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O ritual


Por: Júlio César Anjos

As luzes acesas dos automóveis escancaram o que a noite tenta em vão esconder através da escuridão da natureza, na praia de Guaratuba durante o inverno, há apenas 6 jovens reunidos para celebrar um ritual de iniciação, o ingresso e aceitação organizada pela seita. A tradição se inicia.

Os envolvidos são jovens de torcida organizada, uma facção fanática ao futebol que tenta a cada dia angariar mais torcedores em prol da causa, tentando glorificar atos de vandalismo e arruaças nas cidades do país. Esta organizada, porém, tem um diferencial em integrar associados em diferentes provas, ou seja, há algumas escalas dentro do próprio quadro associativo como a bateria, pelotão de frente, ala feminina e comando e apoio.

O conjunto de atos e práticas se inicia. Os responsáveis pela execução do ritual exigem aos membros roupões com capuz na cor branca e que a seção seja feita a noite, numa praia deserta. A única testemunha é a lua cheia, que fornece um pouco de iluminação, tentando clarear um pouco a manifestação que os jovens fazem ás escondidas da cidade, das pessoas.

O ritual é feito apenas para aqueles que vão integrar o pelotão de frente, não cabendo prova (ritual) alguma para outro setor da organizada. Caso o indivíduo não consiga o objetivo de integrar a esse pelotão, então ele aceita o fracasso e continua sendo membro das outras alas, ou seja, pertencerá a bateria, comando feminino e comando e apoio, menos ao pelotão.

Os seis integrantes se dividem em regiões, sendo os seguintes representantes chefes e envolvido: Zona Norte; Zona Sul, Zona Leste, Zona Oeste, Zona Central e o indivíduo que passará pelo ritual. Cada integrante de uma micro região traz um ensinamento.

O da Zona Norte ensina que o pelotão de frente nunca correrá e deixará para traz um dos seus; da Zona Sul vem o ensinamento que os interesses de defesa do clube sobrepõem as leis da constituição de qualquer país; a Zona Oeste ensina que o membro do pelotão sempre andará com outro membro ao lado, mecanismo de defesa (em bandos); da Zona Leste ensina que sempre exaltará o clube em qualquer lugar que seja (chauvenismo do clube); e o chefe da Zona Central, o máster de todos, dá o ensinamento de todos, que é sobreviver ao ritual.

Após lerem todos os ensinamentos, o máster se aproxima do rapaz que será testado pelas leis desta facção, mas antes pergunta ao interessado se o indivíduo realmente quer passar por tal provação. O interessado aceita.

Sendo assim, o rapaz aceita a penalidade e pela primeira vez saberá se obterá a chave de entrada para os Vips do clã. Todos os chefes das sub-sedes começam a bater no rapaz após a aceitação, o espancamento coletivo como atração principal da provação. A covardia persiste até o indivíduo quase não resistir mais e perder a consciência, e a última coisa que o sujeito lembra após ser linchado é sobre alguém falando ao pé do ouvido dele que se agüentar essa provação, será membro efetivo do grupo.

Quase sempre o rapaz que passa por essa provação morre. Os membros levam o indivíduo morto ao hospital e a desculpa é sempre a mesma, que foram para a praia curtir e, em um momento de descuido, o rapaz foi agredido por nativos ou outra facção rival e por isso não haveria tempo de salvá-lo. A desculpa sempre cola, apesar das mortes virarem rotina na terra sem lei.

Os familiares, por causa do momento de fragilidade, nunca ligam os fatos que os punhos dos colegas sempre estão com escoriações, o mesmo braço que surra o integrante até a morte, é o mesmo que leva o defunto para o hospital e o despeja em um leito qualquer.  Ligar os fatos é acionar a teoria da conspiração e, como ninguém pode provar nada, fica por isso mesmo.

O jovem que passou por este ritual consegue ficar vivo. Mas, quis o destino pregar uma peça a facção, tal rapaz não era nem torcedor do mesmo time, era um integrante de uma torcida rival e queria saber o que fazia sucesso entre o clã do pelotão de frente do rival. Já sabe. Hoje o rapaz é chefe da outra organização e faz o mesmo ritual que outrora foi submetido a fazer na outra organizada.

E mais jovens morrem entre a própria torcida e confrontos entre rivais.

Licença Creative Commons
A obra O Ritual de Júlio César Anjos foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Uso Não Comercial - Obras Derivadas Proibidas 3.0 Não Adaptada.
Com base na obra disponível em efeitoorloff.blogspot.com.




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