Pular para o conteúdo principal

Especial: Retângulos

Por: Júlio César Anjos

Como querer liberdade se a pessoa já nasce presa? Como sêmen, no escroto do genitor; Como feto, no útero da progenitora.  Depois, fica dependente de um tutor até maturar; Para ser preso, novamente, ao ter que procriar. Mantendo o ciclo da prisão eterna da vida.

Antes de começar o entendimento do raciocínio, conceda, leitor, a “licença criativa” em que determina que qualquer construção, quadra, ou espaço seja considerado um retângulo, em que muitas das vezes é de fato em tal geometria, com algumas exceções como casa oval, parque triangular, construções abobadas e outras diferentes formas. Levando em conta que tudo é retângulo, a critério de estudo, dá para entender o porquê da natureza do homem artificial ser uma prisão.

Imagine a cadeia. O prisioneiro fica cercado em um grande terreno, no qual não pode sair de tal perímetro. Esse local possui pavilhões retangulares, que dentro deles possuem celas (que também são retangulares).  A cama também é retangular, mas isso é o de menos. O espaço para pegar sol, o pátio, e fazer atividade física é retangular. E o banheiro também tem geometria parecida. Ou seja, tudo se molda pelo retangular.

Analise um homem médio, com atribuições sociais normais que derivam ao condicionamento do ambiente. Esse homem vive em uma casa retangular, pega o carro retangular, vai trabalhar em um pavilhão retangular, vai à escola ou à universidade retangular, volta a casa (que possui cozinha, banheiro e sala) para dormir, sendo que o quarto e a cama são retangulares, fazendo esse ciclo durante toda a semana. No fim de semana, apesar de não ter tantos afazeres, e ficando preso a somente alguns equipamentos do cotidiano que ficam dentro da casa, dedica-se ao lazer que pode ser um jogo indoor, um passeio em shopping (cinema e etc), sendo que dificilmente sairá de um equipamento retangular até mesmo no “lazer”.

Estão todos presos! Então as pessoas não buscam na verdade a liberdade, mas, de forma velada, o homem busca benefícios na prisão, sendo conforto e mais distrações para fugir da realidade cruel e verdadeira.

Thomas Hobbes, no livro o Leviatã, disse que as pessoas faziam uma espécie de contrato social, em que aceitavam ser geridas por um Rei em troca de segurança. Nessa conjuntura, as pessoas ficavam presas em muralhas, sentindo-se seguras e, de certa forma, felizes em poder trabalhar e viver em “paz”. Mas a verdade era outra: os Reis criavam convulsões para que as pessoas ficassem com medo e, com isso, espontaneamente as pessoas se acorrentassem a um Rei qualquer. Ou seja, ao invés dos castelos serem lugares para zelo de segurança, o fato é que as fortalezas foram feitas para aprisionar povoados através do medo. Mas essas prisões, os fortes, caíram em degeneração, sendo substituído por algo hoje parecido, o Estado com fronteiras e limítrofes, bandeiras e até mesmo muros (Berlim) e muralhas (China).

Então os imponentes deixam de serem Reis para serem presidentes, deixam de criar castelos para criar fronteiras, com a prisão sendo a unidade envolta em uma bandeira, com o inimigo sendo o vizinho de limítrofe. Há de criar também “benefícios” em ser cidadão, para que o novo contrato social seja escrito sob a perspectiva de uma escravidão consentida, pois o bônus, em tese, supera o ônus.  Para ficar preso por algum nacionalismo ou bairrismo exacerbado.

E em micro localidade, a prisão mais conhecida, nos dias atuais, ao provado por Hobbes sob as perspectivas da verdadeira existência dos castelos, se dá através de condomínio fechado.  As pessoas se mudam para um condomínio fechado por dois motivos básicos: Segurança e conforto. Tanto o conforto quanto a segurança são questionáveis, pois é subjetivo dizer que as residências verticais possuem tais “virtudes”. Focando na questão de segurança, o povo sabe que a sociedade está violenta, com a salvaguarda sendo fator precípuo às decisões tomada sobre morada.  Ou seja, o condomínio gera atratividade da mesma maneira que os castelos eram criados na sociedade medieval: pelo medo.

Já que é para ficar peso, então que a cela tenha ao menos conforto, não é mesmo? Os condomínios são divididos em 2 grupos: Daqueles que os equipamentos são somente para morar (sem mimo algum) e àqueles que parecem com o filme “Show de Truman”, que possuem praticamente tudo, sendo uma micro cidade dentro de uma cidade. Do primeiro conjunto habitacional, é para menos abastados. Já a residencial que tudo possui, é lar para pessoas com maior poder aquisitivo.  Mas o problema encontrado nessas localidades é a mesma: falta de mobilidade.

