Por: Júlio César Anjos
Caso
alguém não tenha assistido à série – Sense-8, e não queira saber sobre os
“spoilers” remetidos ao texto, favor descartar a leitura do artigo. Mas se a
pessoa não se importar com as revelações ofertadas no conteúdo, pois está mais
preocupada com o aspecto “inteligível” do contexto, é contumaz que aprecie a
leitura de ocasião. Àqueles que compreendem a essência e também assistiram o
entretenimento, a resenha será mais compreensível que nos dois casos citados
anteriormente. Dada à informação, que se esclareçam as comparações
fundamentadas do trabalho elaborado pela Netflix.
Antes
de tudo, que se estabeleça a verdade: o seriado é muito bom! Na questão de
qualidade técnica de filmografia, construção das personagens, ambientação das
cenas, as fotografias e até mesmo as interpretações dos atores - que são bem
convincentes -, tais ferramentas valorizam ainda mais o produto em questão. Se
o leitor não se incomodar em ver “pênis balançando” na tela, sexo explícito
entre homossexuais, beijos e clichês intermitentes, além da cacofonia
insistente da causa a ser defendida pelo programa, o assistente pode visualizar
o conteúdo, porque vale a pena se entreter.
Mas
o problema do seriado, por incrível que pareça, não recai na difusão profunda
do apoio a causa gay. Até porque o homossexualismo é só parte do todo que é
estabelecido no conceito de sinergia (o todo é maior que a soma das partes) da
trama. Há outros meandros filosóficos abissais que estabelecem conceitos e
tentam quebrar paradigmas culturais, que estão impregnados no globo terrestre. Há
o aspecto geral de se ater na primazia da essência sobre a forma, em que o mais
importante é uma substância do ser, que pode ser moldada e não se ater a uma
forma pré-concebida que já veio gerada. Esse é o paradoxo complexo do seriado
que a produção tende a esclarecer.
Sense-8
é um seriado rico em comportamentos gerais, além de filosofias que moldam e
emolduram o pensamento atual do ocidente. Já no inicio da película, o
entretenimento tenta explicar a ligação entre as personagens através da ligação
límbica (a mesma ligação existente entre gêmeos do mesmo vitelo – o que um faz,
o outro sente). Já para haver sintonia entre os “sensíveis”, há duas formas de
interação: 1) Através de drogas (menos usual); 2) Através de catarse, seja pela
explosão de felicidade ou tristeza (mais usual). Há a sintonia por situação de estresse (um dos elementos precisa de alguma ajuda), mas que pode ser fundido com a catarse.
No
caso das drogas, é interessante que a loirinha faça conexão através do haxixe,
que era uma droga muito utilizada pelos escritores do clube do haxixe
(encabeçado por Gérard de Nerval - 1814), que fazia experiência com drogas. Tal
situação fez com que, posteriormente, no campo de psicoterapia, Timothy Leary
cunhasse a expressão: “Ligue-se, sintonize-se e caia fora”, que convergia com a
corrente tendente da época (era de aquarius). O psicólogo de Harvard, porém,
fez experiências com LSD, que é geralmente usado em raves, em que, por
coincidência, é o local de trabalho da loirinha (ela é DJ). Mas o aspecto de
ligação por sentimento (catarse), a explicação pode vir do inconsciente
coletivo de Jung, através da neurose estudada pelo chefe da tribo xamã. Jung
viu que o chefe da tribo, após rituais, realmente virava um animal (seja uma
raposa, um lobo, ou uma águia, tanto faz), pois se conectava, através do
inconsciente coletivo, gerada por explosão de sentimento (o chefe da tribo
contava com ajuda de algum tipo de droga no ritual). Portanto, seja por droga
ou catarse, os oito elementos da série se ligam, se sintonizam e caem fora da
realidade.
