Por: Júlio César Anjos
Certa vez, o dono de uma confeitaria, com problemas de mercado, resolveu
inovar, dispondo da ferramenta marketing, a fim de impulsionar as vendas.
Começa a implantar um sistema qualquer já estudado previamente, utilizando mecanismos para chamar a atenção
sobre o varejo, ao atribuir diferenciais perante os concorrentes imediatos. Mas
Felipe não imaginava a tamanha repercussão que causaria por causa do novo
método que constituíra, deixando todo o mundo perplexo.
Felipe acorda cedo, abre a loja, e mostra à primeira freguesa o novo bolo
que acabara de ser feito. O doce custa R$ 16,00 (Dezesseis reais), R$ 15,00
(Quinze reais) a Cereja e R$ 1,00 (Um Real) o bolo. A cliente fica curiosa por verificar
tal situação e pergunta ao confeiteiro se realmente seriam esses os valores, e
o dono do estabelecimento diz que é exatamente o que está aparecendo, a cereja
custa muito mais do que o bolo. A cliente pergunta se pode ser feita a venda
somente do bolo, sem a cereja, custando somente R$ 1,00 (Um real)... Felipe diz
que não se pode porque o bolo fora fabricado pelo custo, ou seja, deu
desculpinha qualquer. A cliente dá de ombros e sai da confeitaria com a pulga
atrás da orelha, fica confusa sobre as novas mudanças na tabela de preços, mas
não leva nada da loja.
O boato corre a região, todo mundo fala sobre o novo conceito da lojinha,
a confeitaria vira comentário em praça pública, o preço da cereja chega à
audição de variadas personagens do local, os cidadãos ficam curiosos em saber
tal prática estabelecida, até que murmurinhos recaem aos ouvidos dos
bandidos. Marotos resolvem atacar a confeitaria, pois querem o objeto precioso,
as cerejinhas, além de subtrair trocados no caixa, e comer e beber de graça na
hora do levante. Comeram todos os salgados, os bandidos não são chegados aos
doces, deixaram os bolos intactos, só pegaram em cima dos confeitos a fruta
vermelha valiosa no momento. O dono da loja chega cedo, é hora de trabalhar, e
o que encontra é uma confeitaria devastada, por causa do assalto ocorrido na
madrugada.
O roubo chama a atenção, a mídia aparece no local como se fosse um urubu
à espreita de uma carniça, faz a devassa sobre o ocorrido, cria tablóides em
cima do caso indevido na confeitaria. Faz perguntas para o proprietário e para
os policiais, além de verificar relatos de possíveis testemunhas, e dá como
verdade o fato final da miscelânea entre os dados primários e secundários da
pesquisa. O lojista, para a mídia, fala que a cereja é uma fruta de alto
prestígio, pois não poderia falar a verdade, já que acabaria por deflagrar a
mentira praticada, e os clientes não gostariam de saber que foram enganados. Então, para
preservar a clientela, Felipe relata outra hipótese dos fatos, a loja foi
roubada porque a fruta vermelha está valorizada. A mídia, após fazer a manchete
sobre o ocorrido, aproveita para criar artigos sobre os benefícios que a cereja
provoca à saúde, por que é uma fruta valorosa, mostrar detalhes de como é cultivada,
e etc.
Para a polícia a versão muda, o dono do estabelecimento entra em
contradição, para não se dar mal na ocasião, o comerciante resolve entrar na esfera
da honestidade, resolve que tivera feito na verdade uma inversão de valores, o
que tem valor é desvalorizado e o que é desvalorizado ganha valor, por isso que
a cereja é cara e o bolo é barato. E o confeiteiro dá exemplo do que está
dizendo, mostra em fatos que a telefonia celular, por exemplo, pratica da mesma
enrolação, fornece de “graça” o aparelho em troca de comprar o serviço mais
caro do que tudo, até mesmo do que o próprio aparelho. Como a polícia trabalha
com várias versões, o testemunho do proprietário é somente mais um indício, a
polícia continua investigação sem dar maiores detalhes da ocasião.
O povo condicionado a todo instante em ser enganado não observou e nem hesitou
em pensar sobre a valorização da cereja, a vózinha chegou até a falar para a
neta: “é assim mesmo minha filha”, resignação de quem é acostumado em viver no
pasto e se conformar em receber o que tiver no coxo. As pessoas estão
acostumadas a “ganhar” celulares e comprar serviços, a “ganhar” roupas e
comprar cupons, a “ganhar” viagens e comprar produtos, então comprar a cereja e
“ganhar” o bolo não é algo tão absurdo assim, na cabeça do povo manipulado. A facilidade em manipular as pessoas em toda
a história é verificada desde passagens bíblicas até os dias atuais.
