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Pinturinha de Rembrandt

Por: Júlio César Anjos

Rembrandt foi um pintor proeminente, no período renascentista, em que ficou famoso por pintar autorretratos, quadros lúgubres e caliginosos, em contraste ao movimento da época, em que a tendência era pinturas rococós, policromáticas e iluminadas – como Michelangelo, Rafael, entre outros.  Porém, o famoso pintor holandês dava perspectiva ao perfil a ser pintado, deixando em evidência a face do individuo que fora repassado ao afresco. Aquilo que pela turbidez parecia ser algo caótico, ao perceber o trabalho pela ilustração, transparece na verdade o contrário, o refino da organização, do padrão e do equilíbrio. Daquilo que parece o caos, a situação gera uma espécie de epifania visual, em que tudo está controlado, no devido lugar, e bem explicado pela narração. Todavia, por incrível que pareça, os melhores quadros de Rembrandt estão nos retratos de grupos.

Quem olha a perspectiva de Rembrandt, em um primeiro momento se defronta com o caos. Mas se analisar os detalhes, as nuances, as minucias, o apreciador se deparará com várias pequenas situações dentro do todo, ou seja, vários enredos dentro do contexto. Não é regra geral, pois há exceção, mas a ilustração tende a gerar a narrativa e a narrativa tende a gerar a ilustração. Apesar de um fato ser um fato, quem conta a história pode relativizar muita coisa, até mesmo suprimir a verdade porque tem a imagem e a informação.

Cristo na Tempestade no Mar da Galileia

Como é o que acontece no afresco: Cristo na Tempestade no Mar da Galileia. Se um sujeito olhar o quadro de relance, tal observador dirá que: “o barquinho vai virar”, em que leva a entender que acontecerá um acidente em breve. O artista (Rembrandt) não quer que o apreciador cultural faça esforço de futurologia, mas que deslumbre dos detalhes que acercam o contexto geral naquele instante retratado pela ilustração. E as informações revelam bem mais que uma possível tragédia em curso.

No quadro em questão (Cristo na Tempestade no Mar da Galileia), há várias partes a contar, sobre pequenas narrativas do barco à deriva da tormenta.   Primeiro, a personagem dos homens (figuras no quadro) tentando controlar o barquinho ao meio o caos. Se analisar a pintura, há uma corda arrebentada, o que daria a entender que as velas estariam fora de operação – por estarem danificadas -, em que seria um esforço desnecessário controlar o barco na situação em questão. Há, também, um homem no “parapeito” do barco, o que pode ser que esteja vomitando, mostrando que, mesmo no momento de tensão, a pessoa para tudo para fazer necessidade fisiológica. Há também Cristo no barco, em que está envolto a alguns seguidores, que, sabendo que nada podem fazer no dado instante, se juntam ao messias a esperar, e aceitar, pacificamente o futuro que virá. E, por fim, o próprio Rembrandt está se segurando na corrente de ferro, mas, diante de tudo que está acontecendo, observa o apreciador do quadro, em que faz a inversão de situação, em que a personagem do afresco olha para o observador.

Nesta ilustração específica há várias pequenas narrativas. Se utilizar pela metonímia, uma parte pode virar o todo, e qualquer personagem do quadro poderia ser considerado um aspecto de narrativa crível, válida. Poderia dizer, por exemplo, por que não (?), que o foco da ilustração é a ineficiência e ineficácia em tentar controlar algo descontrolado (controlar a vela com corda danificada). Ou então que não adianta entrar em desespero, há de aceitar o futuro, pois nada pode fazer contra o que está por vir (como os seguidores de Jesus no quadro, e os violinistas do filme Titanic). E dá para dizer, também, que a tragédia do futuro náufrago será o resultado da imagem instantânea de prontidão. Enfim, são inúmeras explicações dentre de uma obra de arte como a pinturinha de Rembrandt.

   Portanto, a qualidade do quadro: Cristo na Tempestade no Mar da Galileia, diante sua conclusão, mostra-se que a perfeição de uma obra de arte não está somente na habilidade em usar cores, ou pincelar com destreza na tela em branco, ao criar algo substancial. Às vezes criar um contexto, com narrativas, a fim de gerar reflexões através de desenho é algo excepcional, que faz o quadro de Rembrandt ser não somente maravilhoso, mas tanto quanto genial.

Maravilhoso como pinturinha de Rembrandt.

Licença Creative Commons
Pinturinha de Rembrandt de Júlio César Anjos está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em http://efeitoorloff.blogspot.com.br.

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