando ao veredito de ter que ficar alguns meses internado em um sanatório para se “recuperar”. Mas quem o mandou para o hospício? Justamente os seus pares, os militares, que taxaram o homem de louco simplesmente por não entenderem a questão cultural. Portanto, em um primeiro momento a convicção patriótica do Policarpo virou uma projeção ao ato de escrever em Tupi; chegando ao resultado de ser apenado por esta situação. E aí vem a dissonância: Quando acaba de ser “curado” e receber alta no hospício, Olga, sua sobrinha, por propor ao padrinho a começar a trabalhar em uma fazenda, fez com que Quaresma tivesse a brilhante ideia de virar fazendeiro, pois a agricultura era, aos olhos do protagonista, uma coisa muito nacional, projetando a convicção, de novo, só que agora na terra fértil do Brasil.

Mesmo fazendo um trabalho muito executado e pouco valorizado, Policarpo ao menos estava “quieto” lá na fazenda. Mesmo com as idiossincrasias sofridas pelo protagonista (como as questões de burocracia), ao menos levava a vida de forma normal.  O problema foi quando estourou a revolta da armada. Neste momento, Policarpo deixou a agricultura e aceitou ser “voluntário da pátria” [na verdade o alistamento era para defender Floriano da insurgência entre os militares], em que projetou, de novo, o patriotismo pela escolha de apoio ao Marechal, em que mais uma vez tapeou a realidade, não quis escutar os sinais enviados, tendo como fim à morte por causa de uma hostilidade patriótica qualquer.  Morreu pelo pedantismo da convicção; o que dá até um lapso de concepção de que, por ser tão tapado, até que mereceu o resultado esperado. Teve duas chances (após ser condenado ao hospício e a burocracia na fazenda) para ser racional e ver que ser militar não significa ser patriótico, mas mesmo assim Policarpo evitou os avisos. Complicado.

Saindo da mensagem que o autor passou diante do protagonista, ao ver algo mais geral, Lima Barreto também denunciou o machismo de patriarcado na Ismênia [com sua frágil saúde devido à insanidade mental da exclusão matrimonial], chegando ao óbito, além de criticar a ascensão de patentes militares sem lastro beligerante, ou seja, hierarquia de exército subindo ao poder mais com relação entre os comandantes do que pelos destacamentos de bravura por uma luta em guerra deflagrada. A superficialidade e a futilidade do meio social também fora colocada em uma perspectiva negativa, em que iluminava o culto da ignorância em criticarem alguém, por exemplo, que ande com livros sem ter graduação, com a frase conhecida: “não é nem Bacharel?”, além da alta classe da época achar que música seria coisa de vagabundagem. Todavia, além das concepções já citadas, houve a principal questão de todas no livro, que é melhor até explicar no parágrafo a seguir.

O que mais chamou a atenção nas denúncias feitas pelo Lima Barreto, no livro Triste fim de Policarpo Quaresma, se deu no inacreditável caso do menino que ficava toda hora gritando: “Queimou!”, pois ele estava observando a luta, como se tal disputa fosse um mero espetáculo ao ar livre. Enquanto havia a troca de disparos de balas de canhão entre os encouraçados e os “fortes”, na revolta da armada, os moleques assistiam tal ardil como se fosse um evento sem perigo algum, o que é realmente assustador, pois responde muito ao que acontece hoje no Brasil, em que há até mesmo uma guerra civil em curso [O Brasil é o país com o maior número de homicídios em números absolutos], já que há muito armamento nas mãos de traficantes e policia/exército entre o convívio das pessoas no morro. Além de a boemia manter-se na ativa, sob os investimentos de Floriano, em que o certo seria a população refugiar-se em suas casas com medo do conflito, mas não foi o que aconteceu e que não acontece hoje no Brasil. Não é de hoje que o brasileiro convive com guerra.  Por mais que seja só coincidência a criação do evento no livro com os dias atuais, espetacular o crime de hoje com essa obra que talvez tenha feito uma licença criativa, é crível saber que Lima Barreto, ao menos, previu a psique do brasileiro quanto à beligerância no próprio quintal. Por mais bobinho e insignificante que pareça, essa observação comportamental do brasileiro na obra foi sensacional.

Em última observação, também, não precisa ser detetive para saber que Olga virou, no fim do conto, uma feminista em ascensão.

Portanto, Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, é um manuscrito muito prolixo e cheio de filosofia vã. É maçante por querer passar mensagens de cunho social, para dar lição de moral e colocar em dúvida o reger vivencial daquele dado momento. Os jovens de hoje não vão consumir este livro da mesma forma que sorvem um Crepúsculo, por exemplo, pelo simples fato de ser realmente uma leitura chata, embora seja uma leitura sábia e inteligível. É uma apreciação mais científica do que apraz. Todavia, mesmo com tais dissabores, quem vos escreve recomenda esta obra clássica da literatura brasileira. O livro é sensacional!




1911: Essa denuncia do autor, do menininho gritando "queimou!", mostra que não é de hoje a questão do povo brasileiro estar ambientado com a violência.
   






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Resenha do Livro: Triste Fim de Policarpo Quaresma de Júlio César Anjos está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível emhttp://efeitoorloff.blogspot.com.br.



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