Outra
coisa interessante é que, frequentemente, as personagens se perguntam: “Quem
somos nós?”. E se existem nós, aí então entra outra percepção: “Quem são
eles?”. Nesta parte específica, o telespectador brasileiro cai na errada
percepção que é uma divisão social, pois o empirismo nacional promulga tal
condição. Até porque os 8 sensitivos perfazem o estereótipo das minorias e/ou
classes oprimidas da sociedade, fazendo, até mesmo, o vilão ser: 1) Homem; 2)Branco;
3) Rico; 4) Da elite. Sem falar que atende a agenda progressista da esquerda,
que praticamente despeja dinheiro no ocidente e os resultados são abaixo do
investido (pela grana já gasta em tentar modificar ser humano, já era para ter
alguns resultados maiores). Há realmente
essa relação de chantagem social da esquerda, sem dúvida, mas o principal foco da profunda pergunta recai
em alguns elementos perceptíveis no enredo. Quem quiser se aprofundar, basta ver o
documentário: “Quem somos nós”, que é uma espécie de ensaio sobre o sense-8,
que mostra várias condições dos ungidos diferenciados. No entanto, o principal fator
é, no fundo, dar ênfase ao pensamento do filósofo americano Emerson, que era
contra a divindade de Cristo e as instituições, cunhando os seguintes
pensamentos no livro Self-Reliance: “O público deve prestar atenção a suas
próprias ‘leis interiores’ antes de dar ouvidos às expectativas da sociedade ou
da crença religiosa. É o individuo que é verdadeiramente sagrado, não as
instituições”. E em uma palestra em Harvard, Emerson diz: “Deus se encontra
encarnado em cada homem e mulher”. Portanto, os oito sensitivos são, na
verdade, deuses.
Mas
por que, afinal, são oito indivíduos no contexto da trama? A princípio, parecia
que o oito era somente uma representação do símbolo do infinito. Como o
universo não possui esquina, o número oito estar em pé e o símbolo do universo
estar deitado, é pura convenção criada pelos homens. Portanto, é crível que o
símbolo do infinito seja representado como um oito. Ao pesquisar o Wikipedia,
o número oito só transmite, em questão simbológica, a resposta de ser
considerado um número de sorte para os chineses. Mas também é algo bem
superficial, blasé, não configurando o porquê da escolha de oito indivíduos num
mesmo grupo. A resposta pode vir na doutrina do zen budismo, no nobre caminho
óctuplo. As personagens, embora tenham que cometer até mesmo crimes de grande
monta, agem de forma “inconsequente” porque as instituições os perseguem, além
de não ferirem nenhuma regra ética e moral da filosofia Sindarta Gautama. No
aspecto de zen budismo, também, há a configuração de seres celestes, que são Buddhas
ou Bodhisattvas: “seres iluminados que se privam daTerra Pura para ajudar os
outros”.
Enfim,
sense 8 é muito mais do que um amontoado de exigências da agenda progressista,
que cria animosidade entre polarizações,
pois há muito mais na película do que somente se ater a picuinhas. Há de sempre
lembrar que a série original da netflix é feita pelo mesmo diretor de Matrix,
portanto, a narrativa do conteúdo é sempre rica em aspectos filosóficos e cientifico,
por mais que pareça inofensivo, atende a uma linha de raciocínio determinista
pela elite ocidental. Se o telespectador não for ignorante (no sentido de
ignorar), a série é muito bem narrada, desenvolvida, e tratada de forma que promete
o que cumpre: ser um produto para diversão. Porém, como objeto para a vida real
do dia-a-dia, a filosofia revolucionária, ao ser tratada como algo palpável
para utilização social, gera mais confusão a partir do nada, com cisão profunda
na sociedade a ser atribulada por algo irreal, tão surreal que é utopia. Porque, como disse Nathanael Hawthorne: "A primeira tarefa de qualquer sociedade utópica é designar um local para o cemitério e outro para a cadeia". É
nonsense.
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Obs:
Eu cantei junto com as personagens quando tocou “Whats’up – 4 Non blondes”. Então, pergunto: Whats going on?
Obs2:
Os dois “milhares” que aparecem na roupa da coreana presa são números primos.
Obs3:
Existem várias situações pequenas na série, que ficaria difícil apontar todas
sem que se faça um livro. Por exemplo: a cena dos gays cultuarem Diego Rivera,
que era marxista comunista no México, que era casado com Frida Kahlo (que já
foi namorada do Trótsky).

Non-Sense-8 de Júlio César Anjos está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em http://efeitoorloff.blogspot.com.br.
Ver: "o mundo flutuante" budista, do período Edo. É uma filosofia que diz que tudo é uma "ilusão". E busca pelo prazer fugaz. É uma filosofia que bate com os termos que o Sense propõe defender.
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