Por: Júlio César Anjos
Caso
alguém não tenha assistido ao filme - Cinderela, e não queira saber sobre os
“spoilers” remetidos ao texto, favor descartar a leitura do artigo. Mas se a
pessoa não se importar com as revelações ofertadas no conteúdo, pois está mais
preocupada com o aspecto “inteligível” do contexto, é contumaz que aprecie a
leitura de ocasião. Àqueles que compreendem a essência e também assistiram o
entretenimento, a resenha será mais compreensível que nos dois casos citados
anteriormente. Dada à informação, que se esclareçam as fundamentações da
película da Disney.
Novamente,
para deixar claro, o filme Cinderela (2015) é muito bom. Como entretenimento é
excelente. É notório saber que a Disney geralmente faz filmes com a paleta de
cores frias, o que dá um aspecto qualitativo à película, sem criar a gama de
cansaço de explosão de pigmentos, como acontece com outras animações de
produtoras concorrentes. Esse aspecto mais lúgubre dá o requinte do trabalho
cinematográfico da produção hollywoodiana. O cuidado com a ambientação, por ser
um desenho de “época”, as ligações narrativas, as ilustrações qualitativas, e
as informações das narrativas do conteúdo formam a excelência do produto formatado
e criado pelos estúdios Disney. O
problema recai mesmo, assim como aconteceu no Filme Malévola, no aspecto de
Semiótica.
Primeiro
que se faça uma análise (dividir em partes) do teor da película, a fim de
promulgar melhor entendimento do embasamento escrito, pois fica mais fácil e
inteligível compreender o que se passa no filme de Cinder-Ela, a promíscua. O período narrado na película não é divulgado,
apenas há de se fazer ilação sobre a datação do enredo, sendo que, ao menos, é
fácil visualizar que o momento vivencial da narração se dá à época rococó.
Outra questão é que Cinderela é um termo pejorativo em fusão entre Cinder e Ela.
(Cinder = Escória; Ela = Nome da personagem principal), “apelido” dado pelas
irmãs postiças, filhas da madrasta do filme.
O
período é certamente rococó. Mas será que dá para precisar a data? Talvez. Se o
filme Cinderela é uma narrativa sob o aspecto do contexto do quadro: O Balanço,
de Jean-Honoré Fragonard, então a data exata da ilustração é 1767 (ano da
criação da pintura em questão). Essa pintura revela o aspecto tradicional das
famílias da época rococó, em que perder o sapatinho significava perder a
virgindade, o que era um escândalo na época. Também possui influência de
Rousseau, e todo o aspecto de contato com a natureza. Mas o que mais chama a
atenção é a decoração da casa de Cinderela, com quadros do período EDO
pendurados na parede. Embora o pai seja mercador (vê pluralidade cultural pelo
ofício), o nu nessa época era apresentado somente em quadros renascentistas
(querubins e deusas), não podendo retratar o nu sem que houvesse um aspecto de
pureza espiritual. A arte japonesa do período Edo começa a pintar mulheres
nuas, ao passo que influencia o classicismo fazer o mesmo na Europa. Ou seja,
embora a família de Cinderela seja “margarina”, há uma flexibilidade em relação
ao conservadorismo na época.
Quando
a mãe de Cinderela morre, a tutora dela profere a seguinte frase: Seja gentil e
corajosa (“Have courage and be kind”), o que pode ser traduzido pela
etimologia, tanto latina quando ao anglo saxão, que deve ter coragem e ser
bondosa e/ou “gentio” (não ser judia), ou seja, não se apegar ao
tradicionalismo e ser corajosa por ser diferente. Mas isso é somente ilação. Os
pais morrem, a madrasta toma conta e Cinderela vai cavalgar. Cavalgar? No
período rococó? Pois é, além de cavalgar sozinha, ainda monta no cavalo como
homem, mostrando a frouxidão cultural que começara a cimentar. As mulheres
nessa época cavalgavam em companhia (justamente para haver testemunha e coibir
fofoca) e montavam de “lado” na cela, justamente para não perder o “selinho” (a
virgindade). Cinderela cavalgar como homem não é erro do filme é de propósito
para mostrar que a personagem principal é avançada para o seu tempo.
Continuando
o surrealismo, Cinderela, ao ver um cervo em perigo por causa dos caçadores,
fala com o animal (ela fala com animais e a Disney acredita mais em fadas do
que em Deus), que foge em segurança. O caçador é o príncipe, mas Cinderela não
sabe disso, que conversam (príncipe muito legal, pois fala com uma mulher que
cavalga como homem), e no ápice do dialogo, sai a seguinte frase de Cinderela:
“Só porque é feito, isso não significa que deve ser feito”. Ou seja, quebra de
paradigma. Se for analisar, também, o
aspecto que tanto o príncipe (que vira rei) quanto cinderela são órfãos de pai
e mãe, isso significa também quebra de paradigma, já que o patriarcal fica de
fora, já que família também é uma instituição que tende a manter o tradicionalismo
(Rousseau Ad Hoc). Se no aspecto simbólico, Cinderela vinha de uma família “margarina”,
para fazer contraponto, para mostrar que cada caso é um caso, a família da
madrasta é decadente. A madrasta também é má por causa das circunstâncias (viúva
de dois maridos), além de também ser maldosa por causa do instinto animal de
proteger os rebentos (as filhas). Cinderela até tenta unir essa família “alternativa”
pós-morte dos pais naturais, por ser uma pessoa boa, mas o aspecto matriarcal
preconceituoso e defensivo, diante do aspecto natural, faz a madrasta ser “feia”,
por isso que o “conservadorismo”, na visão progressista da Disney, é péssimo.
