Por: Júlio César Anjos
Enquanto amarro o cadarço do sapato, a espera do ônibus – sentido casa,
os pensamentos cristalizam e começo a dar conta que a vida não vale à pena.
Desempregado, sem namorada (trocado pelo melhor amigo) e sem capital, apenas
ando como um zumbi na cidade do crédito e do dinheiro.
Chego à casa insatisfeito com a vida que manobrei até então, já está na
hora de largar a biografia, e deixar á deriva a vida que nada bonificou até agora.
Olho meu rosto no espelho do banheiro, e vejo um rosto castigado pelo tempo,
sendo totalmente escondidos os sentimentos pela barba não feita.
Vejam, pareço um mendigo, roupas antigas, rosto triste, vida nauseante,
morando de favor (Ao não pagar o aluguel, isso significa morar de favor), e não
tomo um banho quente faz tempo, já que até a conta de luz está cortada faz
tempo. Pequenos gozos da vida já me são regalias para um sujeito falido como
eu. A cama não é quentinha, não dou um beijo de boa noite para a minha esposa e
não durmo cansado devido o desgaste físico e mental do trabalho, e muito menos
penso na aventura do próximo dia. Os sonhos morreram.
Tenho um cachorro chamado Flock, mas o coitado sofre ao ficar comigo,
acredito que até cachorros devem pagar as suas penitências. Por falar em
sacrifício, a minha formação de vida foi orientada pela educação católica, esse
modo de entender a vida é que me fez estar vivo até agora, já que como sou
cristão, acredito em céu e que iria para o inferno se me suicidasse. Burrice.
Eu entrei no nível depressivo mais elevado até o momento, estou pensando
seriamente em ceifar a minha vida, mas não farei por mim mesmo, contratarei,
talvez, um especialista no assunto, um assassino que dedique trabalho para
terminar a minha vida. Pesquisei, e achei informações sobre alguns mercadores
da morte. Há o açougueiro, um médico fim de linha que me apaga com uma simples
injeção, porém o serviço é muito caro para as minhas possibilidades. Colegas e
pessoas que estão próximas a mim não aceitariam sujar as mãos para acelerar a
eutanásia autônoma que gostaria que fosse executada. E há alguns matadores de
aluguel que cobram um valor acessível e fazem o serviço bem feito, com um valor
razoável. Vou atrás desse profissional, talvez...
Alguns dizem que se eu quisesse me matar mesmo, era só virar um vida loka
e buscar drogas – as dívidas com as drogas fariam com que o traficante me
matasse. O problema é que eu odeio drogas, pois meu pai acabou de forma
degradável por causa dessa porcaria e ainda guardo um pouco de dignidade,
embora não tenha dinheiro nem para sustentar-me. Seria mais fácil ceifar a vida
deste modo, mas não morreria feliz, e, já que até penso em morrer, então que
seja algo natural e que não seja degradante à dignidade.
Nessa altura do campeonato, as pessoas já sabem que sou covarde e tenho
medo da dor física mesmo. Não contrataria um médico açougueiro para me matar
porque tenho medo que algo dê errado e, com isso, eu venha sofrer muito,
prefiro uma morte instantânea. Tenho medo de sofrer represálias dos traficantes
e sofrer tortura por causa das dívidas, então evito isso também. E tenho medo
de suicidar-me justamente porque sou covarde, não tenho coragem de puxar um
gatilho de revolver na minha cabeça. A covardia e a crença me fazem estar vivo,
por incrível que pareça.
Hoje a tarde será aberta a carta de herança do meu tio Castro, parece que
ele deixou algo de valor para mim, tomara que seja algo de um alto valor
monetário e não somente sentimental, pois eu realmente preciso de
dinheiro.
Chegando lá na casa do meu tio, não reconheço um mísero parente para dar
ao menos oi, os olhos se voltam a mim, não podia ser diferente, mas ninguém me
escorraça. Pelo menos isso. O juiz começa a chamar os nomes dos felizardos,
que, uma a um, se dirigem à frente do árbitro que sanciona a entrega da
herança. O ajudante do juiz grita: “Anderson Matias de Almeida”, eu respondo
quase gritando: “SOU EU”, e todo mundo agora sabe quem eu sou, mesmo sabendo
que saber quem eu sou não significa nada.
Saio da casa com 5.000,00, dinheiro que veio em boa hora, mas uma parte
deste valor já está destinada ao serviço que encomendei na semana passada
(guardarei para fazer o pagamento ao intermediário), apesar de não saber quanto
receberia, eu contei com o ovo na cloaca da galinha, e optei em deixar
reservado o serviço após receber o dinheiro da herança.
O restante, o que sobrou do dinheiro, gastei comigo mesmo, compro roupas,
faço barba, cabelo e bigode, com o objetivo de melhorar o visual que até então
estava lastimável. Até porque o que ganhei de herança não cobriria as despesas
que tenho há anos mesmo, então deixa levar, o dinheiro que surgiu fácil, vai
embora fácil também.
A melhora estética não afagou o pessimismo e a vontade de morrer, de
sumir do mundo. Mesmo resignado tento bater de porta em porta em busca de um
emprego, indo somente por desencargo de consciência, pois já faz anos que não
consigo um emprego estável. Os bicos que
faço mal dão para encher a barriga e nem sempre aparecem os bicos para fazer.
Pois bem, mesmo com a herança, nada muda na minha vida até então. Está ficando
noite, cansado de ser andarilho da cidade, espero mais uma vez a condução para
levar-me até em casa.
