Por: Júlio César anjos
Quando eu era adolescente, lá nos anos 90 e com o plano real já em
funcionamento, tenho lembranças das épocas de férias prolongadas, em que os
estacionamentos das grandes cidades esvaziavam e as praias superlotavam. O meu
tutor, meu pai, sempre que dava feriado prolongado, arranjava um jeito de levar
toda a família para viajar.
Eu não sou filho da inflação e nem do baixo poder de compra, cresci
sabendo que a cesta básica quase nem subia. Desconheço o trabalho alucinante e
desenfreado que os repositores executavam ao utilizar na velocidade máxima os
marcadores de preço (sei que acontecia isso somente por tradição). Não sou
filho do descontrole econômico, a moeda era forte e sempre conseguíamos dar um
jeito de escapar para um lugar descontraído quando o calendário permitia.
O crédito não era tão fácil de obter, porém a maioria absoluta da
população tinha cartão de crédito e cheques. O governo fazia uma espécie de
poupança forçada e as pessoas, em sua maioria, não gastavam mais o que podiam,
porque sabiam dos efeitos nocivos do descontrole do crédito. Havia honra em
pagar contas e ser honesto. Hoje a desonestidade dos governantes contaminou o
povo, honestidade nem é tão ruim assim para alguns.
Era duro viver em uma transição de país caótico economicamente para
controlado na base da coleira uma inflação muito selvagem. Porém o povo
conseguia comprar o rancho da casa porque o poder de compra era alto. Ah tempos
que não voltam mais...
Hoje dei uma espiadela ao entorno do meu bairro e vi uma grande
quantidade de carros. Perguntei a um vizinho porque não viajou e prontamente
acusou de vilão a gasolina. Outro vizinho que passava por perto escutou a
conversa e emendou o papo dizendo que as “coisas subiram”.
Fui até a casa do meu pai e conversei um pouco com o ancião que tudo me
ensinou. O velhote, aposentado, lastimou o aumento do mínimo que não corrige a
inflação e explicou que nem nas épocas de crise o povo tinha tão baixo poder de
compra como agora.
Aí eu fiquei encucado, se há crédito, mas não há poder de compra, então o
que está acontecendo? Fui pesquisar sobre o assunto no oráculo e as informações
explodiram aos meus olhos, mostrando que o povo está ficando mais endividado. O
governo soltou de vez a coleira, a ferocidade da inflação atacou o bolso do
povo que, sem ter onde correr, já não mede mais a nocividade em ser um devedor
desenfreado.
Eu não viajei neste feriado porque estou trabalhando neste final de
semana (com hora extra), mas como o patrão é filiado ao partido da situação,
então o sindicato faz vistas grossas por aqui e o ministério do trabalho finge
que multa. O meu trabalho está tão escravo quanto o que acontece aos
trabalhadores do Rio Madeira. E o partido da situação se diz dos trabalhadores,
vai entender...
A situação que eu tenho é que piorou, mas todo mundo branda a todos os
cantos que melhorou. Talvez eu tenha ambição de mais ou todos que ostentam que
o país melhorou possuem ambição de menos.
Engraçado ver os resultados na prática e chegar á conclusão que os militares
construíram com muito mais dificuldades grandes usinas como, por exemplo,
Itaipu, sendo que muita da infraestrutura que ainda está aí é desta época “negra”.
Hoje não sai obra alguma, até inventaram um marketing em cima, e o resultado
entre o atual governo e das décadas passadas dá a entender que estamos
regredindo nas mega construções. E veja só, o ex vice presidente era dono de
fábrica de cimentos (faleceu recentemente e foi aclamado pelo povo só por ter
resistido a morte). Não consigo entender o que impede de executar as coisas.
Falam a todo instante na TV que
não há desemprego neste país, mas meu cunhado está desempregado há dois anos e
resolveu fazer bico para não morrer sumariamente de fome (o governo o considera
empregado), mas ele diz que não está empregado, só paga o INSS para não perder
tempo para se aposentar. Porém o bico mal dá para colocar comida na mesa. Minha
irmã tem um emprego formal e outro informal, tem que fazer isso porque o
salário em um emprego só já não faz sustentar o conforto que ela acredita ter.
Meu cunhado não entrou no bolsa família, mas pelo cenário poderia receber a assistência.
Mês atrás estava em uma roda de amigos de meu primo, que durante a
conversa se queixou sobre os constantes assaltos em sua residência. Os amigos
dele riram, chamando-o de boca mole. Eu entrei na conversa e perguntei por que
não chamava a polícia, aí que gargalharam de vez, explicando a mim que já foi
tentado isso, mas que hoje não surte efeito. Um dos integrantes falou que cada
um é a própria polícia e o próprio juiz e que meu primo deveria matar o bandido
que é conhecido no meio, já que a polícia não resolve e continua o problema.
O ladrão conhecido é viciado em crack, quase nem consegue suster-se na
própria perna, mas é bem ativo na hora de roubar os outros. Essa droga é a pior
de todos os tempos, devastadora, mas o governo não faz nada para conter esse
mal, parece que ao abrir as fronteiras e não gerir a segurança colabora com os
traficantes. Veja só, esses dias um governante bem aprovado pela população
chamou as FARC, maior facção criminosa da Colômbia, de partido político.
Absurdo.
Hoje é início de feriado prolongado, por que você não foi viajar?
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