Por: Júlio César Anjos
A alcunha do sujeito era Zé Processo. A Criatura caricata parecia um
humanoide, com o perfil singular e trejeito único. Zangado, o moço não levava
desaforo pra casa, levava para o foro, ou um fórum mais próximo. Era brigão e
falastrão, mas só se pronunciava no momento certo.
A reputação do litigante foi lapidada pelo bom desempenho em execução,
sujeito manhoso, fazia até tinhoso rezar para São João. Qualquer movimentação
fora do prumo, de cidadão opositor, Zé Processo não deixava o caso barato,
gastava o que pudesse às custas, para viver a custa do agressor ou do próprio Estado.
Ofendeu? Calúnia e difamação no aparato. Agrediu? Processo Civil e Criminal no
ofensor. Fez qualquer coisa fora do contexto? Havia na letra fria da lei a
amparar de qualquer delito cometido ou refeito. Se tiver uma pendenga com o Zé,
não tem jeito, se encontrará em um tribunal aleatório.
A primeira questão o sujeito não esquece, parece que foi sobre
divergências com o troco, na cidade de infância, ao fazer compras na quermesse.
O tribunal de “pequenas causas” deu
ganho ao cliente, dando ponta pé inicial a um mito na contenda, a qualificação
do Zé Processo.
Os casos seguintes foram criando tamanho e forma, o homem respaldado pela
lei começou a ganhar várias frentes, em primeiras, segundas, e terceiras
instâncias, criando um fenômeno sem igual: Até aquele momento Zé Processo não
perdeu uma causa sequer. Sabe como é né, antecipado aos acontecimentos, sempre
procura guardar provas, lembrar detalhes e articular os pensamentos. Contrata
um advogado bom e é batata, o resultado só pode ser o esperado: Zé Processo
ganhou mais uma vez.
Os letrados apertavam-lhe a mão e até diziam: “parabéns, rapaz!”, como se
tivesse um dom, fosse um oráculo com poder ou algo do gênero. Os magistrados os
faziam como exemplo a seguir, cidadão de boa conduta que procura os direitos e
os conquista. Zé Processo estava na boca
do povo: a população com receio do novo fabuloso; e os intelectuais e pessoas
do gênero exaltando a “persona” jurídica. Nessa seara muita coisa pode
acontecer.
O tempo passa, as folhas do calendário caem, e Zé Processo começa a ser
temido em toda parte. Ninguém o queria atender, mas se não o fizessem
certamente seriam outros processos que os comerciantes teriam que empreender.
Então atendiam Zé Processo com temor servil. E, diante da situação, a cidadela
começa a sentir os efeitos dos julgamentos, empresas começam a fechar, comércio
dá sinal de fraqueza, só o que cresce é a virulência do Zé Processo e dos
pareceres favoráveis da justiça capataz.
O cenário é de apocalipse, chegou ao colapso o favorecimento da lei para
o Zé Processo perante os demais. Agora tudo estava fechado, da escola privada
até o supermercado, absolutamente tudo tinha corroído, Zé Processo tinha
contabilizado tudo ao seu favor, sugando toda a riqueza da pacata cidadezinha
da região. Só ficou aberta a comarca, o fórum da lei era abastecido pelo
imposto federal, o que mostra que tal localidade não teria complicações
afetadas pelas querelas regionais.
Galante, Zé Processo, antes de ir embora, vai fazer uma ultima visita, no
órgão de ofício, para enviar uma ultima pendência, era um litígio excêntrico,
mas razoável, o pedido era de fechamento do fórum, pois o argumento era forte:
Por que manter um tribunal aberto se não há população? A alegação tem base sólida, corre em
instância maior, e tem grande chance de ser vitoriosa a última ação de Zé
Processo. Já tem juiz pedindo transferência, indo embora.
Zé Processo continua a processar, mas agora parece que não vence como
outrora. Ainda bem.
Zé Processo de Júlio César Anjos é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada.
Baseado no trabalho em http://efeitoorloff.blogspot.com.br/2013/07/ze-processo.html.
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