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O Herói Brasileiro


Por: Júlio César Anjos

Olegário, o herói brasileiro

Eis que surge em um cantinho qualquer um homem de meia idade, alto, porte físico atlético e convicto, o super-herói brasileiro.

Olegário, na juventude, sofreu bullying. Foi em um verão da época do colegial que o rapaz mais sofreu. Foi convidado por marotos a fazer festa junto deles. A tirania pairava no ar, não captado pela sintonia da inocência do menino, que nunca antes tinha visto maldade qualquer. Ao viajar com os colegas, Olegário vai para Criciúma, cidade do carvão, fazer passeio de turista motivado. Chegando ao recinto, o rapaz une-se aos demais para fazer grupo. A turma fala em visitar a empresa de mineração, já que a cidade é pólo e a indústria do minério natural circula toda a economia da região. Ao entrar sem convite à empresa, os maliciosos desafiaram Olegário a pular no chorume que contaminava o rio, produto expelido pela empresa poluidora. Olegário se nega a fazer tal atividade recreativa, afinal na gincana ele estava comprometido e os outros somente envolvidos com a ação. Acuado, indefeso e zombado o rapaz chora diante dos algozes, que sem remorso nenhum empurram o moleque à intoxicação química. Após Olegário cair mergulhado na poluição, além de não saber nadar, o produto o faz na hora tossir sem parar. A risada é geral, todos se satisfazem ao prazer da desgraça do rapaz. Mas o rapaz para de se movimentar e, para a surpresa de todos, o indefeso afunda no rio como se não tivesse ar nos pulmões, some no meio da turvidez do riacho poluído.

Olegário é encontrado por um andarilho, envolto à mata ciliar de dejetos do rio, desacordado. Após uma mexida ou outra do passante, Olegário acorda assustado. Vai para casa a pé e chega como deus queira, são e salvo.

Os dias passam e Olegário se retrai aos amigos, pois se pergunta sobre todos os acontecimentos no momento de vida dele, resigna-se sobre os pormenores, problemas existenciais, praticados por outros que afetam a alma do bom moço. A filosofia de vida divaga na mesma velocidade em que ele repara sobre os avanços dos movimentos, da velocidade, da força, dos reflexos, das sensações de estar mais disposto do que nunca. A única coisa que não progrediu com sucesso foi o psicológico, pois o abalo emocional foi forte.

Olegário sai da escola, vai trabalhar de apêndice de máquina em um muquifo qualquer. Saudável e forte como um touro, logo chama a atenção dos proletários, já que rapazote de pequena idade não combina com a musculatura, é anomalia de fenômeno. Devem ser pela mescla da força com o abalo emocional que fez o fraco menino bom tornar-se o forte menino temperamental, atitudes mesquinhas que antes não conhecia. O rapaz pulou de fábrica em fábrica para saber que nenhum lugar era dele, pois se sentia superior aos demais, estava claro que os desafios não existiam perante o sentimento de confiança que no coração de Olegário emergia.

Olegário começa a fazer crimes de pequena monta. A audácia cresceu e o jovial enxergou o fato que o levante podia ser maior a cada ataque feito aos burgueses. Conseguia até se esquivar de balas, era impressionante a destreza do meliante. Mas Olegário ao mesmo tempo em que se satisfazia em saber que era e estava além dos seres vivos sociais, o jovem sabia também que estava fazendo coisas erradas, embora não achasse errado tirar proveito da superioridade dos demais. Então Olegário desiste em parte dos crimes para estudar uma melhor proposta de vida.

Eis que Olegário tem uma idéia genial: Ser herói!   O objetivo é simples, só ele poderá, daqui pra frente, por motivo da sua força ser maior, cometer crimes. Isso significa dizer que ele deterá o monopólio dos crimes. Se Hoje existem milhões de homicídios no país, amanhã haverá somente os que ele cometer contra os bandidos. Se há assaltos, estupros, e outros crimes quaisquer, somente ele poderá cometer tais abusos. Fica decidido desta maneira, sem revogar disposição ao contrario.

E assim o herói começa a saga, com somente o vento batendo ao rosto, nada mais, Olegário começa a prender bandidos da sua forma, violenta, rápida, de tal forma que em pouco tempo já tinha feito a limpa na cidade, objetivando popularidade estratosférica no mundo todo.

No início tudo era maravilha, todos gostavam do novo herói do país. Olegário Ganhou vários prêmios como cidadão honorário, submeteu-se a várias festividades, conheceu muitas pessoas e todos agraciaram o bom trabalho do novo defensor do povo. Mas Olegário nunca se sentira confortável com a situação, sempre sentia que a hipocrisia reinava nos semblantes dos responsáveis que tiravam uma lasquinha da popularidade do jovem para promover-se ás custas dos resultados obtidos pelo guerreiro. Também nunca ficou felizes em ajudar os outros, parecia que mesmo fazendo bem aos outros faltava alguma coisa a ele, era um vazio profundo tanto existencial quanto na carteira, pois todas as pessoas até tinham carinho pelos feitos do garoto, mas ninguém pensava muito em ajudá-lo financeira e sentimentalmente.

