Por: Júlio César Anjos
Ao passear em um parque de cidade grande, o conforto faz lumiar os
pensamentos da natureza, explodem as sensações do meio ambiente, aspirações de
quem flerta com o eco sistema padrão. E nesse cenário, uma pessoa qualquer começa
a cantarolar: - “Eu quero uma casa no campo/Do tamanho ideal, pau-a-pique e
sapé/Onde eu possa plantar meus amigos/Meus discos e livros e nada mais”. Não
vale a pena entrar no detalhe que a Elis quer plantar os amigos – a plantinha
inocente e a maconha -, o que importa no contexto é a humilde residência. A
cantarola de parque quer uma casa no campo. Será?
Primeiro, que casa no campo, sítio, chácara e afins possuem restrições
ambientais, pois, assim como o cidadão proprietário gosta da natureza, outras
pessoas tratam de resguardar o que sobra, já que o verde tem por obrigação
predominar o meio. IBAMA, ONGs, pessoas eco chatas não deixam o dono da terra
nem mesmo fazer modificações estéticas em determinadas situações, o que frustra
a pessoa que gostaria de ter uma casa de campo ao sonho individualista e não
coletivo. Por isso que as ervas daninhas, o matagal, e algumas plantas feiosas
nativas não poderiam ser destruídos, o que nubla o sonho do homem feliz em ter
uma choupana ao relento.
Superada a questão legal e ética do assunto, há sim um percentual, embora
ínfimo, em que o proprietário poderá modificar o cenário, 10% (dez por centro)
talvez, ao satisfazer o gozo do delírio do "almejador" de casa no
campo. Então, ir ao campo significa trabalhar. Até porque a cerca que perfaz o
perímetro da propriedade, ao cair por causa de imprevisibilidade do tempo, não
se levantará por si só, alguém (você) terá que refazer a destruição provocada
por transtorno de uma catástrofe qualquer. Sem falar em deslizamentos,
enchentes e problemas causados pela seca e etc. Transformando a chalé do mato
em um cenário triste. Para manter um paisagismo magnífico, o dono terá que ser
um bom zelador. Caso ao contrário, a área verde será bem feiosa, mal cuidada e
abandonada em mãos.
Na questão material, a casa terá que ser preservada. Uma martelada aqui,
um furo acolá, tudo para perfazer a manutenção intacta, a fim de preservar a
vigor de vida boa da moradia. E para utilizar dos insumos da obra, as lojinhas
de material de construção são longínquas, tão distantes que empresas de
logística cobram caro pela baldeação de material. Viver afastado causa
diminuição de salário. Há algumas lojas de materiais em cidades pequeninas, mas
sempre escassa pluralidade em artefatos, só vende o feijão com o arroz da
construção, nada mais. Quem espera casa no campo não pode se dar ao luxo de
querer conforto de cidade grande.
As visitas sempre são surpreendentes, de invertebrados a lagarto, há de
tudo, até mesmo animais peçonhentos percorrendo a residência. Brotoeja ou
alergia, não importará no momento, nunca se escapa da coceira provocada por
picadura ou mordida de bichinho qualquer. O sol tortura as costas, penoso
aquecimento na carapaça do homem que gosta de residência afastada; ou o frio
que trinca os pelos do coro porque não há aquecimento a gás, o equipamento
quebrou bem no meio da estação, desconforto existente em uma choupana de
matagal. Sem falar em possibilidade de jazer ao meio do ambiente, animais de
grande agressividade e de apelo selvagem sempre rondam a residência em busca de
alimentação. Nunca se sabe quando uma cobra ou um cachorro do mato dará o ar da
graça e atacará o sonhador de bosque.
Energia, água e Telefonia? O homem
resoluto reza para que tais serviços não parem de funcionar. Se na metrópole a
demora irrita o apressado homem da cidade, então a letargia do conserto do problema
não abalaria a morosidade do ser do sujeito agraciador do lugar bucólico. Até
porque quem gosta de lugar afastado não se surpreenderia em ser como uma família
buscapé antes de enriquecer, não é mesmo? Pois bem, sempre há imprevistos no
mato, então surpresa mesmo é ver tudo estar em pleno funcionamento.
A solidão como única companheira, faz do som afastado ser considerado
mais um barulho perturbador do que um agudo de fino canto, como o pulmão
articulado de um trinca ferro na árvore. No começo o som é bom... Mas o tempo
passa, a continuidade cria rotina, e o trinca ferro começa a ser chato, junto
com os amigos sabiás, bem-te-vis e etc. A cigarra então, nem se fala sobre o
assunto, muito chata na cidade, imagina no campo? O indivíduo sai da cidade
para ir ao campo, justamente para procurar calma, relaxamento, e desligamento
da vida real, e cai justamente no inferno da boa intenção da natureza. Ironia
profunda e verdadeira, o barulho da bicharada pode provocar até loucura. Sem
falar que há a necessidade de vizinhança, crianças brincando, a zombaria
matreira, coisas que o lugar afastado descarta, e que a cidade grande dispõe de
sobra.
A observação mostra o fato, filme de terror bom tem que ser feito em casa
abandonada no meio do mato. O susto não deriva somente do sobrenatural da
película, mas também do aspecto real, a tristeza fatal em ver uma residência
caída, no meio do nada. O que assusta mais, o espírito transeunte ou a choupana
descuidada? O terrorismo escancara até mesmo pontos de vista dos assistentes,
que largam um sonoro: “caramba, olha só onde o cara foi se meter”, perplexidade
ocasionada também por amigos quando sabem que o otimista comprou uma chacrinha
por aí.
Sem falar que o riacho pode estar contaminado porque na nascente alguém
jogou restolho de lixo na água, ou os trechos do arroio nunca foram desbravados
e certamente há perigo, a fluidez da água passa pela propriedade e nada mais. Talvez
uma pescaria de bagre, peixe que gosta de água turva, e só.
Só quem gosta de casa no campo é turista de férias ou rico que pode
terceirizar o zelo pela moradia, pois o homem realista não consegue, ao apoio
de família e de dinheiro, manter uma casa no campo. Provavelmente a chacrinha
virará cenário de filme de terror, cairá em degradação, e será vendida a fim de
se livrar da decepção. Na verdade ninguém quer a vida bucólica da música, todo
mundo quer ser rico e não se preocupar com nada, mas ninguém se dá conta disso.
Então que todos continuem cantando: “eu quero uma casa no campo...” Só não
canta com afirmação do coração quem sabe a verdade: casa no campo dá muito
trabalho para manter a fotografia linda, tão perfeita como uma pintura realista
rajada a óleo. Cantar sobre a vida bucólica estando na cidade? Hipocrisia é
mato!
O trabalho Casa no campo? de Júlio César Anjos foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada.
Com base no trabalho disponível em http://efeitoorloff.blogspot.com.br/.
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