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Amigos de Armas!

Por: Júlio César Anjos

 O ano é de 1976, a manhã está com cerração e não dá para ver muito além do horizonte. Aos poucos consigo escutar algo que não compreendo em um primeiro momento, múrmuros de quem está muito longe, mas, assim que aumenta o som, a nitidez do que acontece explode em meus olhos, pois os guerrilheiros se aproximam de mim com a ferocidade de um predador que necessita saciar a fome e a sede. E eis que acontece uma manifestação.

Eu estou na esquina, perto de um poste, trajado com o meu sobretudo azul, sapato preto e chapéu preto com detalhes em amarelo. Os policiais vestem o fardamento de rotina e acessórios como cassetetes e armas para manter a ordem, e os manifestantes caminham contra o vento, sem lenço e nem documento, mas com muita artilharia pesada.

Fico com medo, me assusto com a perturbação da ordem, pessoas de bem saem correndo do local e eu fico inerte, estático como alguém que acaba de receber um susto. Não dá mais tempo para fugir, tenho que ficar, então ao menos verei tudo o que acontece. O caos está formado.

Mesmo diante de todo o caos eu consigo me controlar e olho para o relógio que está na mesma mão que seguro a minha maleta, o relógio marca 07:30h, vou chegar atrasado ao trabalho, mas não é culpa minha. Neste momento chega perto de mim um guerrilheiro moreno, enrolando um baseado, tentando convencer-me que o levante é por uma boa causa. A abreviação do primeiro nome dele é Beto, mas não sei se é o nome verdadeiro. Beto vai embora cantarolando.

A confusão vai para outro local e, com a calma estabelecida, dou um passo pra frente, para seguir adiante, e eis que escuto e vejo um policial conversando com uma manifestante armada:

Policial – A senhorita tem que se acalmar
Manifestante – você não entende seu porco ditador
Policial – Escute, a senhorita não quer fazer isso
Manifestante – Sinto muito..

Um corpo cai. O militar cai sem pulso e a morte é certa, já que atingiu um disparo a queima roupa bem no coração. A manifestante se desespera e cai em prantos ao ver a sua mão cheia de sangue...

Ela, a manifestante, fica de joelhos sobre os meus pés e naquele momento não sei se fico enojado em ver uma assassina ou com pena de ver uma alma que acaba de ser perdida. A moça, com os olhos cheios de lágrimas e grande nervosismo confessa para mim:

Manifestante – Foi por uma boa causa, me perdoa, foi por uma boa causa....

Eis que o amigo da manifestante, um outro manifestante, um rapaz com uma faixa escrita Zé na testa, chega:

Outro Manifestante – Vamos Vanda, não dá mais tempo, temos que fugir.

Eu somente olho bem nos olhos dela e faço somente um ar de reprovação. Os dois fogem e ninguém mais os vê por um longo período.  

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