O tempo foi passando, o desgaste aumentando, e, como mente vazia é oficina do Diabo, Olegário pensa em começar a tirar vantagem sobre a superioridade que detem. Certo dia, ao passear na rua, como de costume, olhou para uma jovem moça, com seus, sei lá, 14 anos, e decidiu que a possuiria de qualquer forma, seja por bem ou por mal. Anda em direção a menina, conversa vai e vem e nada de conquistar a moça, até que ele perde a paciência, seqüestra a garota e a estupra. Como a mentalidade dele é confusa, decide que somente ele será estuprador daqui pra frente e qualquer pessoa que for pega estuprando outra será cortada as vísceras em uma crueldade incomensurável. Faz parte do monopólio do crime, pela cabeça do herói...


Aos poucos o herói se transforma em um ser bondoso e hostil, manso e agressivo, pacifico e violento, tudo no mesmo tempo, mostrando a dualidade que o espírito trabalha. Há uma luta interna, no âmago dos seus sentimentos e pensamentos, confusões mentais que se materializam em deteriorações na tomada de decisão. Justifica-se fazer o mal em nome do bem? O fim justifica o meio na concepção do herói, em que pode sim haver um maldoso, desde que o malvado seja o herói, uma dualidade sem igual, como se o demônio tivesse vencido o bem e somente ele poderia, daqui pra frente, fazer traquinagem, pois só a ele teria poder de cometê-lo.

O rapaz é jovem, tão novo quanto o desejo em conhecer coisas novas, obter bugigangas variadas, experimentar tudo o que aparecer pela frente, curiosidade de indivíduo preso entre a infância e o adulto. Demanda de muita droga, oferta pouca compaixão, sempre na razão que é assegurada: Herói e vilão ao mesmo tempo.  Proselitista, Olegário gosta do perverso porque exibe as pessoas o valor do amor, pois somente a escassez de paixão é que mostra a necessidade da pacificação, seja da alma ou do social.

Mas a dicotomia emocional logo expele a popularidade, o herói já não é bem quisto como outrora, agora, precisa de mais afago para desfazer a imagem que ele mesmo criou, o perverso monopolista. Mas quem disse que Olegário se incomoda com isso? Olegário nem esquenta a cabeça, o máximo que faz é concordar com o povo, mas com a certeza de que não mudará sem uma justificativa plausível.

Vontade de ser político o herói não tem. Não é da alçada dele estar em uma cadeira despachando sabe-se lá o que ou para quem. A jurisdição de Olegário é o ar, o ambiente, a natureza, a rua. Olegário decreta as leis que ele mesmo criou, não cabendo recurso ou liminar, o que ele decide na hora deve ser cumprido no mesmo instante. O herói não está interessado nas leis dos homens, somente nas leis da natureza, o ambiente determina que os mais adaptáveis sobrevivam ao meio. O que não mata fortalece, já dizia o pensador, com a verdade que se destaca: a reação química o fez bruto.

A parede é a lápide da rua. No intento da arte é que as verdades aparecem para ecoar ao futuro, pois todos devem saber a aflição materializada em escrita dos desabafos, verdades que são promulgadas para atingir ao alvo, a munição dos indefesos sobre as barbaridades cometidas pelo herói. É nesse ensejo que Olegário faz pequena leitura de uma pichação dizendo que não é bem vindo, pois muita paz pela tirania também ocasiona sangria, tristeza espiritual.

Muitas pessoas começam a deixar de queixar-se à justiça pelo simples fato de sentir pena dos vilões, o tal síndrome de Estocolmo às avessas, o ensinamento que mostra que a bondade ainda vive no âmago das pessoas, mesmo de forma turva e confusa.  Chegou-se a cogitar o fim dos B.Os na polícia, pois deflagraria crimes que seriam a ouvidoria do herói impopular, dando dínamo para a barbaridade sanguinária de ditador poderoso, sem medo de inimigo algum, pois todos são inofensivos perante o senhor Olegário.

As pessoas começaram a ignorar o poderoso, já não havia clamores para o positivo Nem para o negativo, não se escutava bravatas nem lamentações, só sabia-se que era melhor tanto para os bandidos quanto para os mocinhos o silêncio, a única arma de luta contra o herói perverso, com psicológico questionável.

Mas como já sofrera antes, calejado em ser ignorado por bulliyng, o herói continua sendo o que é, ou o que a natureza o fez, utiliza o poder da forma que melhor queira, faz o que bem entender, torna-se a existência entre o livre arbítrio e o destino, é conhecido por ter o poder.

Olegário só fez um crime que não tinha pelo menos justificativa: Matou todos os colegas que praticaram bulliyg contra ele, pois era uma forma de vingar-se do que o era antes e não do que ele é agora, pois ninguém mais pratica bulliyng com ele, é ele que pratica violência física e psicológica a todos os moradores da região. Ele tornou-se o vingador dele mesmo.

O fim justifica o meio, esse é o argumento dele.

Olegário, o herói brasileiro.

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