Do outro lado do país, os produtores de frutas vermelhas viram toda a
repercussão, e, com o farejar de dinheiro, descobriram a vantagem que tal
ocasião poderia proporcionar vendendo a cereja valorizada, e no varejo a fruta
vermelha poderia dar mais rendimentos que a cereja vendida no atacado e
desvalorizada. Os produtores de frutas vermelhas fizeram cartel, fecharam
acordo, começaram a queimar os estoques da fruta, a fim de criar oferta e
demanda da mercadoria. Com o apoio da mídia, os produtores fizeram da cereja
produto a peso de ouro, começaram a ganhar lucros maiores que outrora, pois
vendiam a fruta em quantidade inferior e valorização alta. As desculpas dos
aumentos eram de praxe: A cereja só vinga em certa temperatura, em determinada
época, há uma quantidade limite de produção, e blá blá blá. Tudo mentira, como
se sabe, mas a verdade é que os produtores estão mais ricos do que nunca, então
deixa pra lá, criaram a dificuldade para fazer oportunidade.
A cereja ganhou Status, agora aparece desde à mesa do casamento da
proletária até o “self-service” da festa de debutante da menina rica, a fruta
vermelha é sinal de posse, de valor, ostenta a riqueza imediata em balcão qualquer.
Algumas festividades havia até mesmo segurança próximo ao bolo com a cereja em
cima, pois era rotina a fruta vermelha sumir antes mesmo de cortar o doce, ao
fornecer aos convidados. Nas festas sempre aconteciam coisas estranhas por
causa da fruta, houve uma vez que até casamento foi desfeito porque o noivo
queria dar o pedaço de bolo com a fruta para a mãe e a noiva queria guardar
como recordação. São tantas ocorrências que qualquer absurdo passa ser
considerado normal.
Os roubos de cerejas eram rotineiros, quase sempre aconteciam furtos nas
lojas de confeitaria, o que fez aumentar a quantidade de vigilância nestes
estabelecimentos como: câmeras, seguranças, alarmes e etc.
Com o aumento do lucro dos produtores, o crescimento do efetivo de segurança
perante a fruta vermelha e a cereja como status, a especulação eclodiu. Agora,
várias empresas financeiras começam a comprar e vender as ações das empresas de
capital aberto do ramo da cereja. Os valores começaram a pular exponencialmente,
parecia não ter fim o aumento dos títulos da bolsa de valores, algumas pessoas
acharam que ficariam ricas do dia para a noite, somente com o título em posse,
um pacote de 1000 ações de cerejas estava, por exemplo, mais valorizada que um
caminhão, o papel era cobiçado por todos, era, naquele período, a riqueza na
terra. O ramo da cereja virou mercado, com muitas profissões, cadeias de
diversidades e muita movimentação de dinheiro. Na brincadeira, apareceram até
estrangeiros querendo satisfazer com a riqueza de enganação.
O governo sabe a verdade, mas prefere fechar os olhos para tudo, a
arrecadação de tributos é recorde e a novidade é um estímulo à economia doméstica,
o que faz o administrador geral da pátria fingir que tal bolha inflada pela
especulação não exista de fato, embora haja vários relatos nos estudos internos
do Estado confirmando teses, a verdade é camuflada. Os comandantes preferem
fazer proselitismo, defendem a fruta vermelha e o mercado, dá o recado aos
contribuintes que a área de atuação da cereja é concreta, é forte, pois o que
vale é o que consta na carteira do político com ética questionável.
Apesar de ter começado a valorização do mercado da cerejinha pelo
confeiteiro, Felipe não conseguiu aproveitar a onda de crescimento, pois muita
gente entrou no negocio e asfixiou a área em que atua, fazendo com que o
diferencial criado pela mentirinha de outrora não mais fosse algo atraente
entre os próprios clientes que possuía em carteira. Como um bumerangue, a
mentirinha que no começo afetou os concorrentes, e o privilegiou, agora tal
mercado ficou muito difícil para o lojista boateiro.
O aumento das ações e do produto cerejinha chegou a um patamar fora do
limite, precificações que se tornaram impossíveis de serem comercializadas em
escalas normais, as quantidades de oferta supriam demais a demanda, as pessoas
começaram a trocar a cerejinha por qualquer outra fruta vermelha semelhante,
perdeu atratividade e o ramo de atividade, enfim, declinou. As pessoas caem na
real, a crise eclode, estoura os problemas ocorridos pela valorização
artificial, muitas empresas vão à bancarrota, famílias endividadas entram em
falência, no mesmo momento em que a cerejinha puxa uma crise geral, pois o ramo
de atividade da cereja já tinha enraizado no mercado, fazendo parte do sistema.
A lojinha que começou a boataria fechou, o proprietário faliu, caiu em decadência,
Felipe virou pedinte e a atratividade para ganhar moedas é falar sobre a
história da cereja, em que fica orgulhoso em declarar ser o precursor de um
mercado que nasceu e morreu em um curto período de tempo. As pessoas voltaram
ao normal, no jornal local aparece uma notícia que diz que as ações de Tulipas estão em alta, e os cidadãos, após passar pela crise da cereja, criaram o
seguinte ditado popular: “Fulano é tão metido que se acha a última cereja do
bolo”.
A vida segue, os negócios sucedem, e os entendidos dizem que a Tulipa é o
melhor negócio do momento.
O trabalho A Cereja de Júlio César Anjos foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada.
Com base no trabalho disponível em http://efeitoorloff.blogspot.com.br/.
Comentários
Postar um comentário
Comente aqui: