Por: Júlio César Anjos
Quando
era novo, lá pelos meus 5 ou 6 anos, estudei em uma escola pública, chamada Nova
Esperança. O que é curioso o nome do recinto do aprender, pois a nomenclatura
do colégio remonta que pode existir outras esperanças velhas e novas, sabe-se
lá o que se entende com isso, como se houvesse esperança sobressalente, nova,
esperando que esperanças velhas sejam estragadas para serem substituídas pelas
outras saídas do forno.
E
nessa escola primária que tive o melhor momento da minha vida. O praxe é o
mesmo: Era feliz e não sabia, não tinha responsabilidade, era criança inocente,
não tinha stress nem depressão, tudo era brincadeira naquela época corriqueira.
A satisfação congratulava em somente uma bola no meio do pátio, nada mais. Tempo
que não volta mais, o que volta sempre na mente são os pensamentos, as
lembranças que a vida nos trás.
A
minha mãe sempre me levava até a porta da escola porque eu não tinha maturidade
para ir sozinho até a oficina do saber. E nessas idas e vindas, a minha tutora
volta e meia comprava alguma guloseima antes ou depois de sair da escola.
Normalmente era depois. Caso não saibam, a escola ficava em um bairro pobre de
Curitiba, em que as pessoas mal tinham condições de colocar comida na panela,
enquanto eu ainda tinha condições para consumir um doce ou outro de vez em quando.
Diante disso, tinha uma menina, pobre,
que ficava sempre à espreita à banca de guloseima, esperando alguma alma
benevolente comprar um agradinho para ela.
O
mote funcionava e em raras vezes alguém comprava um doce a ela. E essas raras
vezes significavam ser regra a minha mãe. Eu ficava puto comigo mesmo, não
entendia esse negócio de comprar e também a menina não conseguir obter o que
queria. Afinal, somente a minha mãe ajudava e comprava o mesmo agrado que
ofertava a mim, o que dava uma pontinha de ciúme e inveja por não ser único a
ganhar presentes eventuais na rua.
A
menina que ganhava doces junto a mim vestia sandália rasteira, vinha com o cabelo
despenteado, e, no fundo, eu sabia que existia uma diferença entre nós. Em uma
dessas vezes que volto bicudo para a casa porque minha progenitora deu
novamente um agrado para a moça, sem a minha anuência, a minha mãe deu-me um
esporro daqueles e mostrou a vida como ela é de fato, em que algumas pessoas possuíam
mais condições que outras e que eu deveria agradecer por ter ainda aquele pouco
que tinha, pois muitas pessoas, naquela época de Sarney, nem o mínimo
conseguiam.
A
partir daquele ensinamento compulsório é que comecei a relevar tais condições e
compreender as diferenças e respeitá-las. A menina era da mesma sala que eu. Tentava
fazer amizade comigo, mas, como os colegas viam a aproximação dela como um
namorico, eu mantinha-me longe da moça por causa de coisa de menino ignorante
de idade, pois namorar quando é criança é uma ofensa! Mas não a tratava mal,
apenas a deixava longe do meu circulo social porque todo mundo dizia que a
namorava e eu não queria flertar ninguém, achava que namorar era coisa de
adulto. E por isso não fiz amizade com a menina.
Eu
não lembro o nome dela. Assim como não lembro também o nome dos meus últimos
professores, da ultima vez que fui estudar. Eu não lembro porque sou ruim em
memorizar rosto e nomes, mesmo que pessoas marquem o meu coração, eu me lembro
da cena, mas muito vagamente lembro o nome das personagens que fizeram parte da
minha história de vida. E, por causa
dessa falha que eu tenho, fica impossível buscar contato com a moça, pois era
pequeno e não sei como ela está fisicamente modelada hoje, além de nem mesmo
saber o nome, então eu não tenho como entrar em contato para agradecer.
Ah,
já ia me esquecendo do presente... No último dia de aula, ao sair em férias, a
menina que sempre ficava pedindo com os olhos para que comprassem uma guloseima
a ela, foi até a banquinha de doce com a mão cheia de moeda – naquele tempo
perder uma moeda sequer não daria para comprar mais nada, chamou-me perto da
barraquinha e, apontando com a cabeça pediu para eu escolher o que eu queria.
Eu escolhi aquele saquinho vermelho que continha arroz doce, era a minha
guloseima preferida na época, que a menina comprou para mim.
Anos
depois, mais maduro, eu fiquei pensando: ela podia comprar um prendedorzinho de
cabelo, ou um bracelete, qualquer adorno de menina vaidosa com o dinheiro, mas
preferiu, sabe-se lá como, juntar o dinheiro, talvez, do ano inteiro, para
retribuir o que a minha mãe fazia para a mim e pensava talvez, na cabeça dela,
que eu aceitava de bom grado, que era comprar de vez em quando, um doce a ela.
A menina saiu da escola do mesmo jeito que entrou: pobre, com a sandalinha
rasteira e o cabelo desarrumado. Mas o Julio Cesar Anjos saiu modificado, mudou
todo o ser a partir daquele momento e, como se tivesse amadurecido antes do
tempo, viu a vida como era de fato.
Um
arroz doce no saquinho vermelho de barraquinha de guloseima, esse foi o melhor
presente que ganhei na vida.
O melhor presente que ganhei de Júlio César Anjos é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada.
Baseado no trabalho em http://efeitoorloff.blogspot.com.br/.
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