As pessoas acreditam que o conceito de liberdade é o poder se movimentar entre celas. Se não infringir o direito de ir e vir, tal situação é liberdade plena, não sabendo compreender pormenores. A pessoa que está em um condomínio, mesmo que esse recinto seja organizado pelo estilo “Show de Truman”, sabe que é preso por estar em um espaço confinado. Sendo assim, o sujeito quer movimentar-se, quer ao menos que as celas sejam longínquas uma das outras, para que pelo menos possa sentir-se livre. Esses condomínios tipo “alphaville” têm de tudo: Hospital, escola, igreja, área comercial, de lazer, supermercado, serviços extraordinários diversos, tudo tão perto que dá a sensação de viver em uma cadeia de verdade. Já quem mora em um conjunto habitacional, sem equipamentos diversos como desses condomínios de luxo, tem que se movimentar para fazer relacionamento, fazer longa trajetória, ao ter que ir ao hospital, supermercado, área comercial, lazer e etc.

E assim, nesta prisão, o morador de Alphaville reclama dos entraves de mobilidade: Congestionamentos nas ruas fora do condomínio, violência que faz ficar preso no habitacional, falta de diversidade no "mundo exterior", pois a cidade “Sim City” que rodeia o condomínio chique não traz nada de positivo, criando um abissal de vazio existencial no rico, que levanta bandeiras de tudo que é tipo, para tentar tornar livre a própria prisão conceitual. Já o morador de conjunto pobre, reclama com razão do transporte coletivo, lento, sempre lotado e ruim (além de ser sujo e de péssima qualidade). E aquele que tem carro reclama do preço do combustível elevado.

E aí surgem os libertários da mobilidade entre celas. Aí aparecem os pedestres, os ciclistas, os caronas solidárias, várias pessoas tentando criar uma liberdade que não existe, um contrato social da enganação. Se você não vive em um Alphaville tipo Show de Trumam, você tem que se movimentar entre celas para viver. Um preso em uma cadeia de verdade, não fica feliz em andar entre as celas (espaços reservados para: dormir, ler, fazer atividade física, se comunicar com a família e por aí vai), pois sabe que está de fato encarcerado. Mas o cidadão que está preso em uma bandeira, que mora em uma residência murada, que precisa ir trabalhar em um prédio qualquer, tem que se divertir em um local indoor ou até mesmo ao ar livre, sendo todos esses retângulos celas de carceragem, é óbvio que a pessoa acredita de boa fé que tão somente a mobilidade (ir trabalhar, ir para a faculdade, ir para a ginástica, ir para o shopping) o faz livre, como se houvesse liberdade em somente caminhar.

Os governantes sabem disso. Assim como na idade média os Reis criavam guerras para gerar distração, o mesmo ocorre hoje com criação de empresas desenvolvimentistas (que ficam á fiúza do governo), escolas (e cotas); lares tipo COHAB e afins. Tudo para a pessoa ter uma ROTINA, para que gaste tempo e foque em cotidianos ao invés de ver a verdadeira prisão. E diante disso, controla-se o povo como manada porque desvia a atenção. Pura artificialidade

O problema ocorre quando o povo começa a perder tais distrações, empresas vão embora (mesmo no desenvolvimentismo – porque o governo parou de pagar o “lucro), o governo não consegue investir em casas populares, não consegue fazer distrações (shoppings fecham, hospitais atendem mal, igrejas fecham por falta de soldo e etc), e o povo “fica a ver navio”. Diante dessa situação, o povo fica “bicudo”, pois é mimado, cobrando o governo tais distrações que foram perdidas. Porque se o povo está cansado, exausto, de tanto trabalhar, se divertir e fazer atividade qualquer, esse cidadão esquece-se de política, mantendo o político carcerário no poder. Mas se as distrações, diga-se os equipamentos, começam a fechar, aí o povo começa a cobrar hipnoses, pois não consegue viver com a realidade inglória. Ou seja, algumas celas da prisão social não podem fechar.

Até porque uma pessoa que dorme 8 horas, trabalha 8 horas, estuda por quatros horas, com as 4 horas restantes do dia sendo divididas em mobilidade urbana, higiene pessoal e outras atividades cotidianas, tal autômato social não tem tempo para pensar sobre política. Agora, experimente fechar alguma dessas celas da prisão urbana e verás que a pessoa começará a pensar em pormenores e destituirá até mesmo presidente. E dos embustes, um descuidado logo se iludirá: “É a economia, burro”. Por isso que a prisão do tempo também é importante.


O homem não é livre. Seja pela mão da sociedade ou pelo espaço físico, o fato é que o ser humano é preso em várias condições e situações. Mas para fingir liberdade, o sujeito tapeia a razão, criando artificiais de aclimatação, para não sofrer tanto ao saber que está confinado pela rotina. Artificialidade, muitas vezes, gerada pela própria política, através de "contrato social", que cria o anestésico da distração a esconder a realidade da prisão.


Licença Creative Commons
Especial: Retângulos de Júlio César Anjos está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em http://efeitoorloff.blogspot.com.br/.

Comentários