Pular para o conteúdo principal

A derrota para o inimigo

Por: Júlio César Anjos

Se for para morrer, gostaria de deixar a vida pela lança do meu maior inimigo, porque morreria sabendo que o melhor guerreiro venceu-me, e não perderei a vida a um subalterno qualquer do lado oposto (do outro lado da força), que terminou o serviço com uma facilidade que não condiz com a minha grandeza de rei. Morrer pelas mãos do inimigo, no fronte de batalha, é o maior respeito que um lutador pode conseguir em vida, pois sai do plano terrestre em paz, sem mazelas e glorificado.

As pessoas acham que o fracasso acontece quando o indivíduo perde para o pior inimigo, mas a verdade é que o fracasso vem quando qualquer um pode vencê-lo com facilidade, pois por algum modo não consegue empunhar nem mesmo a espada, quanto mais desferir golpes e defender-se, mostrando que a derrota virá de qualquer um, a qualquer momento. Morrer pelo inimigo mais forte significa que está com disposição, atitude, forças de um guerreiro, e a honra intacta, tão preservada quanto a honestidade de olhar uma ultima vez o rosto de quem mais odeia, ceifando a vida como se fosse o Zé da Morte.

Há mais situações em jogo ao morrer nas mãos do inimigo que mais odeia e não é somente por questões honrosas, mas por questões sensitivas do corpo e da alma. Sabe-se que quando um lutador está com muita raiva, o sangue ferve, e a partir de dado momento da luta o guerreiro não sente a força dos golpes sofridos, morre sem sentir um pingo de dor. Passaria pelo portal que divide a vida e a morte em segundos, iria para o além com o sentimento de ter feito tudo que era possível, sem mácula contra o inimigo e sem dor da lança apunhalada.

Penso que se lutar com um subalterno, eu não teria raiva, o sangue não ferveria, não estaria em jogo honra, e também não gozaria de vitoria e glória em tirar uma vida. Por isso que se perdesse para um subalterno, teria desonra, dor, perderia para um ninguém e sofreria ao ir para o lado espiritual.

Na guerra entre gregos e troianos, Heitor, mesmo morrendo nas mãos de Aquiles, foi glorificado porque lutava por uma razão, contra o maior inimigo guerreiro, pela honra de uma nação, e por uma causa nobre de defesa do irmão. Já Aquiles foi morto por uma flecha, de um subalterno qualquer, sem honra, lutando simplesmente por ser mercenário.

Heitor, a meu ver, chegou a plenitude de um guerreiro e morreu de uma forma heróica. E foi tão agraciado pela história que, milênios após o ocorrido, ainda nos deparamos com a história de um derrotado que saiu vencedor e, se cabe contar a história quem vence a guerra, a história de Heitor é exceção à regra.

Levante, lute, nem que seja para perder o posto para o maior inimigo, mas mantenha a chama de guerreiro constantemente, para não ser derrotado por qualquer aventureiro em qualquer batalha disputada pela vida.

Hoje em dia, a batalha de corpo a corpo tem um nome chamado “relacionamento”, os campos de batalhas são chamados família, trabalho, afinidade, e as lutas são diárias para conquistar namoradas, cargos no emprego e posições sociais. Não conseguir nem mesmo levantar a lança para defender-se, neste conceito, significa estar com problemas psicológicos que interferem o sucesso do guerreiro para almejar a glória.

Se tiver buscando um cargo empresarial, pelo menos lute ao ponto de dizer: “pelo menos perdi o cargo para o melhor concorrente”. O que é melhor que sofrer por antecipação, sentir-se derrotado, deprimir-se, e no final perder a batalha por nem ir ao menos buscar o cargo e dizer: “perdi a oportunidade por nem ter tentado”.

Em uma partida de futebol bem jogada, os dois times que fizeram a peleja muito disputada, tanto o derrotado quanto o vencedor saem felizes em saber que a partida valeu a pena ser jogada. Jogar contra um time mais fraco e vencer é perda de tempo, e jogar contra um time menor e perder é crise. Jogar contra um clube rival no mesmo patamar de qualidade e perder, é algo normal e encarado com naturalidade.

Chega-se à conclusão que perder para o inimigo é melhor do que se imaginava.

Licença Creative Commons
A obra A derrota para o inimigo de Júlio César Anjos foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Uso Não Comercial - Obras Derivadas Proibidas 3.0 Não Adaptada.
Com base na obra disponível em efeitoorloff.blogspot.com.


Comentários