Por: Júlio César Anjos
Há
um comportamento no futebol sabido por muita gente, no qual time que tem
torcida muito saudosista é porque não está levantando taça na atualidade. Pois,
tem que recorrer ao antigo para refrescar o presente. O que é evidente. E isso
constitui que lembrar o passado, seja estudando história ou trazendo em voga
situações dos tempos que não voltam mais, é a coisa mais normal feita pela
civilização. É apreciar o que a humanidade já fez de bom – e de ruim – em
agraciar com os dias atuais, mas sempre olhando o porvir que está a emergir. Todavia,
na política, individuo qualquer achar que conseguirá resgatar o passado nos
mesmos moldes para a contemporaneidade, ou somente viver no pretérito achando que o
antigo é fenomenal – como fora perfeitamente explicada tal condição no filme
meia-noite em Paris, de Woody Allen –, é excentricidade que beira à loucura. O que foi transcorrido não volta mais! Ainda bem.
Diante
tal infortúnio, há um ensinamento budista que exprime bem a condição de ter que
se soltar das amarras do passado, se quiser peregrinar em bom caminho. Segue a parábola Estrada Enlameada, do zen
budismo:
“Tanzan
e Ekido caminhavam juntos numa estrada enlameada. Caía ainda uma chuva forte.
Junto a um cruzamento da estrada, encontraram uma bela moça que não conseguia
atravessar porque não queria sujar o belo kimono de seda que trazia.
-
Anda moça, disse Tanzan imediatamente. E, carregando-a nos seus braços,
atravessou-a para o outro lado da zona mais enlameada.
A
partir daí, Ekido ficou calado todo o caminho que percorreram até à noite. Ao
chegarem ao templo onde ficariam a pernoitar, Ekido não conseguiu se conter e
disse a Tanzan:
-
Nós os monges não nos aproximamos de mulheres. Especialmente se são jovens e
bonitas. É perigoso. Por que fizeste aquilo?
- Eu
deixei a moça lá atrás - disse Tanzan. Tu ainda estás a carregá-la?”
Embora
não se possa apagar o histórico, por ter se concretizado, não se pode também
deixar de esquecê-lo, pois é preciso aprendê-lo para não cometer o mesmo
equivoco. O bom é lembrar-se de coisas boas; porém, o trágico é se remoer por
ter testemunhado alguma injustiça, algum ato aturdido. E, no Brasil de hoje,
infelizmente, a inquietação do passado emerge pelo rancor, como presente. Por
isso a política mexe e remexe na dialética luta entre extremistas, o que, de
fato, não agrega nada para as pessoas que vivem problemas reais do dia-a-dia,
como se a paixão excessiva funcionasse para algo especial, a verdade é que o radical
não serve pra nada. A história já se fez. Ponto final.
Contudo,
remoer os tempos remotos, diante de algum ultraje vívido, faz paralisar o contemporâneo, ancorando, por sua vez, o futuro, por ter algo não resolvido em pleno
funcionamento. Com toda essa carga de passado, que gera revanchismo no
presente, inibe, certamente, o sucesso no amanhã. É como, por exemplo, se uma
pessoa, por ter sido agredida na antiguidade, tivesse alvará para cometer malfeitos
na atualidade, já que o porvir se sujeitaria de se explicar, pois o fim
justificaria o meio. Nada mais banal e primitivo ao mesmo tempo. O errado é
errado, mesmo que se tenha justificativa, mesmo que tenha motivação real. Porque, como dizia Chaves do desenho animado, "A vingança nunca é plena; mata a alma e a envenena".
É
por isso que esse crescimento extremista se reflete na política, em que Jean Wyllys e Bolsonaro cristalizam esse revanchismo. É o tal conflito entre teses e
antíteses que recaem na malfadada troca de cuspes – que poderia ser uma
alegoria para troca de tiros, caso tivessem armas em punho. É o ódio contumaz.
Só resta saber, então, se esse desafeto é puramente estratégico ou é algo que
está encalacrado no coração dos malogrados. Portanto, só há duas explicações
para o extremismo político terminar em catarro: 1) Estão somente usando da
ferramenta politica reparada por Ulysses Guimarães, “Em política, até raiva é
combinada”, sendo um mero teatrinho de hostilidade para captar votos de
extremistas; 2) Ou é raiva mesmo, por causa do revanchismo em voga. Porém, essa
bifurcação racional leva ao mesmo caminho do passado: o ódio dos ideais
drásticos. É, portanto, o excesso de pretérito, que, certamente, está fazendo
mal, no âmbito social, para o país.
E
isso faz passar uma mensagem radical ao país, perde-se o decoro, em que faz o
povo em coro perder também a moral. Abrem-se as sendas para conflitos dos mais
variados, chegando ao ápice até de separação de família, por causa das diferenças
ideológicas sociais. Por isso que ser centrado, tanto no convívio do dia-a-dia
quanto na política, é essencial.
Pois bem, com tanta salivação, então, qual é a solução? Entre coxinhas e mortadelas; o banquete da vovó! Entre o
vermelho e o verde-amarelo; o azul do céu de brigadeiro! Entre mulheres e
homens; um bebê fofinho! Entre negro e branco; um mulato viril! Entre pobre e
rico; a classe média em vigor! Entre Homo e Hetero; o amor! Entre
extrema-esquerda e extrema-direita; o caminho do meio!
Quando
alguém vier com o papinho entre Ustra e Marighella, ou até mesmo pondo tudo
culpa no FHC (!), explique para os extremistas, como na parábola da estrada
enlameada do zen budismo, que você deixou o ódio lá atrás; e finalize com a pergunta retórica:
você ainda continua a carregá-lo?
Portanto,
chega de ditadura, tanto de direita quanto de esquerda, chega de revanchismo,
chega de ódio, chega da audácia de querer usar do poder político para impor,
pela violência – física ou não -, o que assim deseja, sendo um tiranete de meia-tigela. A diretriz política será orientada pelo caminho do meio, a terceira
via, pelo centrismo. Olhos para o futuro, cimentados pelo presente. O passado jaz!
Tchau, querida; e ditadura nunca mais!
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Baseado no trabalho disponível emhttp://efeitoorloff.blogspot.com.br.
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