Outra curiosidade exposta na película se dá pela
caracterização do nome da personagem do príncipe, que no filme se chama Keats, que
é homônimo a do escritor/pensador romancista/modernista do fim da era rococó e
começo da época do neoclassicismo, John Keats. Abre parênteses: O leitor sabe a
diferença entre o romantismo e o modernismo? No romantismo, o pretendente flerta
e depois faz sexo. No modernismo, o pretendente faz sexo e depois flerta. Fecha
parênteses. Keats, o poeta, cunhou a
expressão: “Habilidade Negativa”, que descreve a capacidade dos seres humanos
transcenderem e reverem conceitos. Ou, pelo Wikipédia (EUA): “Esta tese de
capacidade negativa aborda o problema do agente (social) em relação à
estrutura. Ela reconhece as formas da estrutura de moldagem e a sua influência
sobre o indivíduo, mas ao mesmo tempo o indivíduo encontra capaz de resistir,
negar, e transcender seu contexto. Ao contrário de outras teorias da estrutura
e do agente (social), capacidade negativa não reduz o indivíduo a um ator
simples possuindo apenas a dupla capacidade de complacência ou insubordinação,
mas o vê como capaz de participar em uma variedade de atividades de auto-empoderamento.“
Ou seja, o poeta é livre para criar. Tanto é que o príncipe transcende, deixa de
ser preconceituoso e até mesmo casa com a Cinderela, uma plebeia bem de vida
(sim, nessa época existiam plebeus ricos).
Mas
a bizarrice maior, talvez, no filme se dá pela simbologia da perda do sapatinho
e a procura da pretendente pelo rei. A representatividade semiótica de perder o
sapatinho é o mesmo de a mulher perder a virgindade. Se observar pelo prisma da
praxeologia da época, houve, portanto, uma festa, em que existiram boatos que
alguém perdeu a virgindade naquela festividade agraciada pelo rei. Mulher sem
virgindade antes do casamento, naquela época, era ultrajante, a sociedade não
perdoava tal situação. Todavia, após o povoado saber que quem desvirginou uma
moça na festa fora o próprio rei, que procurava a pretendente porque gostou da “fruta”,
todas as mulheres (TODAS) disseram em alto e bom som que fizeram sexo com o
rei. Todas as mulheres daquela colônia se autodeclararam PROMISCUAS. Pois, se
perder o sapatinho é sinal de perda de virgindade, vestir o sapatinho perdido é
confessar que não é mais virgem. Em suma: todas as mulheres do povoado afirmaram
que “deram” para o rei antes do casamento. Qual é a lição que fica? Se o rei, monarca
tradicionalista, transou com uma mulher antes do casamento, então é lícito que
as mulheres transem antes de casar. “Só porque é feito, isso não significa que
deve ser feito”, ou só porque todo mundo só faz sexo depois de casar, que deve
continuar com esse atraso.
Portanto,
embora a simbologia seja um tanto quanto evolucionista, que atende uma agenda
progressista, a película tem qualidade cinematográfica de animação. Como
produto de entretenimento, no aspecto de fuga da realidade, como algo
simplesmente para diversão, o filme atende a necessidade do espectador. Porém,
ao prescrever uma semiótica dentro de um conto animado, sendo configurada para
o público jovem, tal inserção, seja pelo subconsciente ou inconsciente coletivo
das crianças, torna-se mais uma ferramenta para desestabilização da realidade,
jogando a utopia como alternativa do viver, tal anomalia pode subverter até mesma
a cultura de uma civilização, profanando o cotidiano do individuo. Deve haver um limite entre propaganda
progressista e doutrinação infantil, pois a fusão desses componentes pode jogar
o ocidente, até mesmo, ao caos social. O maior perigo encontra-se justamente
naquilo que parece ser inocente, mas, ao analisar profundamente, é a coisa mais
nefasta fingindo ser o que não é: uma obra pueril.
Deixem
as crianças serem crianças e escolherem o que querem ser quando ficarem
adultas. Parem de doutrinação!
Cinderela, nesse momento, simbologicamente consuma o sexo com o príncipe. |
OBS: Quando os dois (Cinderela e príncipe) somem da festa, e aparecem no parquinho com balanço - e Cinderela deixa escapar o sapatinho, tal simbologia significa que os dois fizeram sexo. Cinderela foge de vergonha. Mas o amor é maior e, o príncipe após ter virado rei, parte em busca da paixão "proibida" e improvável, indo contra o elo conservador da época.
Cinder-Ela, a Promíscua de Júlio César Anjos está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em http://efeitoorloff.blogspot.com.br.
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