Sentado no banco do terminal, uma moça senta ao meu lado,
perguntando se eu tenho horas. Falei a ela que nem relógio eu tinha, e ela
começou a rir, começo de uma conversa boa que há anos não tinha. Então nós
conversamos sobre algumas coisas, mas o melhor foi ela ter puxado conversa
comigo, fazia tempo que não me sentia nem mesmo gente, humano.
E assim chega o ônibus dela, a moça passa a mão no cabelo, dá uma olhada
para mim, e entra no ônibus dando um até logo. Vou embora a pé por ter perdido
o último ônibus da noite, mas, pela primeira vez no ano, fico um pouco feliz.
Não perguntei o nome dela, eu sou muito burro mesmo.
No outro dia a mesma coisa, procuro emprego e mantenho a rotina que
sempre faço. Porém, à noite, fico no terminal no mesmo banco esperando a moça
simpática que ofertou minutos de atenção a mim. Ela não aparece, eu fico mais
uma vez aborrecido, e ironizo-me sobre tudo isso, sabendo que não passara de
uma ilusão, como uma linda jovem teria atração por um inútil igual a mim? A
carência é tão inocente que na minha cabeça ela poderia ser meu novo amor,
pensamento ridículo!
No dia seguinte o intermediário bate a minha porta, querendo saber se eu
estava com o dinheiro. Eu pago o valor de 4.000,00 para o serviço, uma
encomenda por um serviço imoral, ilegal e clandestino, a execução da morte de
alguém que eu odeio, meu maior inimigo. O intermediário explica que não há
contato entre ele e o executador, a informação é apenas repassada, então o
informante não sabe quem irá morrer, pois nem abre o envelope de informações.
Outra coisa, o informante não aparecerá mais, uma vez o serviço contratado, o
serviço não pode ser desfeito.
Na manhã seguinte preparo-me para continuar a rotina que sempre faço, vou
procurar empregos até o sol se por. No meio da tarde encontro a menina
simpática do terminal, ela está parada na esquina de uma rua, vendo a placa de
localização, tentando saber para onde ir. Eu chego perto dela e começo a
conversar...
E assim conversamos além do normal. Ela falou que o nome dela era
Sabrina, e que gostava de chocolate branco. Falou que é uma libertária,
defensora dos animais e inocente nos assuntos relacionados à malandragem
humana. Garota bonita por dentro e por fora, e essa conclusão não é tirada pela
carência, mas sim sob uma análise profunda de uma conversa despretensiosa.
E começo a me encontrar com ela no dia seguinte, no mesmo dia que arranjo
um emprego fixo. A função do emprego é de serviços gerais, limpar fezes de uma
casa noturna da cidade, mas é um emprego com carteira assinada. As coisas
começam a fluir na minha vida que até penso em desistir em continuar com aquele serviço que encomendei .
Tento encontrar o informante, mas não obtenho sucesso. Os dias estão
chegando e começo a ficar preocupado. Encontrei um emprego que não posso
perder, estou com a Sabrina, a minha namorada, e agora essa situação que me
meti... Mas eu não sabia da reviravolta da minha vida, está tudo tão bonito,
estou feliz, vivo, e com amor, ou seja, tudo está fluindo.
Escrevo uma carta para a Sabrina, a deixo a par sobre tudo o que
aconteceu, deixando ela ciente da situação, com detalhes sobre as conseqüências
desta semana conturbada que aconteceu comigo. Se o plano der errado, então eu
pegarei a carta antes que ela, pois chego cedo a casa e nada acontecerá e ela
não precisará saber de nada, não ficar preocupada a toa. e se der certo o plano, ela saberá a verdade, mas tudo já estaria perdido mesmo.
Então fui para o trabalho com medo do dia, mas sem saber o certo se a
vida que tinha conquistado nesta semana conturbada seria durável, se valeria a
pena lutar por essa vida maravilhosa desta semana que até então não conhecia,
pois era experiente em
desapontamentos. Sei lá, deveria desapegar o quanto antes,
sabe, no estilo do jogador que sai enquanto está ganhando por motivo de segurança.
Mas eu a amo muito, uma semana bastou para ter certeza disso.
Saio do serviço, espero um ônibus e sinto que há uma luz de infravermelho
apontada para mim. Vejo da onde sai a luz, arregalo os olhos, mexo a mão
desesperado, fazendo sinal de negativo, e correndo em direção a essa luz para
tentar conter o óbvio....
Todos escutam um disparo, eu caio no chão morto, e o serviço foi
executado com perfeição, pelo serviço valeu os 4.000,00 que tinha pagado para
um atirador de elite me matar. Parece loucura, mas entendendo que sou católico
e covarde, tudo faz sentido. No meu ver, suicido leva ao inferno, então queria
ir para o céu, pelo menos não sofreria como sofro nesta vida.
Vejo uma luz clara, é a arrebatação....
_____
- É isso, São Pedro, eu estou pedindo uma segunda chance porque não foi
suicídio, foi burrice, desejo voltar à Terra para continuar a vida com a
Sabrina, mulher que tanto amo.
São Pedro olha os altos de infração, mexe na barba e dá o veredicto.
Eu acordo em um hospital com ferimento grave, porém saio com vida. A
Sabrina leu a minha carta e quis saber por que eu queria me matar dessa forma,
eu apenas disse tudo o que já contei a são Pedro. Nunca esquecerei o olhar de
aflição de Sabrina ao olhar para mim, um olhar de amor fraterno.
Não errarei dessa vez.
Finalizo esta carta porque estou vivo.
O trabalho A Carta de Júlio César Anjos foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição - NãoComercial - SemDerivados 3.0 Não Adaptada.
Com base no trabalho disponível em efeitoorloff.blogspot.com.
Comentários
Postar um comentário
Comente aqui: