Por: Júlio César Anjos
Ao esperar o ônibus para voltar para a casa, aproveito o tempo ocioso
para observar pessoas que estão em minha volta, diferenças rotineiras que estão
a todo instante ocorrendo, embora ninguém perceba pelo fato de utilizarem a
viseira social. As pessoas estão muito individualistas, tão intrínsecas e
intangíveis que nada retira a concentração hipnótica do próprio ego.
Na primeira semana de observação plena, com a retirada da viseira social,
vejo um sujeito bem vestido, limpo, rosto saudável e boa educação pedir-me um
trocado, uma esmola. Fico intrigado, pensativo, ofereço pouca consideração e
dinheiro, forneço poucos trocados e nenhuma possibilidade de humanização ao
sujeito. Cada um com os seus problemas...
Na segunda semana não vejo muitas coisas além do básico: alunos sem
pretensão nenhuma sobre o tempo, achando que não é escasso, e gastando horas
entre conversas juvenis; homem de idade avançada com dificuldade para andar;
uma mulher de meia idade correndo para não perder a condução; e o rapaz que dei
esmola passando lá longe, aos passos de pingüim.
Na terceira semana encontro novamente o rapaz que ofereci pouca
gratificação financeira e nenhuma gratidão social. O moço estava maltrapilho –
sujo, com roupas já rasgadas, com um andar sôfrego, com o rosto irreconhecível
e gesticulando coisas que não conseguia entender. Era outra pessoa, não podia
ser aquele rapaz que estava em boas condições e pedia um trocado para voltar
para a casa. Perguntei algo a ele, mas não estava em condição de responder nada
a ninguém naquele momento.
Fiquei muito encucado com a situação e tentei conversar com uma moça
sobre a situação, mas a menina só tirou o i-pad para escutar o que eu estava a
importunando, deu uma resposta vazia que não sabia de nada e colocou de volta o
fone no ouvido. Fui até a guarita dos seguranças do terminal para saber sobre a
situação do moço e o guarda explanou que o sujeito estava praticamente morando
no local e fazia três semanas que a nova morada do jovem era o terminal. O
guarda não é outro observador pesquisador como eu, ele é remunerado para ver as
pessoas, mas nada faz para ajudar porque a função dele é servir e proteger.
Nada mais. Não o culpo.
Com o sentimento de impotência, e inconformado com a situação, cheguei à
conclusão que isso acontece a todo instante, nos olhos de todos, mas as pessoas
fecham a cortina do problema e abrem um plano de fundo que convém. As mesmas
pessoas que fingem não ver que a todo instante zumbis aparecem na rua, no
bairro, na cidade, são as mesmas que ficam revoltadas em ver no noticiário reportagens
justamente sobre este mesmo assunto.
Nos filmes as pessoas correm dos zumbis; já na vida real os cidadãos
convivem com os semimortos e os excluem com o mecanismo de invisibilidade, se
defendendo através de mecanismos constitucionais. A indiferença é a pior arma
mesmo, deixa até mesmo zumbis acanhados e jogados nos cantos, ficando as
margens da sociedade, pela nossa cultura atual.
Eu nada fiz para ajudar o moço, nada faço neste exato momento e não sei
se farei algo para ajudá-los no futuro, pois eu tenho a muleta que satisfaz
qualquer solução: Eu tenho problemas demais para resolver e no momento não
posso ajudá-lo porque quase não consigo me ajudar. Voltei a utilizar a viseira
social e nada mais vejo daqui em diante para não me incomodar.
Tenho medo de
ser pedinte.
A obra Pessoas de Júlio César Anjos foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Uso Não Comercial - Obras Derivadas Proibidas 3.0 Não Adaptada.
Com base na obra disponível em efeitoorloff.blogspot.com.
Comentários
Postar um comentário
Comente aqui: